0

‘Tu te enganaste’: quantas vezes pode essa frase ser reescrita quanto à colocação pronominal?

Tu enganaste-te (ênclise, uma vez que não há atrativo para exigir a próclise).

Enganaste-te (também ênclise, sem o uso do pronome reto tu e para não começar a frase com o pronome oblíquo átono te).

Te enganaste (frase popular, que descumpre a regra de que não se deve começar a frase com pronome oblíquo átono, mas se trata de fato corriqueiro).

São, pois, 3 opções.

A própria frase da introdução (Tu te enganaste) contém próclise opcional, uma vez que o pronome oblíquo átono te em frase desse nível, em próclise ou ênclise, tem o mesmo valor gramatical e semântico, sem prejuízo de significado ou de redação, seguindo o modelo de conjugação de verbo pronominal.

As colocações pronominais têm nomes impopulares.

Estudadas (parcialmente?) nos ensinos fundamental e médio, sequer, são lembradas posteriormente, e, no dia a dia, vêm usos estranhos à regra.

Um deles, o fato de se iniciar a frase com o pronome pessoal oblíquo, que a Gramática Normativa proíbe, é muito popular.

A mais fácil delas seria a ênclise, que ocuparia o lugar de colocações errôneas, uma vez que a próclise ou a mesóclise não sejam exigidas. Mas a coitada nem sempre é revista, por isso, as feituras ‘me diz aí, nos fale agora, se liga nisso’, e outras (até ‘mim diga tudo’), circulam amplamente.

A primeira razão desses motivos seriam os nomes estrambóticos nascidos do Grego (ênclise, mesóclise) e (próclise) do Latim.

Ênclise, colocação do pronome pessoal oblíquo átono depois do verbo (se a próclise e a mesóclise não forem obrigatórias, e para não se começar a frase com o mesmo pronome). Espere-me em sua casa hoje, às oito horas.

Próclise, colocação desse pronome antes do verbo quando houver termo atrativo (palavra de cunho negativo, pronome relativo, conjunção subordinativa condicional etc.). Quando o visitar, chegue antes das seis da tarde, pois ele dorme cedo. (Detalhe: como visitar está no infinitivo flexionado (futuro do subjuntivo), pode haver ênclise: Quando visitá-lo, chegue antes das seis da tarde, pois ele dorme cedo.)

Mesóclise, colocação do pronome pessoal oblíquo átono intercalado à forma verbal (apenas nos futuros do presente e do pretérito do indicativo, desde que a próclise não seja obrigatória). Amá-la-ei por toda a minha vida. (Detalhe: um não exige próclise: Não a amarei por toda a minha vida.) Se pudesse, fá-lo-ia todos os dias: almoçaria feijão de corda com torresmo.

A mesóclise, por vários motivos, está em desuso, e se tornará, em pouco tempo, item gramatical arcaico. Não é vista com frequência nem em textos cultos.

A próclise seria a regra mais ‘desestudada’, por isso, a mais descumprida ou abominada. Desestudado, de desestudar, teria a semântica de não estudar e, por cima, odiá-la, descumpri-la, abominá-la.

Esse o aspecto em que normalmente se dá a reação de alunos às aulas de Língua Portuguesa quando o desassistido professor (pelo Governo e por muitos na área social) introduz o estudo da colocação de pronomes pessoais oblíquos átonos na frase.

Como não se deveria começar a frase com o pronome pessoal oblíquo átono, ele seria deslocado para depois do verbo, precedido de um hífen.

Simples assim?

Mas nem isso é seguido ou respeitado. Haja vista o número elevado de frases que se veem no dia a dia nos anúncios da mídia e na fala cotidiana iniciadas pelo pronome pessoal oblíquo átono.

Se alguém reagir, vêm respostas (evasivas?): a mídia inova (com a liberdade de expressão e a metodologia moderna de convencer o ouvinte ou o usuário), e o fato de o povo usá-la como quiser.

Me liga, cara”, disse o amigo.

Ficou bonito? Sim ou não, essa frase apelativa é moda inovadora, mas não segue a norma gramatical.

O bordão “Se ligue”, cujo complemento vem a seguir, tão usado em enunciados comerciais, muitas vezes mais incomodariam que diriam algo ‘sustentável’.

Assim, num piscar da escrita e do falar, vemos: “Nos deixou cedo.” “Se foi pelo mato adentro e sumiu.”

Certo é que os exemplos populares, em especial os falados, seriam perdoados, mas os escritos, comuns em textos nobres, desde que não representem a fala popular, não deveriam seguir esse viés, mas estão em evidência, abundantemente, tanto de sites regionais como de grandes periódicos, muitos de nível cultural alto, pelo teor crítico-analítico e/ou científico, cuja redação contém ainda o mau uso da vírgula (comumente, colocada após o sujeito), da crase (à todos, à prazo, à ofertas), coitada, ‘ofendida, deturpada, lesada’ etc., e de outros motivos (o povo decidem o voto em 15 de Novembro).

O solecismo, então, é visível, como o é o Sol a pino ao meio-dia no sertão do Nordeste, que traz seca por um lado, mas, por outro, o calor para a fruta madura ser mais doce que uma de região fria. A manga-espada da Bahia é sublime, como o ipê-rosa, agora florido, mostra a imponência da árvore-símbolo de um Brasil cujo Meio-Ambiente estaria sugado pelo gado ‘rico’ e por produtos de exportação. Que o diga o Pantanal: o Cerrado está-se tornando ‘macega’ por culpa da mente humana, não da Natureza em si.

“Chegou na cidade.” “Foi marcado uma reunião.” “Os corpos deverão serem sepultados.” “Foi condenado há 15 anos de prisão.” “A 15 anos, foi condenado à prisão.” “As pessoas vítimas de acidente, foram levadas ao Hospital Municipal.”

Corrigindo as ‘pérolas’: Chegou à cidade. Foi marcada uma reunião. Os corpos devem (deverão) ser sepultados no cemitério da mesma cidade. Foi condenado a 15 anos de prisão. 15 anos, tinha sido condenado à prisão. As pessoas vítimas de acidente foram levadas ao Hospital Municipal (sem o uso de vírgula). As pessoas, vítimas de acidente, foram levadas ao Hospital Municipal (com o uso de duas vírgulas intercaladas).

A próclise teria listagem maior de motivos, mas nem assim é seguida. Além das regras, a causa principal de ser necessária, diria o douto na área linguística, seria a boa audição, isto é, a dicção e a eufonia.

E encontramos: ‘O homicida que encontrava-se preso fugiu da cadeia superlotada’, quando seria ‘O homicida que se encontrava preso fugiu da cadeia superlotada’, não importando que a frase intercalada esteja entre vírgulas ou não. Se estiver virgulada, tem-se uma oração subordinada adjetiva explicativa (‘O homicida, que se encontrava preso, fugiu da cadeia superlotada’); se não estiver, temos oração subordinada adjetiva restritiva (‘O homicida que se encontrava preso fugiu da cadeia superlotada’).

A redação detalhista ou criteriosa, de caráter culto ou erudito, deveria seguir a norma gramatical, o que nem sempre é cumprido por esse ou aquele, alegando o porquê (de) a quem a notícia é destinada.

O quê, como pronome relativo (o qual, a qual, os quais, as quais), é o mais emblemático dos atrativos que exigem a próclise ou pronome proclítico, entretanto, o dia a dia é outro.

“Aquele que levanta-se cedo bebe água limpa”, diria o texto. Aquele que se levanta cedo…

Por isso, Levante-se cedo (e não ‘se levante cedo’). Levantar-se-á cedo. Levantar-se-ia cedo. Quando se levantar cedo…

O não que exige próclise pode oferecer opção redacional desconhecida.

Eu não a vi ontem (como quer a Gramática Normativa), mas o poeta, ousado, usaria apossínclise, a próclise da próclise: Eu a não vi ontem. Isso que não lhe deve ser dito (da Gramática). Isso que lhe não deve ser dito (do poeta).

O assunto envolve muitas linhas, mas isso basta.

O nababesco se vangloria de defecar em vaso de ouro. Por isso, seria o mais feliz, teria mais saúde e a caca teria fragrância de rosas rubras?

João Carlos de Oliveira

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *