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“Quando ‘tive’ na casa dele, não fui informada sobre isso”, teria dito a senhora. Por que o uso de ‘tive’?

Frase que teria sido dita por uma senhora sobre a história de um familiar, vítima de morte em acidente.

Que linguagem é essa?

Dois verbos de alto uso, tanto no contexto popular como no culto, da fala descontraída à redação de tese de doutorado, estar e ter são dinâmicos, superúteis e eficazes, mas podem ser confundidos, havendo a conjugação ‘trocada’.

O contexto coloquial costuma substituir o formal pelo informal, com bastante frequência. Esse comportamento da linguagem não seria erro ou ‘problema’ desde que o falante ou redator fincasse o marco distintivo para cada caso.

Se não houver a identificação, pode-se entender que o ‘popular’, usado na liberdade de expressão ou licença poética, seria a forma gramatical indicada pelos compêndios.

Um caso comparativo: ‘Se eu tivesse dinheiro, comprava um carro’, frase popular. Se eu tivesse dinheiro, compraria um carro. (O imperfeito do indicativo costuma substituir o futuro do pretérito do indicativo.) Vem amanhã cedo, viu! Venha amanhã cedo, viu! (O presente do indicativo com valor de imperativo afirmativo.) Sem a devida diferenciação, constitui-se lapso.

Bem usado, ‘tive’, quando não é do verbo ter, mas uma aférese a grosso modo de ‘estive‘, do verbo estar, ficaria uma maravilha, e logo se perceberia ‘o direito’ de uso de uma forma verbal no lugar da outra.

Resta saber se todo usuário, nesse momento, teria essa consciência. Não a tendo, propaga-se o engano.

Outras aféreses do dia a dia: Tô lá mais tarde (no lugar de estou). Tá chegando (no lugar de está). Em tempo: Não use ‘Ele deve está em casa’. Se já flexionou o primeiro verbo, na locução verbal, o segundo não pode flexionar: Ele deve estar em casa. Como há quem use ‘Deve tá aí’, pode-se pensar que não houve a troca.

Mas troca, ou erro, como?

Tive lá‘ tem o mesmo nível de ‘Tá legal’, ‘Tô bem’, entre outras formas radicadas no contexto popular. Falar no contexto familiar, usá-las de  forma consciente é um recurso da linguagem informal, mas fazer uso delas no contexto formal não seria um bom viés, a não ser que no momento tenham o papel de representar a fala de uma personagem.

No interior de todo o Brasil, costuma haver frases similares a essas: ‘Tô-fraco’, onomatopeia que representa a galinha-d’angola, ou cocar, também chamada capote. E outros nomes.

A rolinha chitadinha, maior que a branca e a caldo-de-feijão (rolinha vermelha), por causa de seu canto melódico e tristonho, a um só tempo, é chamada rolinha fogo-pagô. Ela canta repetidamente ‘fogo pagou, fogo pagou’, no alto de uma árvore, até encontrar o companheiro, ou o que procura. Quando voa, suas asas emitem um chiado característico. É muito bonita. Seu ninho, frágil, no galho tortuoso da árvore, com pouco espaço, costuma ostentar dois ovinhos brancos.

A onomatopeia é um grande recurso da linguagem, e muitos nomes, de animais diversos, em geral, nascem em virtude dela: o bem-te-vi, o tô-fraco, a rolinha fogo-pagô, como termos populares: dindim (o dinheiro, e não ‘dindin’), tintim (detalhe; tintim por tintim), e verbos: tilintar, tintinar, cacarejar, cocoricar, pipilar etc.

A onomatopeia, é bom lembrar, tem dois aspectos relevantes: vocábulo cuja pronúncia lembra o som de certa coisa ou a voz do animal, murmúrios e outros; e frase constituída, tem o papel de causar um efeito fonético imitativo.

O burro urra, e o homem tenta imitá-lo: uma forma onomatopaica do folclore brasileiro.

As crianças, aliás, são boas mestras no uso de onomatopeias, mesmo não as conhecendo nem que teriam esse nome estapafúrdio, vindo do Grego. Cebolinha a usa? Magali a usa? Mônica, sim, a usa com sabedoria, insinuando que alguém agiu de forma errada.

Chico Anysio com seu ‘vapt-vupt’ criou marca registrada (“E o salário ó!”). No comum, todos conhecemos cocoricó, miau, tique-taque, timbum, tchibum etc. Quais os seus exemplos?

A imitação do som do espirro é curiosa, e tem um lado quase infantil: atchim! O alerta através do assobio tem vários sons, cada um com sua versão: uma onomatopeia de gente sabida; e o grito de vitória (Uhuuu!) provoca reação coletiva.

E lá se vão tantos exemplos que nem caberiam neste espaço.

Vamos à flexão de estive, no pretérito perfeito do indicativo (verbo estar).

Eu estive, tu estiveste, ele esteve, nós estivemos, vós estivestes, eles estiveram.

E por que usar tive como estive? Porque é mais econômico, mais fácil, toma menos tempo e menos espaço. Bem usado, tudo bem. Mas confundir com ‘tive’, de ter, jamais.

Eu tive, tu tiveste, ele teve, nós tivemos, vós tivestes, eles tiveram (verbo ter, no mesmo tempo e modo). Como se parecem!

Se no infinitivo as grafias não se parecem: ter e estar, na flexão, como mostrado, parecem dois ‘mabaços’, gêmeos, que nascem aderentes (homem, animal ou fruto). Num cacho de bananas, duas vêm grudadas, formando uma só: banana-filipe. Alguém pega ‘essa dupla’ e a oferece a um amigo, dizendo: Pague meu filipe! Pela tradição, quem recebe esse ‘presente’, deve dar algo em troca a essa pessoa, por questão de educação e respeito.

Nossa linguagem vai e vem; o vaivém do serrote que nem sempre serra no caminho certo.

Usá-la limitada e conscientemente é bom, mas o exagero chateia. Fica pobre! O pouco é bela poesia e muita criatividade.

A todo instante, por causa do susto pandêmico, estão usando ‘Se cuida’ para dizer ‘Use máscara e se proteja’, mas, a todo momento, essa liberdade de expressão se torna uma chatice de doer os tímpanos, e o fulano nem usa máscara ou o álcool em gel ou outro critério protetor. Combinem-se comportamento e linguagem no mesmo patamar.

Textos de nível culto têm trazido grafia que não corresponde à regra gramatical: obceno no lugar de obsceno; super modelo, no lugar de supermodelo; anti-asiático no lugar de antiasiático, tal como se usa antiácido, mas anti-imigrante (por haver duas vogais iguais).

Um maneira meio estranha de se usar ‘super’ tem invadido o cérebro de alguns.

“Ele super me atendeu bem”, exemplo em que a deslocação do prefixo cria uma redação enviesada. A variante seria ‘Ele me atendeu superbem’.

Super, prefixo com valor semântico um pouco ‘menor’ que hiper, tem sofrido bastante. Supermercado, grafia-modelo para a maioria das existentes. Por isso, devemos usar superamigo, superespecial, superego, superdosagem, superprodução, supersensível, supersônico. O uso de super separado do elemento principal ou com hífen (super gentil, super-legal) não é bom hábito. Se temos supervisionar, supervisor, superveniente, logo, supergentil, superlegal, supertalento etc. Muitos ‘aparelhos’ não estão adaptados para corrigir esses enganos, ou os redatores não se preocupam.

Interessante frisar: se ‘super’ for usado sozinho, tem o valor de adjetivo ou substantivo, e deve ser acentuado com o agudo: Ele é súper (ele é o máximo, muito bacana, um cara supimpa). Existe o plural para essa expressão: Eles são súperes (mesmo que pareça estranho). A justificativa é que o redator está seguindo a regra da Gramática Normativa: palavra terminada em R, para fazer o plural, recebe o acréscimo de ES: inferior, inferiores; éter, éteres; zíper, zíperes; frízer, frízeres; revólver, revólveres. O súper, os súperes (se quiser inovar).

Um abraço.

João Carlos de Oliveira

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