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O que é uma palavra pejorativa? Por que estariam incluindo, previamente, muitos vocábulos nessa listagem?

Vocábulo pejorativo, que pejora, que constitui o ato de pejorar, é aquele que, por intenção do usuário, ofende, ou, deprecia a pessoa.

Não é o fato simples de a palavra ser citada. É preciso que haja o dolo, a vontade de que tenha o efeito de ofender, que venha a depreciar o alguém a quem a palavra é dirigida, direta ou indiretamente.

Chamar alguém de ‘moleque’ por intimidade, por brincadeira, pelo modo de falar em cada canto do nosso Regionalismo linguístico, não constitui, ou constituiria, crime de ofensa.

Certa ‘modernidade’ é que estaria vendo esse uso, fora do contexto, de forma exagerada, alegando que tudo ofende, bastando tão-somente que se fale ou escreva a palavra.

Se assim for, seria ato pejorativo alguém dizer que o veículo é ‘preto’? Seria crime de ofensa o historiador relatar em seu texto que o Brasil tem muitas ‘tribos’ indígenas? Que nossos ‘índios’ estão se aculturando, e nem sempre isso os valorizaria?

Há comentários, sem merecer o destaque de quem seria a autoria, de que livros de Monteiro Lobato seriam excluídos de ser oferecidos à leitura de meninos e meninas, por conterem palavras pejorativas. Na época de sua escrita ou edição, não o foram, e isso é o que vale, portanto, não se justifica a ‘vertente’ de que se reeditasse a obra, o que iria prejudicar todo o conteúdo literário e histórico, ou a obra fosse proibida de circular.

Dessa forma, até as obras do grandioso Guimarães Rosa seriam ‘condenadas’, chegando a um mestre como Patativa do Assaré.

Vocábulos em textos de Castro Alves, como tema central, poetizando os ‘negros’, os navios ‘negreiros’, em riquíssima linguagem, grandiosamente, condoreira, poderiam, ou, deveriam ser classificados como ‘pejorativos’?

Talvez, se ‘esse crivo’ exacerbado for aplicado, encontrariam termos pejorativos até em Romanceiro da Inconfidência, da poetisa maior Cecília Meireles? E o que dizer do conteúdo sarcástico de muitas obras do famosíssimo Jorge Amado? Nem obscenos seriam por estarem nos contextos de forma apropriada. Se analisarmos, por exemplo, ‘Teresa Batista cansada de guerra’, chegaremos a esse ponto: palavras desse naipe há, mas não obscenas nem pejorativas.

Essa ‘comprida’ introdução é o suficiente para chamar a atenção de que a análise quanto ao fato de serem condenadas muitas palavras tidas como pejorativas é ‘imprópria’; indevidamente, citada.

Se alguém usar ‘tropa’ como termo pejorativo, o Exército Brasileiro não poderá mais usar esse vocábulo ao se referir a seu contingente de cidadãos militares que atuam em suas fileiras?

As ‘tropas’ do Exército ficariam manchadas?

Houve, nesses dias, artigo analisando o comportamento de ‘prostitutas’ fazendo ‘greve’ pelo desejo de serem vacinadas de forma especial contra a horrenda pandemia. Nesse caso, o autor do texto cometeu ato ‘pejorativo’?

A música ‘Fuscão Preto’ deveria ser condenada, jogando-a na sarjeta e proibida de ser veiculada ou cantada por novo intérprete?

Nenhum questionamento acima teria sentido, vale o modus operandi pretérito. Assim não o fosse, toda a linguagem de ‘priscas eras’ não teria valor, como teria dito o nobre ‘nanuquense’ Antônio José de Azevedo, da Casa Espírita Antônio de Pádua, em Nanuque, autor da grande obra Sementeira Luzente, mesmo sendo ele baiano supimpa da região de Potiraguá, sua terra natal.

O passado vale, a Historiografia tem sua importância, a linguagem pretérita deve ser mantida, embora possamos analisá-la, ou até condená-la em algum momento, nunca extingui-la. Se alguém não o souber, que o saiba, daqui a alguns anos, muito do que falamos hoje não será ‘repetido’, período que não está muito distante.

Basta aguardarmos.

Não se pode chamar alguém de ‘gordinho’? ‘Obeso’ seria pejorativo, e em seu lugar seria ‘alguém com excesso de tecido adiposo‘? Essa frase teria sentido, mas não seria sinônimo de ‘obesidade’.

Se quiserem continuar condenando palavras, que hoje o seja, mas vocábulos diversos, até alguns tratamentos (Dona Preta, Baixinho, Raimundão, e outros), de cunho informal, ou familiar, até chegarmos a uma gama extensa de hipocorísticos (apelidos familiares), seriam ‘pejorativos’?

Nunca!

Os críticos literários teriam que refazer sua análise por terem incluído termos em seu comentário ou não terem comentado certas palavras nos textos de muitos autores? O grande dramaturgo Nelson Rodrigues iria para a sarjeta com seu drama ‘Bonitinha, mas Ordinária’, obra da Dramaturgia Brasileira, consagrada em filmes e até no Exterior?

Não vamos antever que alguém vá ou não vá usar certo vocábulo que seria pejorativo. Deixemos acontecer. Se alguém o usar com a ‘intenção de ferir’, e só assim a palavra será ‘pejorativo’, que seja condenado, ou o texto reescrito, ou que o autor se retrate diante do público e da Lei.

Alguém já vai antecipar que fulano cometerá ‘feminicídio’ amanhã por que muitos casos estão acontecendo?

Alguém já vai antecipar, agora, que fulano usará certo vocábulo amanhã, como pejorativo, por que estaria sendo usado ou alguém disse que é, sem considerar o contexto?

Há muito exagero.

Houve quem dissesse, há pouco tempo, que o uso de ‘doméstica’ seria pejorativo. Nesse caso, a CLT estaria condenada? A Lei fala em ‘trabalho doméstico’. Já se teria ouvido dizer que ‘empregada doméstica’ seria ‘secretária do lar’, expressão de conotação poética, que poderia ter outra significação.

Este colunista ‘vê’, em sua vertente, em seu conhecimento linguístico, mesmo que parco o seja, que o uso de palavra pejorativa existe sim, mas vale o momento, a intenção, o estado volitivo, e nunca a palavra ‘bruta’, fora do contexto. A palavra continua no dicionário, e cabe a cada usuário colocá-la no lugar certo, no momento adequado, sem ferir. Se a usou ‘para ferir’, que a vítima, com direito ao contraditório, ou à legítima defesa, por ter sido ofendida antes, nos devidos trâmites, possa expor diante do emérito Julgador: “Tenho que dizer a Vossa Excelência, com licença da palavra, que ‘puto’ é ele, pilantra, mequetrefe, que me chamou de ‘vagamundo’; ele, sim, canalha, moleque, cão-sem-dono, que merece ser punido como determina a Lei”.

Se ‘escravo’ for pejorativo, o Centro Histórico de Salvador, na Bahia, terá de refazer sua Historiografia e reescrevê-la, retirando de seus anais o vocábulo ‘pelourinho’?

Se isso for possível, as palavras ‘cu-e-ca’ e ‘cu-ei-ro’, em si, na bruta, teriam semântica pejorativa?

Se o vocábulo ‘negro’ for excluído de um texto de Monteiro Lobato, a expressão ‘Negrinho do Pastoreio’, do nosso folclore, também seria, por ter tom pejorativo?

O nu em si pode ser pecado; o artístico, não. Se o nu, a qualquer preço, for de cunho obsceno, a vasta obra de Michelangelo, o italiano, deveria ser ‘trancafiada’ nos porões dos Museus?

Pejorativo, como nos leciona o dicionário, é o vocábulo ‘depreciativo’, aquele a que se dá esse aspecto. Esse viés não seria, em nenhum momento, simplesmente isolado. O léxico perderia ‘dez por cento’ de seu vocabulário.

Não podemos dizer, previamente, que ‘preto, negro, puta, prostituta, escravo, moleque, bunda, xoxota, corno, safado’, e tantos outros, sejam termos pejorativos. Nem a palavra usada por injúria racial seria banida.

Podem ser, mas dependem do contexto. O dizer que certa palavra é pejorativa é impróprio; o dano ético-moral está no uso contextual.

Pejorativo, como se vê, é o ato de alguém chamar uma senhora de ‘tia, vó’ etc. Por que não tratá-la: “Como a senhora se chama? O que a senhora deseja?”.

“Um senhorzinho tentou separar os brigões”. Por que esse ‘zinho’?

Voltarei. Obrigado.

 

João Carlos de Oliveira

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