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Vôte!… Vai-se lascar, cara!… Num tô nem aí!… Oxente, meu amor, que nada!…

Época de gírias saudáveis, e algumas fortes que, nem assim, ofendiam. Foi o tempo. Não havia a maldade ‘na cabeça’ de quem as emitia nem na de quem as recebia. A discriminação não era o prato preferido de muitos, como hoje, que usam os termos (com sacanagem) para ofender.

A primeira da lista indica repulsa, repugnância, com enorme espanto, opondo-se ao inusitado ou fora do padrão. Um exemplo seria dizer que alguém teria pacto com o diabo, e o contador da história desejaria convencer o ouvinte de que os fatos seriam verdadeiros, e viria a reação. (O acento circunflexo evita confundir com ‘vote’, de votar, que tem som aberto; ‘vote’, gíria ou interjeição, tem som fechado.)

Numa competição local, o vaqueiro, mesmo um cidadão de estatura não tão elevada, salta e monta o burrinho sem pisar no estribo: cai na sela prontinho para a disparada. E o observador grita: Vôte!

A segunda seria quando o recebedor da mensagem não gosta do que o outro diz, e tem a reação com palavras desse naipe. Não termos chulos ou vulgares, mas de caráter negativo, para enfatizar: ‘O que você diz é uma asneira. Saia dessa, cara; eu não sou da sua laia. Vá ver se estou na roça catando maxixe!’ Mas, logo depois, ambos estariam sorrindo. A frase foi dita como gozação, não como xingamento. Não teria o nível semântico ou a intenção como se usa hoje, com aquele sinônimo de que o cara, ao pé da letra, fosse ‘sucumbir-se’, isto é, que de fato sofresse os reveses de um verbo começado com a letra f., na pura vontade de que o sujeito caísse no buraco ‘social’ e não mais tivesse vez na vida. Virou um(a) ‘porqueira’ ou caiu no ostracismo.

Se essa for usada hoje, com a intenção de ferir, vai gerar ‘pôbrema’ judicial, e muitos recursos jurídicos terão que ser usados para debelar as chamas do agressor e dar uma solução à lide, mas não seria fácil nem o tempo ajudaria. Surge a morosidade ou o número elevado de demandas. Nem tudo, nesse caso, mesmo com a ofensa, daria vez a danos morais, como uma parte pode admitir.

A terceira tem um tom jocoso, hilariante, com cara de pilhéria. Pensaria o ofendido: ‘Isso, para mim, é café pequeno; nem ligo para o que você diz, ainda mais saindo de sua boca (seu joão-ninguém), um resto de tacho, que para nada serve.’ Esse diálogo tosco ocorreria num momento do namoro, no cotidiano, e nas relações de amizade, falando-se de futebol, de política e dos mexericos que alguns (poderiam ser vizinhos) despejam para injuriar o pobre coitado, mas devem cair no limbo.

A quarta, essa muito boa, em que ‘oxente’ é uma corruptela da expressão popular ‘Oh! gente’, usada para introduzir uma mensagem, chamando a atenção de seu conteúdo forte ou engraçado, até curioso. No caso acima, seria a frase do reclamado que reagia contra a crítica de sua cara-metade, que quis saber de algo ou o ojerizou por algum fato que ela não aceitava. O amado nada fez, e estaria se defendendo por mera defesa, usando sua falácia costumeira. E mente literalmente: ‘Não, meu amor! Se estou com você, as outras podem ‘vim’ cobertas de ouro, que isso nem me abala.’

A propósito, o verbo vir sofre muito ao ser usado. ‘Podem vir‘ é coisa rara, como moeda de ouro, que não se acha em qualquer canto. As frases da linguagem popular falada com esse vir parecem incorretas, e o bom é o uso de ‘vim’ no lugar de ‘vir’, um chato desconhecido, que não foi ensinado na sala de aula. Petrificam-se no dia a dia: Não vou ‘vim’ amanhã. Ele não pôde ‘vim’, por isso, venho substituí-lo (teria dito o palestrante no clube). Não vamos ‘vim’ cedo, só mais tarde.

A lista é comprida, e cada qual pode fazer a sua ou comparar as frases acima com outras, que corroborariam para provar que ‘vim’ é coisa da moda, algo certo. ‘Vir’, como verbo principal, na locução verbal, não se adequou aos falares cotidianos. Revisando textos de muitos redatores, e alguns bons, não tenho visto a posição de vir adequada no texto, inclusive com um verbo composto de vir: intervir, que deve ser na terceira do singular, no pretérito perfeito do indicativo, ‘interveio’, e não ‘interviu’, como o cotidiano prova com larga facilidade.

Ditas estas coisas, mostremos algumas gírias, históricas e passadas, mui interessantes, mui amigas e mui bonachonas, que estariam caindo em desuso.

Cabrunco: expressão para dizer que o outro é imprestável, uma jararaca, algo peçonhento. Sua peste, seu demônio, vai-te catar. Deixe-me em paz.

Essa palavra é corruptela de ‘carbúnculo’, com o sentido de doença de origem virótica que atinge, geralmente, bovinos jovens, e, com menos frequência, carneiros e porcos, caracterizada por febre alta e inchações descoloridas sob a pele, podendo levá-los a óbito. É também chamada manqueira, como preceituam as definições de compêndios. Curioso saber que no RS carbúnculo define um animal mítico, que, segundo a lenda, indica o local onde há tesouros enterrados. Na Mineralogia, significa o rubi grande, de maior formosura e brilho. Pode ser, ainda, entre outros possíveis significados, a granada lapidada (mas a pedra, não o projétil explosivo).

Saia da toca: para dizer que o ausente deveria estar presente aos fatos, sair mais, ir a festas, vir para o meio social e mostrar seu talento ou beleza. Hoje, usam a frase apelativa ‘Sai da bolha’ como sua sinônima ou substituta, com cheiro de marketing, para convidar alguém a fazer parte de um grupo, com fins políticos, comerciais ou outros, como nas ‘redes sociais’, teias de aranhas que fisgam muitos sem um objetivo que lhes traga ‘saúde, tranquilidade, prestígio etc.’. Eis o boom da mais pura vaidade: Vanitas vanitatum et omnia vanitas, expressão latina assim traduzida para nosso idioma: “Vaidade das vaidades, e tudo é vaidade. Conclusão melancólica do Eclesiastes (XII, 8), sobre a pequenez das coisas deste mundo” (sic), como nos ensina um comentário.

E estas, que ficam sem comentário, deixando-o a critério do leitor.

Pernas, para que as quero! E aí eu me mandei. (O especialista explica que ‘Pernas, para que te quero’ está incorreta, porque ‘pernas’ é plural, e ‘te’, pronome, está no singular.)

Te manca, meu! Vai-te lascar (esta uma opção de Vai-se lascar). Tirou o cavalo da chuva! Picou a mula! Esticou as canelas.

Por hoje, fica assim. Um abraço. Até mais ver.

 

João Carlos de Oliveira

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