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‘Cumpade, cuma é essa tal de coloquialidade quando falamos ou escrevemos’? Também, chamada coloquialismo.

Oi! ‘Óia nós aqui de novo, travez!’

Que repetição é essa, cara? ‘De novo’ é o mesmo que ‘travez’, que vem de ‘outra vez’, o mesmo que ‘de novo’. Mas fale, fale, só não deve usar ‘repetir de novo’.

A coloquialidade é fantástica, verdadeira porta de entrada da linguagem espontânea, falada ou escrita. Representa o que se pretende dizer e facilita o entendimento, desde que não se esteja num discurso formal ou não seja a linguagem de tese de doutorado, ou algo similar. Em documentos escritos de uma ação vestibular, ou na contrarresposta (uma contestação), podemos inserir alguns trechos dessa linguagem, que não é o preceituado pela Gramática Normativa.

A vigilância que não aceita o popular do dia a dia condenaria esses falares, que não são próprios dos gabinetes jurídicos, dos poderes executivo e legislativo, e até dos textos jornalísticos. Por aí, e toda a sua vizinhança.

Mas no barzinho da vida, no restaurante popular, no debate com os amigos sobre futebol, e outros meandros cotidianos, a linguagem coloquial é uma beleza, supimpa, arretada de boa, e podemos usá-la à vontade. Se este comentarista escrevesse ‘devemos usá-la’ seria uma obrigação, e não o sendo assim, bom mesmo fica ‘podemos usá-la à vontade’, caprichando nos sotaques e até fazendo uso com excelência de termos regionalistas.

Você, meu amigo, é um cabra-da-peste. Quando diz que vai, vai ‘mermo’. Quando pretende conseguir o objetivo, usa todo o denodo e chega lá, escalando o topo da montanha íngreme.

Sim, podemos dizer que a palavra coloquialidade é um derivado sufixal, vindo de coloquial, e este adjetivo (‘adejetivo’), por sua vez, nasce de colóquio, o diálogo, em geral, manso, melódico, cheio de charme, como o falar de alguém simples.

Na rua onde morei, perto do Laticínio, no bairro do mesmo nome, em Nanuque, nome que nasceu em virtude da indústria do leite e derivados, ‘tinha’ um camarada risonho, que falava como se o mundo nunca fosse acabar, mais lento que a lesma subindo a parede de um prédio de 10 andares, e a gente devia ter paciência com ele! Mas educado, por isso, era bom vê-lo assim.

‘Bom-dia, cuma vai o sinô? Tudo bem? Vamo tumar um cafezinho na minha casa aqui perto? Tem queijo da roça, pão com manteiga, cuscuz e mais, brevidade! Se querê, tô à sua disposição! Fique sob sua decisão”.

E lá se ia ele, devagar, lento, como sua amiga, a lesma, mas sempre simpático. Sabe o nome dele? Manuel dos Santos, chamado por todos Manuel Fala-Mansa. Na sua terrinha, ainda tem um ‘ingual esse’? Mande ele pra nóis conhecê”.

Entonce, pudemos dar exemplos dessa linguagem livre, gostosa, leve, que alguns condenam. Não estamos falando do Português incorreto, mas do modo de falar do tempo de nossos avós, lá nos idos de 1950, no interior de Jacobina, em várias comunidades: Caboronga, Garajau, Água Branca, Cachoeira Grande, Riachão, e um lugar mais distante chamado Mocambo dos Nêgo, tudo isso vivo até hoje, mas o povo mudou os ‘costume’, e os ‘hábito’ são outros, por causa das críticas dos mais jovens, que foram à escola, que não falam ‘partileira’ (prateleira, que seria o lugar de colocar os pratos, mas virou o local de colocar mercadorias nas lojas, nas padarias, nas vendas, nas mercearias, nas bodegas, e hoje chamam a prateleira de gôndola, o tipo de barco usado em Veneza, na Itália, que esses dias o lago estava verde como um sumo, e descobriram que tinham jogado um produto químico que faz enverdecer a água parada. Faz surgirem algas finas boiando no lago com um cheiro estranho, que não chega a ser fétido (fedorento), mas enche o saco.

Sim, alguns de hoje não usam palavras que se usavam nas quitandas, porque são sabidos, mas dizem “Os governos ‘tem encomodado’ as pessoas que vivem em situação de rua, com atos ‘descriminatórios’.

Isso nos machuca e nos apunhala sem sentir dor, e mata o idioma, que anda muito frágil. É uma pena!

Tresnantontem, eu tava era na pitimba, que dava dó.

‘Meu filho disse que tem um tazinho de professô João Carlos que responde a tudo quanto é coisa de Português’, que ‘exprica’ essas ‘coisa’ do jeito dele, mas dá para entender’, disse o pai de um ex-aluno.

Cuma é? Entonce, o professô aloprado se mete a comentar todas essas ‘linguagem’, e numas partes se dá bem, noutras não!

Coitado! Vou furar os ‘zóis’ dele, pra mode aprender a dizer o certo.

Nós hoje tá na pior. O cara é um banana, e se mete a valentão.

O burro de carroça é xucro, e dá muito coice.

O advogado neófito se deu bem na primeira empreitada. Só não gostei do ambientalista que disse que a ararinha-azul precisa voltar a viver no seu ‘habitat natural’. Habitat é habitat, e pronto. Pode haver um habitat artificial no zoo para o urso-pardo viver e se adaptar.

O habitat das baleias é o mar. Dos caranguejos, o mangue. Das muriçocas é o local úmido. Dos patos é a lagoa. Da preguiça é a embaúba na Mata Atlântica. Das traíras é água parada no riacho, ou numa grande lagoa, ela devorando os berézinhos.

O dicionário diz que paixão é um ato passageiro, mas para dizer que o cidadão gosta de cavalos e de hipismo, que ele é ‘apaixonado pelo que faz’, como se fosse um ato de muito tempo e que continuará para todo-o-sempre-amém. Todavia, a gente entende. O agente de saúde é que esteve aqui e viu muitas larvas do mosquito da dengue numa vasilha cheia de água podre.

Pois é, a menina está ‘apaixonadérrima’ pelo vizinho, o jovem moderno, cheio de tatuagens; ela disse que o ama de montão. A gramática diz que o superlativo absoluto sintético de apaixonado é apaixonadíssimo, mas isso nós ‘num usa’. Deixa pra lá!

Pior é quando a mulher morre de ‘apaixonite aguda’, que deu na sua cabeça depois de namorar um homem prendado, que não a quis mais. Ela pode morrer, pois ‘ite’ indica uma inflamação, uma doença, como hepatite, bronquite, amidalite, cistite etc.

Não deu no corpo dela, deu foi no crânio, o que é pior.

Muito engraçado! Alguém disse que o crime não fique ‘em pune’, e a professora teria avisado aos pupilos que o avião entrou em ‘pânico’, mas o mecânico especializado consertou o motor que deu pane, mesmo o avião não tendo caído.

Crime de ‘descriminação’ é um exemplo moderno, assim como o homem se ‘frusta’ diante da recusa da mulher de dizer não. Se você ‘querer’, nós saímos.

Tô na minha?

A senhorita me dá a vez desta contradança? Num, sinhô, tô a aguardar a minha paixão, que vai chegar.

Tive lá, ‘mas porém’ não pude encontrar ‘ele’, que tinha saído para ‘banhar’ na lagoa, depois de passar o dia na carvoeira limpando os fornos.

Qual é o contrário de ‘fumo’? Pense nas várias nuances da palavra e responda.

Não conseguiu? Não arrisca?

Claro, meu caro, o contrário de ‘fumo’ é ‘vortemo’, ‘cuma nóis diz’ lá na roça.

Tá bom! Chega!

Então, pra fechar, obrigado pela leitura, e ‘vorte’ aqui, que pode haver mais um festival de besteirol.

Abraços.

João Carlos de Oliveira

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