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Plurais curiosos: os cuscuzes, os contêineres! Você os usa? Já teria visto algum texto com essas flexões?

Sempre a linguagem enaltecedora do dia a dia, a fala diferente que nos envolve e, talvez, não a tenhamos percebido.

Lindo o falar da linguagem ágrafa do feirante, que, volta e meia, cito aqui neste espaço. É admirável o linguajar do cidadão que não se preocupa com gramática ou a não conhece, e toca sua fala sem dar ouvidos a quem o critica. Bela comunicação, melhor que ouvir o usuário com vícios de linguagem, com gestos descabidos ao falar, balançando os braços, fazendo as mãos andarem no espaço vazio, com repetição de palavras desconexas em relação ao que quer provar. Chega à esquisitice de usar ‘Sabe! Olha só! O governo ele desconhece esta realidade (…). A pandemia ela assola as regiões onde os moradores não foram vacinados’. Por que usar ‘o governo ele‘? ‘a pandemia ela‘?

Esse modo de falar, ou escrever, faz a virtuosidade do idioma, que é grandiosa, ficar feia. Comecemos com o simples e ampliemos o conteúdo, com a semântica nobre, à medida que vamos falando ou escrevendo. Assim, fica um doce de coco, como vovó dizia, tudo o que é belo e comunicativo.

A linguagem da Literatura de Cordel é supimpa. Espontânea, é rica e variada, tão flexível quanto os costumes regionalistas, o que nos enriquece. A propósito, um douto comentou comigo, ao encontrá-lo num supermercado, ‘três-ontonte’ (anteontem), que ‘a governança atual pretende ‘conseguir’ o mesmo viés político em todos os países da América do Sul’. Como isso pode acontecer? Nunca! E seria um disparate impor aos países vizinhos, usuários do Castelhano e do Espanhol, os mesmos costumes, as mesas ideologias político-sociais, os mesmos caminhos de vida, de cultura, de poesia, de sentimentos, de música. Se a América em que estamos é rica, isso se dá por ser diferente, diversificada, de múltiplos olhares.

Fica uma tristeza profunda quando o redator responsável por uma notícia alvissareira diz ‘o projeto cultural passará por cinco cidades diferentes‘ (sic, do texto similar). Quando é que as cidades não são diferentes? Quando é que as cidades são iguais?

Se dissesse ‘cinco cidades de culturas diferentes’ das que nos habituamos a ver, seria ótima redação.

Digamos, tão-somente, o comboio cultural passará por cinco cidades baianas, tantas mineiras, outras capixabas, muitas paulistas, diversas gaúchas e milhares nordestinas.

‘Dez cidades diferentes‘ é o mesmo que o dizer pleonástico ‘descer para baixo’, e outros hilariantes vistos, lidos e ouvidos no dia a dia, o habitat natural, e aquele que ‘confirma a confirmação de que o juiz não puniu a jovem que teria violado o túmulo de um morto por dizer que sonhava que ele estaria vivo’, nas palavras ingênuas da declarante, que afirmou ter falado com o falecido em sonho.

Esse falar nos induz a pensar sobre a distopia cerebral que envolve parte da modernidade.

Mas vamos traçar aqui plurais, gramaticalmente corretos, que pouco usamos e que seriam estrambóticos. A Gramática Normativa traz alguns, como ‘os projetis’, o mesmo que ‘os projéteis’.

Contêiner é palavra adaptada do Inglês container, que, em livre tradução, é a caixa grande, de metal ou madeira, que serve para acondicionar produtos a serem exportados. O plural deles é containers, mas o nosso, para toda palavra terminada em R, recebe o sufixo nominal de plural -es: contêineres, o mesmo critério usado em mares, repórteres, revólveres, condutores. Por isso, os zíperes, os refrigeradores, os condicionadores de ar. O que nos chama a atenção é a pronúncia de alguns deles e a grafia extensa. Podemos dizer que contêineres não se popularizou.

Em alguns momentos, podemos não saber se estamos seguindo a norma culta ou se escrevemos ou falamos no popular. Um visitante pergunta se o normal seria uma dúzia de ovos ou uma dúzia de ovo. Ambos são usados e aceitos gramaticalmente. O primeiro, mais usado, tem o viés da linguagem cotidiana, e o segundo, da gramatical. Podemos dizer ‘uma dúzia de banana’, sem precisar dizer uma dúzia de bananas, como dizemos um quilo de feijão, sem precisar dizer um quilo de ‘feijões’. Mas se for necessário, podemos usar ‘dez quilos de feijões’, porque seriam feijões diversos, como o mulatinho, o carioquinha, o fradinho, o catador ou de corda, e tantos nomes regionais. Dez quilos de carne: carne, sem citar o tipo. Dez quilos de carnes: por serem carnes diversas (o lombo, o acém, o músculo, a posta-gorda, a chã-de-dentro, a chã-de-fora).

Tentei responder a esse visitante, mas o sistema, diretamente no site, não aceita resposta, só aponta a ‘moderação’ como se este editor devesse ter cuidado com o que diz. Em outro momento, comentei que nomes próprios devem ser acentuados graficamente: Cláudia, Antônio, Cristóvão etc. Mesmo não havendo o acento gráfico, o usuário não deve pronunciar errado. A grafia Claudia, que pode acontecer, em registro ou documento, jamais deverá ser ‘Cla-u-di-a’, como Antonio não deve ser An-to-ni-o, mas Jose, nome masculino José, pode confundir com Joze, ou Jose, nome ou apelido feminino, assim como Estevão, que é Estêvão, pode confundir com a grafia em outro idioma, como existe Esteban, em Espanhol.

Ainda questiona se é regra a grafia do nome próprio com acento. Sim, a regra para grafar Cláudia é a mesma para sério, história, férias. A opinião de não alterar a pronúncia, não havendo o sinal gráfico, é nossa, mas alguém pode discordar. Existe o adjetivo normando, habitante da Normandia. Passou a ser nome próprio, Normando, que alguns falam Normândio, dizendo ser mais bonito. A alteração da grafia de nomes próprios é muito comum no Português popular do Brasil.

E os plurais, professor, onde você os colocou, que não diz logo? Fica dando voltas, parecendo caracol ao se defender do predador.

Muito bem! Vou atender a seu pedido.

Cuscuzes, como cruzes, rapazes.

Sultão, sultães. Os víveres (usado somente no plural): os alimentos. Os pauis (plural normal de paul, o brejo (pronuncie pa-ul), da mesma forma que azul, azuis, taful, tafuis, o sul, os suis. E estes: o mel, os méis (de acordo com a norma); os meles (exceção à regra), como o mal faz os males, e não os ‘mais’, por confundir com o advérbio mais. As PMs (e nunca As PM’s).

Podemos colocar os nomes próprios no plural: os Joões, os Manuéis, as Lúcias, os Robertos, os Alfredos (várias pessoas com esse mesmo nome). Quando queremos dizer as pessoas da família (do clã) Alfredo, devemos usar os Alfredo, os Oliveira, os Batista, os Santos (já vem no plural), mas muitos usam, e não diferenciam, os Alfredos de os Alfredo, os Pauferros de os Pauferro (sobrenome, palavra que grafa diferente quando se refere à árvore pau-ferro, os paus-ferros, madeira dura, comum no Nordeste).

O bar, os bares; o barzinho, os barezinhos; a florzinha, as florezinhas; o animalzinho, os animaizinhos; o caracolzinho, os caracoizinhos; o coraçãozinho, os coraçõezinhos; o botãozinho, os botõezinhos. (Veja a regra para o plural de diminutivos terminados em inho ou zinho; um pouco estranha para alguns.) Os limõezinhos.

O bel-prazer, os bel-prazeres. Os cirurgiões-dentistas. Os mestres-cucas.

O jiu-jítsu (de origem japonesa). Os jiu-jítsus.

Essa mudança de pronúncia ou grafia acontece, provavelmente, por não estarmos habituados a esses casos, e, paradoxalmente, porque a escola na sua função ampla de ‘formar e informar’ não trata do assunto por considerar método ultrapassado, ou cafona.

Abraços.

João Carlos de Oliveira

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