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Podemos dizer ‘erário público’? Mesmo uma expressão muito usada, ela contém pleonasmo vicioso, do nível ‘descer para baixo’

Justo que o usuário, e muitos cultos a usam, poderá ver de forma contrária, que não se trata de pleonasmo, nem ao menos, vicioso, por ser expressão difundida, arraigada na linguagem jornalística, publicitária, digital etc. (em boa maioria).

O léxico nos diz, interpretando-o, que ‘erário’ se refere ao bem pecuniário ligado ao setor público, a começar dos valores municipais, estendendo-se aos cofres estaduais e ao federal.

A linguagem técnica define-o deste modo: o dinheiro público, os bens oficiais. Podemos acrescentar: bens oficiais são os que se relacionam aos cofres públicos; não são, pois, bens privados, particulares ou pessoais.

A etimologia cita o termo latino ‘aerarium’ como vocábulo de origem. Lembremos que o conjunto ‘ae’, no início da palavra, tem a pronúncia leve da vogal ‘e’, daí ‘erarium’, com pronúncia de vocábulo paroxítona (erárium), por isso, erário, forma aportuguesada.

A História Geral complementa que ‘aerarium’ era o prédio (edifício) onde estaria guardado o tesouro público. Tesouro, como sabemos, é palavra polissêmica (com vários significados), o que hoje é bastante explorado pelos redatores, dando-lhes sinônimos ou significados variadíssimos: cofres públicos, bens públicos, dinheiro público, e ainda relacionando-o ao setor fazendário, isto é, a Fazenda, as Finanças, a pecúnia (municipal, estadual, distrital, federal). Por essa razão, vamos concluir que o erário não é particular; todo erário é público.

Bom dizer que se trata, em cada caso, do erário municipal, erário distrital, erário estadual ou erário federal. Assim, cada um pode e deve usar à vontade, que fica legal, sem o aspecto de redundância e/ou de pleonasmo vicioso… ‘Feio’ que dói, feio pra caramba, cara!

Esse vocábulo é solitário, somente ele, não tendo cognatos normais: verbo, adjetivo, e outros. A Gramática Normativa, de forma pelo menos indireta, diz que um vocábulo tem uma família, chamada família etimológica, em que esse grupo teria, ao menos, o substantivo, o verbo e o adjetivo; às vezes, mais de um verbo (relampear, relampejar); dois ou três substantivos, e adjetivos, com terminações específicas.

Relâmpago, relampeio, relampejo, e assim, relampeado, relampejado etc.

Palavra ‘solitária’ porque não temos dela nenhum cognato, pelo menos em Português. Não temos ‘erariar, erariado, erariando, erariável, erariante’ etc.

Você já tinha pensado nesses casos? Você conhece esses valores linguísticos dos conjuntos de termos cognatos? Isso é bom, ótimo, para ajudar você a encontrar palavras de uma mesma família, verificando a grafia, a pronúncia, o significado.

Para seu treinamento, pode relacionar palavras e buscar ‘sua família’; não há problema em errar, pois a aprendizagem é salutar, e para confirmar sua performance, consulte o dicionário depois.

Quer mais um exemplo?

Fundear, afundar; aprofundar (profundar pode ser adjetivo), e o grupo cresce, com adjetivos curiosos: fundeado (o navio fundeado, afundado).

Um bom compêndio didático pode mostrar a proximidade de significados de palavras a partir de um radical, como -fund.

Fundo, fundar, fundação, fundado, fundão (lembre a cidade capixaba com esse nome), fundir, fundível, fundilho (deu-lhe uma pesada nos fundilhos!), fundiário. Etc.

Justo que você diga que cada palavra tem significado próprio; certo, mas os vários verbetes se aproximam quanto ao aspecto semântico do radical.

Fundura: muito bem usada a palavra quando a linguagem popular diz ‘A fundura do rio’, isto é, a profundidade das águas desse manancial, e que o rigor de alguns diria que a palavra ‘fundura’ não teria sido usada corretamente.

Trata-se de um sinônimo de profundidade, um termo técnico para alguns, mas não se trata de ser único.

Retome o verbo ‘afundar’, passe para ‘fundear’, e vá criando outros termos, que sua aprendizagem vai aos píncaros da glória, se é que não teria esse hábito ou não conheceria essa ‘técnica’ de encontrar palavras para enriquecer seu vocabulário.

Esse um treinamento que muitas escolas não dão, não fazem, apegando-se a repetir modelos de frases prontas, o que nem sempre é enriquecedor, pois cada um tem sua linguagem, seu modo de falar, de se expressar. Temos que respeitar isso, o que aprendemos na literatura de cordel e com escritores brasileiros do maior nível: Graciliano Ramos, Ariano Suassuna, José Lins do Rego, Guimarães Rosa, e um bem clássico, Machado de Assis.

Relacione seus autores, e compare os termos da época com os de hoje, o que vale muito.

“Vale a pena, se a alma não é pequena”, frase magistral de Fernando Pessoa, o cara com múltiplos saberes e rica sabedoria.

Vamos terminar por hoje?

Mas um lembrete, com relação à grafia:

Privilégio, privilegiar, privilegiado (não mude essa escrita), e cuidado com a boa pronúncia.

Externo (o de fora), externar, externado. Esterno (o osso torácico).

Esplêndido, esplendoroso, esplendor.

Espontâneo, espontaneidade.

Estrambólico (termo popular); estrambótico (termo do nível culto).

Pretensão, pretensioso, despretensioso, (des)pretensiosamente.

Labareda, lavareda; barrer, varrer, varredura, bassoura, vassoura (todas corretas). Vou-lhe dar uma bassourada, seu canalha!

O jornalista disse ‘media’, forma verbal do verbo mediar, mas é medeia: eu medeio, tu medeias, ele medeia, nós mediamos, vós mediais, eles medeiam. Assim, eu intermedeio, tu intermedeias, ele intermedeia, nós intermediamos, vós intermediais, eles intermedeiam.

Por tudo isso, não use ‘eu medio, eu intermedio’, por isso, não existe ‘ele media’ (redação que costuma sair em sítios regionais de notícias da cidade). Nem, nunca, intermedia.

O cidadão interveio na briga (não interviu, forma verbal que tem a ver com o verbo interver). Interveio é do verbo intervir. Vim, vieste, veio, viemos, viestes, vieram. Intervim, intervieste, interveio, interviemos, interviestes, intervieram.

No presente do indicativo: intervenho, intervéns, intervém, intervimos, intervindes, intervêm.

O motorista disse que ele ‘interviu’ na briga. Ele interveio.

O menino interviu entre as folhas uma cobra coral (viu por entre a ramagem, por entre as folhas).

Intervir é interferir, tomar parte voluntariamente. Interpor sua autoridade. Etc.

Interver é entrever, perceber de maneira confusa. Ofuscar? Não perceber de forma clara.

Fiquemos aqui.

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João Carlos de Oliveira

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