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O que podemos pensar, atualmente, sobre o uso e significado do vocábulo ‘suspeito’? O que é ‘suspeito’ de crime? Por que não podemos afirmar sem a devida prova?

Mesmo com imagem, a cautela é necessária para ser respeitado o direito individual. Não pode ser processado, julgado e condenado sem as devidas provas legais (o suspeito). Todo indivíduo, mesmo no Tribunal, até provas em contrário, é inocente.

São direitos universais, embora não sejam todos seguidos de acordo com os trâmites estabelecidos na Lei, a contar da Carta Magna, do Código Civil, do Processual Civil, do Penal e Processual Penal, além de leis em vigor.

Estamos falando desta Nação, cujas leis, em alguns momentos, julgam precipitadamente, imprecisamente, ou de forma atabalhoada, sem respeitar todos os quesitos legais.

A imprensa tem sido ‘sabida’, para não cair no ridículo e julgar culpado um inocente, que ainda não foi julgado. O vexame é evitar a calúnia, a difamação ou pré-julgamento, e ela vir a ser a condenada por danos morais e/ou materiais, mesmo chamada ‘o quarto poder’.

Divulgar, sim; pré-julgar, não. Crimes praticados pela Ditadura Militar, embora nem todos tenham sido provados, tanto de um lado como do outro, mas houve mortos e desaparecidos, constituem aberração jurídica.

O estilo, ou melhor, o princípio de investigar para depois punir e prender não tem sido adotado pela Justiça de modo geral no Brasil, talvez, com raríssimas exceções, em se tratando de celebridades.

Errada essa versão? Injusta, descabida? Fica a depender da visão de um e de outro, como dizem muitos juristas.

Nossas leis teriam ‘calças curtas’, aquele modo de agir que veste alguns e deixa outros desnudos?

Certo é que a normalidade diria ‘investigar’ para depois punir e prender, ou vice-versa.

Até prova em contrário, como até os mais simples dizem, todo investigado é inocente, razão de a Lei não poder ser afoita ou insensata.

Numa audiência com o Meritíssimo da área penal, disse-lhe que o grande norte seria ‘investigar’ para prender, e não ‘prender’ para punir. Defendia, como defensor convidado pela OAB, um suposto assaltante que estava em julgamento. Não teriam provado nada dele até então, e nos pareceu, como fizemos esclarecer nos Autos, que ele não tinha culpa, não teria participado do crime; o irmão, sim, que o convidou a fazer ‘um passeio’ numa vila longe do centro do Município.

Foram num carro, e o mano lhe pediu que aguardasse ali, até ele voltar.

Foi o instante suficiente para tentar um assalto numa Mercearia, mas a infelicidade lhe foi chã: por coincidência, uma guarnição da PM estava próxima e percebeu tudo. O ato não se consumou. Ficou na tentativa.

Quando a PM chegou ao local, o mentor do assalto fugiu, e um comparsa é que foi preso, e este indicou haver mais alguém num veículo parado numa rua a cerca de 200 metros do local. Eram três pessoas, dois que tentaram, e um coitado ‘sem saber das intenções’, como garantiu durante todo o seu julgamento.

Quando fui nomeado, o cliente já estava preso, sem ter sido comprovada sua participação.

O comparsa foi julgado e condenado (em outro Processo).

O mentor, irmão do cliente sob minha defesa, fugiu, e mais tarde possivelmente morto pela autoridade, que nunca quis dar a notícia certa, só dizendo que ele ‘era’ fugitivo.

O cliente, de fato, não participou, nem chegou a ir ao local do crime, embora a PM diga que ele sabia da intenção do assalto, e este defensor dizia que não participou, que não sabia, que teria sido induzido a estar com os assaltantes, já que, sim, o cliente sabia que seu irmão ‘roubava’, era violento e já tinha passagens por crimes.

Numa segunda audiência, o caso foi fatal para o cliente, mesmo devidamente orientado. Ele dizia de pés juntos que nada tinha com o caso, vindo a dizer ao Preclaro Julgador, Juiz de Direito Criminal, que não teria ‘planejado nada’, de forma inocente, a gota d´água para ser condenado a cinco anos de reclusão.

Tentamos consertar a linguagem dele, dizendo que se enganou, que nem teria saído do carro nem ido ao local do crime. Sua frase seria, ao ser questionado pelo Juiz se estava no local do crime, se tinha participado, seria esta: ‘Não participei’ (da tramoia), mas disse ”Não planejei nada”, razão de ter sido condenado sem provas.

Foi induzido a estar lá, sem saber a intenção do comparsa e seu irmão, dono do veículo, naquele local. O irmão morava fora (em SP ou RJ) e veio a casa dos pais, com quem o cliente morava, para dar um passeio, chegando com um carro bonito.

Tentei justificar o engano da linguagem, mas o Mestre não aceitou, que seria apenas ‘defesa’ de advogado para salvaguardar a imagem do cliente.

Recorri, até, com um HC perante o TJ do Estado, mas foi negado, alegando o Desembargador que os Autos provaram a culpa dele. Os Autos não provaram nada, e sim a linguagem do Juiz, que deu a sentença a seu bel-prazer.

Após dois anos e pouco de detenção, recebeu liberdade provisória, em forma de sursis, e teria a obrigação de comparecer ao Conjunto Penal em cada fim de mês para dizer o que fazia. Sursis, pelo menos, naquele período, há cerca de 30 anos, foi a liberdade condicional, podendo trabalhar, e ter de se apresentar à Justiça.

Havia caso de trabalhar durante o dia e ‘dormir’ na cadeia, como ficar em liberdade condicional, e se apresentar de tempo em tempo, conforme a Sentença exarada pelo Julgador.

O rapaz desapareceu, virou cânforas, e a Justiça não teve como recapturá-lo. Nada pudemos fazer. Até hoje, ninguém que este mundo habita, sabe se está vivo ou morto.

O processo foi arquivado.

O comparsa cumpriu pena, e foi embora. O irmão foi dado como fugitivo, mas achamos que foi morto. Nada foi comprovado.

Por isso, não pudemos dizer que, por uma imagem, que fulano é autor de crime, que tem essa ou aquela participação.

A imprensa aprendeu isso, e embora digam que uma imagem vale mais que uma palavra, tese que não é verdadeira, nem o será em todas as ocasiões. Na maioria dos casos, diz-se que ‘Fulano é o suspeito do crime’, até no caso em que ficou provado o estupro de vulnerável, uma menina de 11 anos, sua enteada, pelo padrasto, que ele é ‘suspeito’, depois de exame de corpo de delito, da menor, até do DNA da criança sacrificada em aborto permitido por lei, em caso desse naipe.

Para respeitar o Abuso de Autoridade, até esse psicopata é suspeito, mas é o real criminoso, autor do delito grave de praticar o estupro por mais de dois anos na casa onde moravam.

Ninguém percebia nada? Nem a mãe da menina, em relação a seu companheiro? Ele, o padrasto, em nenhum momento foi suspeito, mas teria sido ‘suspeito’ depois de tantas provas?

O termo, então, em larga escala ultimamente, vem sendo usado incorretamente em alguns casos.

Uma imagem mostra um homem invadindo uma loja e ‘furtando’ celulares; a repórter diz que o fulano é ‘suspeito’ do ato. Não, ele é o autor, mesmo ainda porque não sabemos quem é, tratando-se de um indivíduo. Identificado, ele passa a ser o suspeito, porque não foi confirmada a imagem como verdadeira do fulano, agora, em julgamento.

No momento da imagem, há um ‘indivíduo’, que rouba, furta, assalta, pratica um delito etc.

Identificada a pessoa, o nome pode ficar resguardado para não ser divulgado em virtude da Lei de Abuso de Autoridade.

Nesse diapasão, o papel de quem divulga a notícia é dizer que fulano é o ‘suspeito’, mesmo sendo divulgado seu nome.

Até a próxima.

 

João Carlos de Oliveira

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