Essa não é a frase comum em relatos comentando desavenças entre amigos ou até parentes, em casas, condomínios e bares pelo Brasil afora, mas a forma verbal usada (‘interviu’) aparece na maioria desse tipo de notícia.
Exatamente, por essa dúvida e/ou por esse lapso, é que o comentário de hoje vem analisar o uso do verbo intervir, flexionado de forma incorreta em algumas pessoas.
A pretensão do redator é dizer que alguém ‘interveio’ para acabar a contenda, mas acaba registrando ‘interviu’.
Conjugado adequadamente, seguindo o modelo do verbo vir, do qual intervir é derivado, como verbo composto, a flexão na terceira pessoa do singular é interveio.
Primeiro, conjuguemos o verbo vir no pretérito perfeito do indicativo: eu vim, tu vieste, ele veio, nós viemos, vós viestes, eles vieram.
Acrescente o prefixo ‘inter’ ao verbo vir e tenha, logicamente, um novo verbo, derivado de vir: intervir.
Conjugue-o, agora, no mesmo tempo acima: eu intervim, tu intervieste, ele interveio (a forma confundida), nós interviemos, vós interviestes, eles intervieram.
Pelo que se lê em sites, pelo que vemos em muitos artigos de cunho cultural elevado, mesmo assim, a forma verbal interveio, como está conjugada, registrada na Gramática Normativa, linguagem típica da norma culta, vem trocada, e no seu lugar, interviu, que existe, mas não é do verbo intervir (repitamos isso).
Interviu, sim, forma correta, mas pertence ao verbo interver, derivado de ver.
Para confirmar isso, vamos conjugar o verbo ver, como está nos compêndios escolares de Língua Portuguesa, no pretérito perfeito do indicativo, muito usado e conhecido, um verbo do cotidiano, como ser, ter, dar, falar, chegar, dizer etc.
Eu vi, tu viste, ele viu, nós vimos, vós vistes, eles viram (a estas formas podem-se juntar os prefixos inter e entre). Pretérito perfeito do verbo ver.
Agora, interver e entrever, respectivamente:
Eu intervi, tu interviste, ele interviu, nós intervimos, vós intervistes, eles interviram.
Eu entrevi, tu entreviste, ele entreviu, nós entrevimos, vós entrevistes, eles entreviram.
Se o leitor tem, ainda, alguma dúvida, ou recusa qualquer informação nesse aspecto, deve de imediato consultar uma boa gramática e ver, com toda a atenção, a conjugação desses três verbos, confrontando a flexão de cada pessoa verbal, em especial da terceira singular (ele, ela, você, alguém…), que fica com as seguintes grafias: interveio (intervir), interviu (interver), entreviu (entrever).
Todo cuidado é pouco.
O grande problema, que se torna comum, ou lapso costumeiro, é que se confunde interveio com interviu, ou vice-versa.
Hoje, cito tão-somente o grande professor Luiz Antonio Sacconi com a sua obra Nossa Gramática, 1a. edição, pela Editora Moderna Ltda., SP, datada de 1979.
Na página 80 dessa obra, o verbo ver vem flexionado em 5 tempos, menos o pretérito perfeito do indicativo (por ser considerado mais fácil), observando que, por ele, são conjugados os verbos antever, entrever, prever e rever. Nesse diapasão, deveria constar o verbo interver, citado em alguns dicionários. Da mesma família, tem-se entrever (perceber de maneira confusa, pressentir, prever…), como se encontra no dicionário Larousse Escolar da Língua Portuguesa, pág. 286.
Já o verbo vir, o professor cita-o e o flexiona na página 92, em 7 tempos, 4 do indicativo e 3 do subjuntivo, considerando que essas flexões requerem atenção e cuidado, muito cuidado.
No pretérito perfeito do indicativo está: vim, vieste, veio, viemos, viestes, vieram.
Nesse momento, o professor não lembra que assim devem ser conjugados todos os verbos derivados de vir (advir, avir, convir, desavir, intervir, provir, sobrevir), também chamados verbos compostos de vir.
Pode surgir a pergunta: interver seria um verbo pouco conhecido e/ou pouco usado?
Supomos que a resposta diga sim, e haja a possibilidade de ser confundido com intervir, pelos menos na terceira pessoa singular (ele, ela), no pretérito perfeito do indicativo.
Por isso, no caso de alguém ‘querer apartar uma briga’ (expressão própria de nossa linguagem popular e cotidiana), têm dito, costumam dizer, ‘Fulano interviu‘, mas se trata de um engano, e deve ser, para esse sentido, para a semântica de interferir, Fulano interveio para apartar a briga.
Esse dicionário, por certa omissão, não cita o verbo entrevir, que é correto, e pode ser sinônimo de intervir.
Ainda, não encontrei uma gramática que flexionasse entrevir, mas deve seguir a norma de intervir, como seu sinônimo, verbo derivado de vir.
Podemos flexioná-lo em dois tempos do presente do indicativo a fim de esclarecer qualquer dúvida:
Eu entrevenho, tu entrevéns, ele entrevém, nós entrevimos, vós entrevindes, eles entrevêm. Presente do indicativo.
Eu entrevim, tu entrevieste, ele entreveio, nós entreviemos, vós entreviestes, eles entrevieram. Pretérito perfeito do indicativo.
O radical do verbo vir está claro: intervim, intervieste, interveio, interviemos, interviestes, intervieram.
Nem o computador que ora uso reconhece todas as formas verbais nos dois tempos flexionados do verbo entrevir.
Outro item curioso é que, ao usarem o plural de ‘interviu’, querendo dizer ‘interferiu’, usam ‘interviram’, o que cai exatamente na flexão interviu, de interver, e não interveio, de intervir, como deve ser.
Se usamos corretamente interveio, na terceira pessoa do singular, o certo é Eles intervieram (para evitar a briga entre os familiares).
Intervir, por outro lado, como verbo consagrado tanto na linguagem popular como na culta, e erudita, aparece nos dicionários, largamente explicado: do Latim intervenire, tomar parte voluntariamente; interpor sua autoridade, tornar-se mediador; assumir (o governo federal) a gestão dos negócios públicos de um Estado federado. (O Governo federal interveio no Estado (…) para corrigir os desmandos do Governador desastrado?)
Há outros sinônimos (que não estariam no mesmo patamar, e seriam de uso extra ou figurado).
Certo é que o verbo intervir, em algumas pessoas verbais, como na terceira pessoa do pretérito perfeito do indicativo, vem sofrendo e sendo mal-usado e mal-interpretado.
Isso é uma pena, mas se daria pelo costume da redação ou pela falta de consulta.
Se o leitor gostar deste comentário, e ainda assim tiver alguma dúvida, não vai mais tê-la, seguindo esta regra: conjuga-se intervir no mesmo modelo do verbo vir, e não do verbo ver.
De vir, temos veio, por isso, interveio.
De ver, temos viu, por isso, interviu.
Deixemos assim por hoje.
Obrigado por ter lido até o fim.