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O cupom, ‘os cupom’. Esse ‘plural’ está correto, professor?

Certamente, não, se for respeitada a norma gramatical. Entretanto, como muitos ainda usam ‘dois jogo’, ‘dez Real’, ‘os menino’, entre outras coloquialidades, na linguagem popular falada, esse também existe.

Um amigo, simples e educado, que teria pouco conhecimento linguístico, pergunta-me se pode ser usado o plural ‘os cupom‘. Teria ficado em dúvida, chegou a escrever em bilhete, mas foi criticado.

Sorri um pouco de sua humildade, e o fiz refletir: “Você esqueceu a regra (para esse caso), que é tão simples. Se a palavra termina em M, elimina-se essa letra e acrescenta-se NS: cupom, cupons”.

Também, sorriu, e disse: “Rapaz, me esqueci; por isso, lhe perguntei”.

Foi feita uma pausa, mudamos de assunto e falamos do comportamento humano (o cidadão faz uma compra, recebe o cupom fiscal, não o deixa no caixa, não o coloca em caixa coletora para ajudar entidade beneficente, não o leva para casa para verificar possível engano, mas o joga no chão, ao sair, na porta do estabelecimento. Que modernidade é essa?). E os comentários se avolumaram: educação em sentido amplo, dia a dia moderno, violência, Governos etc. O papo foi longo.

Então, meu amigo, cupom, forma aportuguesada do Francês coupon, segue a mesma regra de ‘homem’, singular, que no plural fica ‘homens’: troca-se M por NS. Em Francês, esse ‘ou’ tem som de ‘u’, e o N deles passa a M em nosso idioma: coupon, cupom.

Há outros vocábulos de origem francesa com a mesma terminação: baton, que nos dá batom; bonbon, bombom; guidon, guidom; garçon, garçom; maçon, maçom. O plural segue o mesmo critério, como em barragem, barragens: batons, bombons, guidons, garçons, maçons. Seguem a norma culta no tradicional feijão com arroz: item, itens; jejum, jejuns. Se algum vocábulo termina em N, estando aportuguesado, respeita o paradigma ‘ao N junta-se S: íon, íons; nêutron, nêutrons; gérmen, gérmens (lembre-se de que temos germe, germes), mas líquen, liquens ou líquenes; hífen, hifens ou hífenes; abdômen, abdomens ou abdômenes; hímen, himens ou hímenes. E quanto à grafia ‘bonbon’, francesa, em que existe N antes de B, devemos lembrar isto: a regra em Português de que antes de P e B devemos usar M (campo, pombo), de origem castelhana ou espanhola, não adota essa ‘vivência’ em outros idiomas: comfort (conforto), Inglês, e Gutenberg (que podemos aportuguesar para Gutembergue), Germânico.

Ainda, compare: colo, colos; cólon e cólons; crepom, crepons; edredom, edredons; pistom, pistons; ultrassom, ultrassons.

Como professor, vivenciando normas gramaticais da Língua Portuguesa diariamente, tendo lecionado por mais de quarenta anos, chama-nos a atenção o fato de podermos usar, como variante de cupom, ‘cupão’, cujo plural, pelo fato de a palavra terminar em ão, é cupões, o que pareceria erro de Português (possivelmente, para alguns). Citemos o indivíduo que usa com sotaque forte ‘cupons’, sob o prisma de alguma regionalidade (baianês, carioquês), pronúncia próxima de ‘cupões’, sem, entretanto, haver erro fonológico, a menos que escreva de forma errada.

Considerada a grafia cupão, temos guidão e garção, que fazem, respectivamente, os plurais guidões e garções, parecendo-nos tanto a grafia como a pronúncia incorretas, mas não o são.

Entre os vocábulos de origem francesa (cupom, garçom, guidom, batom, maçom), os dois últimos, curiosamente, não têm variante terminada em ão. Para nossa Fonologia, essa suposta pronúncia ou forma gráfica soaria mal. Batão? Ops! Mas existe bastão, do Latim Vulgar bastone, via bastu, que nos dá basto, o mesmo que denso, vasto, cerrado, intenso. Jamais maçom seria mação, possível de ser confundido com o aumentativo sintético popular de maço (conjunto de coisas, pacote)que não estaria longe de ser encontrado.

Esse viés a partir de cupom não foi dado a meu amigo consulente, mas sua pergunta me motivou o comentário, que basta a si mesmo, e agora é publicado. Serviu a você?

Pausa: 1. O verbo saudar, pouco usado atualmente, poderia ter os seguintes sinônimos, a depender de cada contexto (inclusive, o nível intelectual do usuário): ovacionar, cumprimentar, reverenciar, aplaudir, dirigir-lhe palavras elogiosas. Teria sido muito comum, no passado, momento em que uma pessoa mais velha (pai, tio, avô, padrinho etc.) dissesse a um jovem “Saude o seu amigo que acaba de chegar”. Bonita atitude, cuja intenção seria de fazer amizade e integrar o chegante ao grupo que o recebia em seu lar. Temos que dizer, entretanto, que a ortoépia sofreu um lapso: sau-dar (com o ditongo au), conjugado, em formas rizotônicas do indicativo e imperativo, passa a ter hiato (a-ú): ele saúda; ‘saúde seu amigo, meu filho’. No imperativo, tem a mesma grafia e pronúncia do substantivo, um homônimo perfeito (sa-ú-de). Se temos, no indicativo presente, eu saúdo, tu saúdas, ele saúda, nós saudamos, vós saudais, eles saúdam, no imperativo (afirmativo e negativo), passa a ter as grafias saúde (você), saúda (tu), saudamos (nós), saudai (vós) e saúdem (vocês). Não confundamos jamais saudar com saldar. Saúde, seu vizinho, minha filha. Salde suas dívidas para não se tornar inadimplente. 2. O verbo encoxar é curioso, e seria um neologismo tipicamente brasileiro, ou um brasileirismo neológico: indica a ação do praticante de assédio sexual ‘a encostar ou esfregar, sorrateira ou forçosamente, suas coxas ou algo próximo ao órgão sexual nas partes íntimas de uma mulher, na intenção de sentir prazer pela libido’, nos meios de transportes lotados (metrôs, trens, ônibus). Trata-se de derivação parassintética, ou parassíntese: encoxar (en, prefixo; cox(a), radical; ar, sufixo verbal), assim como temos encovar, enterrar, encanar, encaixar etc. Esse verbo não seria comum em dicionários. 3. Considero feia a manchete ‘a primeira paraquedista mulher’. Sendo aceita, mesmo com caráter explicativo, teria razão aquele cidadão simples que diz ter ‘cinco filhas mulheres’ na intenção de não confundir com os ‘filhos homens’, ou ‘cinco filhos homens’, para não confundir com ‘as filhas’. Na linguagem moderna, bastaria ‘a primeira paraquedista’ (que indicaria uma mulher). Se necessário, adiante, viria o termo feminino, mulher, senhora etc., esclarecendo qualquer dúvida. Houve época em que algum causídico (e sou advogado), no conturbado ‘desquite’ de outrora (separação de direito), que depois poderia se tornar divórcio, usou ‘a cônjuge mulher’, ou ‘virago’, confrontando com ‘o cônjuge homem’, ou ‘varão’. Expressão desnecessária. Quanto ao divórcio, lembremos o senador Nelson de Souza Carneiro (1910-1996), soteropolitano, atuante no RJ, que conseguiu tornar essa forma de dissolução matrimonial uma realidade em 1977, antes somente dissoluta com a morte de um deles. A forma como os Códigos aceitaram as alterações nesse mundo familiar conturbado mudou muito. E hoje, quanto ao linguajar jurídico, basta que tasquem lá ‘o cônjuge’, e para não confundir o momento de ser ‘ele’ ou ‘ela’, podem usar ‘cônjuge masculino’, ‘cônjuge feminino’, olvidando a norma gramatical, mas para evitar dúvida. Seria necessário ‘o policial mulher’ ou ‘o policial homem’? Por muito tempo, tivemos somente ‘o policial’, mas hoje devemos usar ‘o policial, a policial’ (civil, militar), assim como o tenente, a tenente; o sargento, a sargento. O substantivo sobrecomum pôde ou pode tornar-se comum-de-dois, embora não se diga ‘o’ criança, mas se for necessário, a criança, explicitando uma menina, ou, um menino.

Abraços.

 

João Carlos de Oliveira

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