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Como nascem as palavras? Como surge o brasileirismo? E o que é onomatopeia?

Parte III (para concluir o comentário).

Nesta fase, a forma verbal ‘nascem’ substitui ‘nasceram’, e foram acrescentados os subtítulos ‘brasileirismo’ e ‘onomatopeia’, dois tópicos que mostram as palavras ‘brotando’ do nada em meio à fala desértica do ser humano.

Segundo o dicionário, ‘brasileirismo’, no tocante à semântica da linguagem, é o ‘fato linguístico peculiar ao Português do Brasil’. Nossa fala vai-se alterando, prova de que nos comunicamos através de ‘cores, sons e imagens’ etc. Isso é bom! Vendo alguém a sofrer, sob a sarjeta cotidiana, supostamente, dizemos ‘coitado’. O que é coitado, quem pratica o coito?

Apenas, seria o desgraçado, o infeliz, o necessitado. Coito, nascido do Latim ‘coitus’, que significa ‘junção’ (momento em que ‘A se acopla a B’), é cópula ou relação sexual. Cuidado. O cacófato ‘(Olhe) o copo lá‘ sonoriza ‘copular’, da família de cópula, que gera copulação. Eis a turma etimológica. Pare aí, professor!

Coito é variante de couto, e coitado, derivado que mudou de sentido: passa a ser o que nos convém (o prisioneiro do amor, o apreendido de Cupido), agora pobre-coitado, refém de sua própria fantasia!

Desse modo, os brasileirismos vêm à tona. ‘Arraia’, porque se parece com a pandorga, ou pipa, é o nome popular do ‘peixe achatado’ que dorme na areia no fundo do mar, até ser fisgado.

Não confunda ‘altista’, pessoa que eleva o preço das mercadorias, com ‘autista’, que sofre de autismo, ‘estado patológico em que ocorre um distanciamento da realidade devido à recusa de contato com o mundo exterior e à predominância de um mundo interior imaginário’ (dicionário Delta Larousse Escolar). O que é isso, professor? Se em tudo que falamos predomina o ‘sonoro’, podemos confundir, é claro, a qualquer momento, ‘auto’ com ‘alto’: alto-falante por virar ‘auto-falante’, que não existe, mas use ‘automotivo’; e ‘autodomínio’ nada tem a ver com ‘alto teor etílico’.

Já a onomatopeia é curiosa. Se conhecemos tique-taque, bem-te-vi, que tal darmos um toque gráfico a ‘toc-toc’ ao chamar alguém, batendo na porta, e não ‘à porta’, e escrevermos toque-toque? Assim, temos pingue-pongue, porque a bolinha saltita. Na exuberante plataforma da imitação, lá vem todo verbo que indica a voz dos animais. O burro se chama ‘mu’ por que usa esse bramir para se comunicar?

Surgiu ‘maresia’ por que o mar tem azia, aquele azedume que irrita o estômago?

Quem nasce na Malásia não seria ‘málaso’ ou até ‘málago’? Por que se deu preferência  a malásio ou malaio?

O verbo ‘assoar’, tipicamente onomatopaico, que indica o ato de soprar o ar pelas narinas, não deve ser confundido com ‘assuar’, companheiro-parônimo, visível no U sonoro da vaia, daí seu significado: apupar, insultar com dizeres indiscretos. A palavra onomatopaica nasce do forno da sonoridade, como biscoito que vem do calor da lenha que crepita, como sapo-boi que coaxa, não à espera de insetos, mas por que escancara a bocarra sorridente para sua parceira.

O cururu, que tem couro grosso, solta o vozeiro coaxante como o grunhido rouquenho do hipopótamo desajeitado e obeso. Precisa fazer exercícios aeróbicos, meu filho!

Aliás, onomatopeia, do Grego onomatopiia, já significa ‘criação de palavras’, tudo motivado pela imitação dos sons emitidos por seres animados ou objetos. Pode-se acrescentar que também por atos desses seres, como berrar, o berro; cacarejar, o cacarejo; relinchar, o relincho etc. e toda a fala da fauna, o assobio da folhagem na floresta até o zumbido poético da abelha jataí. Haja poesia para tantos falares! E engraçado é que o homem tenta imitar a ‘voz’ dos animais, se é que pode ser chamada de ‘vox’, que se torna ‘voice’ no programa de imitativa musicalidade. Nhoque é o biscoito fanho que ressoa na parte interna bucal como gravetos que se quebram.

Que animal pipila? Só a ave? O pipi da criança, do Francês do mesmo nome, se dá pelo barulhinho ‘infantil’ da própria nascente corporal franzina? Por isso, se o técnico diz que o instrumento musical nordestino se chama ‘pífano’, fica preferível e curioso o soar do ‘pífaro’. Qual dos dois é mais bonito?

Os termos de origem indígena que nos digam isto: ouvir a Natureza, sentir o fazer do animal, e criar um termo. Tudo ecologicamente correto, tudo politicamente correto, respeitando a individualidade que nos cerca.

Como não sou linguista nem filólogo, não se trata de este comentário ser um tratado científico, mas de eu ser um hilário observador da fala que nos cerca. Se temos a família brancura, esbranquiçar, branquinho, branquear, branco-gelo etc., o texto nos pergunta de onde veio ‘branco’, cuja resposta fica à mercê da Antropologia Linguística. Curioso é pensar que a neologia cresce, e muito, no mundo moderno, e o brasileiro seria mestre nessa arte de renovação lexical, haja vista serem nossas crias palavras como sem-terra, secar (o time adversário), laranja (envolvido em transações financeiras irregulares). Capadócio não é conterrâneo de um santo nascido na Capadócia (vide Turquia), mas um beócio (que seria de região outrora da Grécia). De uma plaga para outra, tão distantes, assim também o caipira nas serras de Jacobina pode ser chamado de mocoronga ou groteiro. Vivo eu ‘tomano’ umas aulas do Vernáculo baianês.

Fica o dito pelo não-dito. O torpedo deixou de ser bomba aérea mortífera para se tornar uma mensagem de amor. Quanta mudança!

Pausa: 1. O texto, para insinuar o deleite no final de ano, pergunta: “Em que praia eu vou?” ‘Em que’ no lugar de ‘a que’ (quem vai, vai a um lugar) é muito forte para uma manchete de jornal. Por isso, ficamos com o popular que diz simplesmente ‘vou na roça, vou no banheiro, vou no clube, vou na casa dele’. Deixem o homem iletrado expandir seu falar regional. 2. Um palestrante, demonstrando certeza do que ‘envia’ ao expectador, diz “Só me responde (…)”, momento em que usa ‘você’. Para manter a uniformidade de tratamento, o imperativo é ‘responda’. Entende-se que muitos usam o presente do indicativo como se fosse forma imperativa: vem, faz, diz, chega etc. 3. A linguagem apelativa ‘são e salvo’ deixa uma lacuna: se está ‘são’, já estaria ‘salvo’. Dizer, então, que alguém foi salvo com vida é redundante. O corpo foi resgatado, e não salvo. Melhor seria ‘salvo’, acrescentado que se encontra, ainda, vivo. Similar dizer ‘o homem foi sepultado’. Ops! Enterraram o homem vivo? Não. Querem dizer ‘o corpo’ (do homem), que foi sepultado no Cemitério da Saudade.

 

João Carlos de Oliveira

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