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Imbigo ou umbigo? O que é variante gráfica?

Nossa escrita tem nuances, ou nuanças, dificultosas que se tornam enfadonhas. Com o andar do tempo, algumas grafias se ‘alteram’ porque não parece bom viés a imposição para que o usuário cumpra, rigorosamente, todas as normas ortográficas. Como fica o direito à liberdade de cada um se expressar? A rigidez gramatical e linguística desmotiva e dificulta o uso do bom Português.

Esse duelo é eterno, e não acabará tão cedo. O léxico nos ensina que a variante gráfica faz parte do cotidiano. Se assim o é, por que os doutos criticam o direito livre de cada um se expressar?

‘Imbigo’ é feio? Mas foi assim que ‘nóis aprendeu lá na roça, e pro mode agora querem obrigar nóis a falar diferente?’, diria o autor da linguagem condenada.

O dicionário registra ‘umbigo’, do Latim ‘umbilicus’ (‘pequeno orifício existente no abdome do feto que dá passagem à veia umbilical e às artérias umbilicais, e em volta do qual se insere a bainha do cordão umbilical’).

A definição é longa, e ainda há o uso de umbilical, adjetivo derivado de umbigo, mais de uma vez.

O que se entende é que, antes, chegaram a condenar o uso de ‘imbigo’, mas agora pode, e circula normalmente na linguagem popular. Então, não houve erro, nem há nesta veia moderna em que a comunicação tem um aspecto popular muito forte.

A variante gráfica é uma segunda palavra, ligeiramente diferente, com a mesma semântica da primeira: imbu é o mesmo que umbu. Há variante gráfica com três grafias: enfarte, enfarto e infarto, com a mesma significação. Para haver a quarta (infarte), custa pouco, bastando que a regionalidade apresente novo sotaque do falar.

Eis a relação de (algumas) variantes gráficas em ordem alfabética, que poderá ser interessante: abio, abiu; bassoura, vassoura; coito, couto; doido, doudo; esperdício, desperdício; fadigoso, fatigoso; gabado, gavado; hidrelétrica, hidroelétrica; inhaúma, inhuma; jerimu, jerimum; labareda, lavareda; macedônico, macedônio; náiada, náiade; oba, opa; pandorca, pandorga; quadriênio, quatriênio; rabeca, rebeca; sobaco, sovaco; taramela, tramela; ubaia, uvaia; vagabundo, vagamundo; xibio, xibiu; zângão, zangão. Ficaram fora palavras iniciadas por K, Y, W, normalmente por serem nomes próprios ou deles derivados ou termos técnicos. Ainda assim, kardecista poderá ser ‘cardecista’ com a evolução dos tempos, salvo melhor juízo. O dicionário registra kabuqui, cuja variante é cabúqui. Kanga, tecido, que gera o vestuário com o significado ‘saída de praia’, torna-se canga, que não é peça de madeira nem opressão (v. canga de bois).

Umbigo, figuradamente, é um ponto central. O umbigo do Planeta está pútrido, a ponto de explodir, com a possibilidade de toda a sua infecção contaminar o mundo bélico que se aproxima, porque profecias há que nos rondam.

Adornar ou adernar? Esses dois verbos, professor, são variantes gráficas? Não. Poderia haver engano, mas adornar é enfeitar, adernar é virar, derramar. Basta isso.

Vamos variar?

Feio é falar ‘A economia como um todo’. Alguém usou essa metáfora, que já seria vaga em um momento, e muitos a repetem na atual conjuntura. Melhor seria o costumeiro bordão popular “Eu como de um tudo, até pedra, se tiver bem conzida”, diria o homem simples.

A vida como um todo, o todo da vida. O que é isso? Nada. Não se entende com facilidade o que essas expressões querem dizer.

Está na hora de eu ir trabalhar. O popular diz Tá na hora de mim ir trabalhar, e pronto.

Palavra acentuada é aquela que recebe acento gráfico (cântico). Curva acentuada é aquela perigosa, sinuosa; já relevo acentuado é aquele relativamente íngreme, e barriga acentuada é aquela saliente, volumosa. Quanta diferença! E por que teríamos que determinar um sentido único para um vocábulo? Se o sentido não pode ser único, por que a pronúncia seria única? E a grafia? Deixemos o falar e o escrever serem diferentes.

“A mulher foi estrupada”, diria o contador de história. Não é estrupada, é estuprada. Mas a boca é minha, eu falo como eu querer.

Ele vai arrecardar o dinheiro. Não é arrecardar, é arrecadar. Mas a boca é minha, eu falo como eu querer, e aprendir com meus pais.

Os cidadões do Brasil não estão comprindo a lei. Não é cidadões, mas cidadãos. E não é comprindo, é cumprindo. Mas a boca é minha, eu falo como me dá na telha.

Amanhã, quando eu vim você mim fala o restante dessa história. Não é vim, é vir, e não é mim fala, mas me fala. A boca é minha, eu falo como eu querer, e você num tein nada cum isso. Se entendeu, já estou correto.

Vá comprar um pedaço de mortandela para mim cumer. Não é mortandela, é mortadela, muito menos para mim cumer, é para eu comer. A boca é minha, e eu cuspo onde eu querer: no penico, na bacia ou no chão mesmo.

Ele anda por aí trupicando em tudo. Não é trupicar, é tropeçar. Oh! cara, a boca é minha, eu falo como eu acho melhor dizer, e foi assim que aprendi desde piqueno. Não é piqueno, mas pequeno. A boca é minha, eu falo como eu achar mais bonito.

A arte para uns tem um caminho: o homem retrata a Natureza conforme ele acha que é certo. Isso é arte. A clássica seria essa? A arte para outros é como um menino que toma banho pelado na lagoa e ri muito de sua própria silhueta, como um quadro que mostra o Belo nu numa rua para todos verem. Se moro em Piancó, piaçaba ou piaçava é a mesma coisa. Conheço o curió, que canta bonito. E o coió ?. O coió é uma gude gasta, ou uma gororoba qualquer. Coió é um berrante que toca o gado caatingueiro no sertão afora, em especial, no Piemonte da Chapada Diamantina. Coió é o tolo, ou namorado ridículo. E muito mais.

O impecilho é algo que nos impede de dar um passo na frente. Não é impecilho, mas empecilho. Mas se a boca é minha, pruquê num posso falá impecilho se nóis pode falá ‘impidir’, se eles ‘mim impidiram de entrar na buate porque num tava bem vestido?!’

Assim, o dia a dia. A entrada de um edifício. A entrada em um edifício não seria melhor?

Se podemos falar chegou na quarta por que não podemos falar chegou ‘na cidade’? A cabeça é minha, como a boca é minha, eu falo cuma achar mais acertado. Não é isso, dona Espoleta?

 

João Carlos de Oliveira

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