O acento circunflexo diferencial é necessário, mas nem sempre usado. Mesmo que o contexto auxilie o entendimento da construção frasal, comum, literária ou inusitada, será de bom alvitre que se tasque lá o acento diacrítico para diferenciar classes gramaticais, pronúncias fechadas de abertas, até o tempo verbal, deixando bem claro o conteúdo da mensagem.
É claro que a Reforma Ortográfica aboliu o simples acento agudo diferencial, usado, por exemplo, em pára, forma verbal de parar, na terceira pessoa do singular, do presente do indicativo, para distinguir da preposição para, mas nem sempre a ausência desse tipo de acento em outros momentos deixa o contexto redigido adequadamente.
O homem pára o carro em cima da calçada.
(Essa grafia com o acento agudo foi obrigatória antes da Reforma Ortográfica toda vez que ‘para‘, forma verbal, aparecesse na frase.)
Em caso como este, não: O camponês sai de casa todos os dias às cinco da manhã para trabalhar (por ser preposição).
(Para sem o acento agudo por se tratar de preposição, como foi na regra anterior; a forma verbal, com a mudança, hoje, não recebe mais esse acento diferencial.)
Dois pontos explicativos, e excludentes entre si, podem ser discutidos.
O acento na forma verbal para não seria em virtude da pronúncia, que não é diferente da forma de se falar a preposição para; foi determinado, apenas, pelo fato de ser gramaticalmente diferente; mesmo assim, a diferenciação da forma verbal para a preposição não seria ‘tão necessária’ em virtude do contexto, colocado em segundo plano.
Um acento desnecessário proposto pelas cabeças pensantes de então, por isso, foi abolido. Perda de tempo; ficava, somente, perturbando a mente de quem iria escrever, e encharcando a escrita de regras tolinhas. Tardia sua exclusão.
O segundo ponto serve para dizer, mais uma vez, que a regra de impor o acento agudo diferencial seria insensata, respeitados todos os conhecimentos dos mestres: por que não foi usado na preposição para e não na forma verbal com a mesma grafia?
Ele vai pára a rua (preposição); Ele para o carro na calçada (forma verbal).
Determinaram a regra ao contrário. E por que usá-lo na preposição? Porque seria a forma mais popular: usa-se a preposição ‘para’ de todos os modos. Até uma redução foi aceita (prá) e com acento (mais um desperdício). Bastaria se dizer: Isso é pra você. (Não se usa ‘pra’ com outro significado.)
Por que não pensaram assim?
Este professor, que deu suas aulas de Língua Pátria por cerca de 40 anos, dizia para a garotada: ‘A regra exige, mas nem sempre ajuda; pode também atrapalhar.’ Quando o jovem esquecia o acento desse nível numa redação não seria prejudicado, apenas alertado.
Então, como advertência e crítica, chegou a escrever ‘pára’ como preposição: Vou pára a cidade, e ‘para’ como verbo: Ele para à beira da estrada.
Essa visão não teria sido aceita, como se imaginaria, pelo fato de não ser regra; por outro lado, a regra não logrou êxito por ser, absolutamente, ilógica e irreal. Tanto não prosperou, que veio, tardiamente, a ser abolida.
Nos dias atuais, entretanto, essa coisa flui de maneira adequada: Vamos sair para fazer compras. Ele foi para casa (pra). O homem para o carro em cima do passeio. Ela para onde quer.
(O acento agudo que seria usado nas duas últimas frases não tem mais serventia.)
Uma bobagem a grafia, anterior, com acento agudo em pára-brisa, pára-raio, pára-quedas, pára-quedista, pára-choque etc.
Pior, por outro lado, que alguns, modernamente, grafam ‘parabrisa’, que deve ser ‘para-brisa’. Se for correto grafarem ‘parabrisa’, deveriam escrever ‘pararraio’, opção que ficaria inviável, confundida com palavras que tenham prefixo (semirreta, antirrábico etc.), que seguem outro critério. Estão inventando ‘formas de grafar’, que complicam ainda mais a aprendizagem do idioma.
A Reforma Ortográfica, pelo que se depreende do emaranhado de regras, para esse caso, trata da exclusão do acento agudo diferencial em para, forma verbal, e não do uso do hífen.
O bom redator usa para-brisa, para-raio, para-quedas, para-quedista, para-choque, e outros.
Depois desse lenga-lenga, o caso do acento em ‘pôr’, verbo, para diferenciar da preposição ‘por’, e do mesmo circunflexo em ‘pôde’, terceira pessoa do singular, do pretérito perfeito do indicativo, de som fechado, do verbo poder, para diferenciá-lo da terceira pessoa do singular, do presente do indicativo, de som aberto, deve ser respeitado.
O pôr do Sol está lindo. Eu vou pôr em cima da mesa (colocar os livros). Devemos pôr fim ao debate, pois o tempo urge e já se discutiu o que deveria ter sido (terminar).
Eu vou por aqui (passar) porque é mais perto. Eu vou por você (sigo o seu entendimento). Por fim, ele veio. Que bom! (Finalmente, ele veio).
Para boa clareza, essas grafias devem ser respeitadas, o que nem sempre todos fazem. E justamente quando não se usa o acento é que pode haver dúvida.
A semântica da frase ‘Ele não pode tirar o carro do atoleiro’ fica duvidosa se não houver o acento circunflexo diferencial em pode, forma verbal, com a mesma grafia no presente, se o tempo for o pretérito perfeito do indicativo.
Presente: eu posso, tu podes, ele pode, nós podemos, vós podeis, eles podem.
Passado perfeito: eu pude, tu pudeste, ele pôde, nós pudemos, vós pudestes, eles puderam.
Curioso observar que a pronúncia de ‘podemos’, no presente, fato que pode acontecer no sotaque regionalista, confunde-se com a grafia ‘pudemos’, no pretérito perfeito.
Ele não pode vir hoje (presente). Tomou falta porque não pôde ir trabalhar por causa da pandemia (pretérito perfeito).
Pode haver confusão. Pôde haver muita briga no tempo do Império Romano (chegou a haver).
A frase ‘Agora, ele não pode sair’ é clara, e não precisa de acento diferencial por se tratar de tempo verbal no presente do indicativo. Mas como são inúmeras as combinações, o acento circunflexo é indispensável em outros casos.
A expressão ‘Ele não pode sair‘, mesmo com a nuança do contexto, pode oferecer dúvidas, por isso o acento deve ser usado no passado.
Ele não pode ser atendido. Presente.
Ele não pôde ser atendido. Passado.
O redator pode encontrar diversos exemplos e compará-los. A melhor saída é mesmo o uso do acento circunflexo diferencial no passado perfeito para não confundi-lo com o presente do indicativo, com a mesma grafia.
Fechemos o dito de hoje.
Evite usar ‘Trabalhamos em cima disso‘, ‘Correu atrás do prejuízo‘, ‘Isso não é correto a nível de Brasil, entendeu?’, por serem metáforas vagas. (Trabalhamos com isso. Procurou recuperar o prejuízo. Isso não é correto para o nível (financeiro, cultural) do Brasil.)
A multidão furiosa correu atrás do ladravaz! (Nem essa frase fica clara, porque poderia ser o grande ladrão correndo à frente e a turba correndo atrás dele, ou correndo na tentativa de alcançá-lo.)
Estrondoso Feliz Dia das Mães (para todas).
Abraços.