De início, não se pode dizer que haja a obrigação de todos conhecerem a dinâmica da Língua Portuguesa, que evolui rapidamente, como os costumes. A cada dia, um termo novo, e outro que cai em desuso. Os neologismos são muitos; os arcaísmos nem tantos assim, mas quem ainda usa ‘brucutu, chofer, magarefe’? O que mais se percebe nesse ‘campo minado’ pela pouca consulta ao léxico e talvez nenhuma observação ao vocabulário do cotidiano é que se arranja nova grafia para uma já existente. Seria esse o modo de pensar? Parece que sim por que há grafia embasada em pronúncia ruim, e não se trata de variante gráfica. Aliás, a variante gráfica tem dois suportes – o culto (a xérox) e o popular (a xerox), assim como ‘o louro’ e ‘o loiro’. Poeta houve que usou ‘endoudecido’, grafia de influência latina, e os não-mortais, simplesmente, de outrora e de agora (que rima pobre!), usam ‘endoidecido’. Concorda com essa análise?
Então, vamos às respostas, que não são científicas, mas remedeiam. Que tanto ‘ão’, João!
‘Patrilheira‘, para indicar o local em que se expõe um produto, não existe. O termo é ‘prateleira’, vocábulo da família etimológica de ‘prato’. A prateleira, que se transforma em ‘partileira‘ na linguagem do homem iletrado, é uma espécie de estante – ‘tábua disposta horizontalmente na qual se colocam livros, papéis e outros objetos’, definição de um dicionário. Prateleira foi o termo usado no lar de nossos antepassados, assim como se usou ‘cristaleira’, onde eram guardados os talheres finos. Ainda existe? Na casa de um parente seu ‘tem’ uma? Trata-se de uma relíquia. O vocábulo prateleira tem sua origem no arcaísmo ‘pratel’, pequeno prato. Analise com atenção – a prateleira ‘moderna’ comercial é parecida com a gôndola – lugar em que se expõem produtos para venda numa loja. E mais – gôndola é uma espécie de canoa usada em Veneza, na Itália, cuja grafia (lá) é ‘gondola’; a sílaba forte é a primeira.
Para reviver seu conhecimento, lembre-se de que há um músico que toca ‘prato’ numa banda musical, fanfarra ou orquestra. ‘Prato’ tem muitos sentidos, mas o sinônimo para esse caso é ‘címbalo’ – instrumento musical de percussão formado por dois pratos metálicos, que se faz bater um contra o outro. O címbalo é o ‘prato’. Na evolução dos vocábulos, no Espanhol, esse ‘prato’ é chamado de ‘patrillo’. O músico, portanto, que toca esse ‘prato’ é o patrilheiro. Na modernidade, se houver uma mulher que ocupe o lugar do patrilheiro, iríamos chamá-la de patrilheira (?). Só assim, seria admitida a existência da palavra patrilheira, não com o sentido de estante. A má pronúncia, assim como há ‘partileira’, é que tenta ocupar o uso do bom termo ‘prateleira’. Ficou um pouco longo, mas seria ‘um prato cheio’ se uma loja revisse a grafia que usou em seu fôlder.
Mais um item – hoje, estão dizendo que o patrilheiro pode ser chamado de ‘prateleiro’. Curta mais essa!
E ‘campanhia‘ existe? No momento em que você vai à casa de alguém, pode tocar a ‘campainha’, uma espécie de campânula ou campana, uma sineta, para chamar alguém. Para chamar o amigo, no passado, a campainha foi a palma de sua mão. “Ô de casa!”, ao que se respondia “Ô de fora!”, e todos se comunicavam. Surgiu o interfone, que está aí, mas a campainha não serve? O ‘olho-mágico’ morreu? E agora, você confunde estes vocábulos – companhia, campainha, campanha, campana? Está fazendo confusão na sua cabecinha? Consulte nosso amigo, que ele nos diz o que são. Companhia é ‘amizade de alguém’; pode ser ‘a empresa’; em Inglês, ‘company’; comercialmente, abrevia-se Companhia em Cia. Também não confunda nossa abreviatura Cia. com a sigla americana CIA, que tem sua origem em termos ingleses. Veja-os para a sua curiosidade. Campanha é um movimento social em prol do bem-estar de carentes; um movimento filantrópico. Campana, ou campanha, é ‘o plantão’ policial para capturar o malfeitor. A outra estória é a má pronúncia que gera ‘campanhia’. Pronuncie campainha como você o faz com rainha, bainha, tainha, fuinha etc.
E ‘agrocampo‘? Teríamos um vocábulo ‘composto’, mas não pode ser por que ‘agro’ e ‘campo’ têm o mesmo significado. ‘Agro’, que varia para ‘agri’, é elemento forte em agricultura (cultura do campo), agrimensor, agrícola (referente ao campo ou àquele que mora no campo), agrimensura, agrônomo etc. Podemos combinar ‘agro’ com pecuária – agropecuária; com alimentar – agroalimentar; com tóxico – agrotóxico. Temos agrobiologia, agroclimatologia etc. Não se pode combinar ‘lácteo’ com ‘leite’, em virtude do mesmo significado. Existiria ‘lacteoleite’ ou ‘leitelactação’? Não, por que os termos dizem a mesma coisa. Citemos um neologismo avançado – agrobacilo, um bacilo originário do campo. Faz sentido. Quem sabe um dia, já que estamos numa modernidade linguística sem tamanho!
Hoje, fui eficiente em meus dizeres?