A miscelânea da arte, a miscelânea da cultura. São múltiplas as miscelâneas; até a política desastrosa tem sua miscelânea voltada ao bem-estar próprio, quando deveria ser em benefício do povo – o poder nasce do povo e tem como escopo atos beneficentes em prol do povo. Se sua função não é para o povo, então, para que existe?
Do Latim ‘miscellanea’ (com dois eles para indicar grandeza; sem acento gráfico porque se usava no Latim, como no Grego, um sinal ortográfico sobre a vogal breve – braquia – para pontuar a sílaba seguinte como tônica, miscelânea significa ‘mistura, compilação de peças literárias ou científicas’. Miscelânea de peças teatrais. Por isso, preambulei com a expressão ‘miscelânea da cultura’, o tópico mais indicativo de que temos variedades de artes tanto no mundo clássico como no popular. No aspecto figurado, miscelânea é ‘confusão, amontoado de coisas’.
Alguns há que cometem deslizes linguísticos gritantes, verdadeira miscibilidade – tão miscível está sendo a linguagem de quem não cumpre normas gramaticais. Por que não as conhece? Talvez, por que não considerem plausível falar um bom Português, pois “falamos errado e ninguém percebe se cometemos tais erros”. Teria fundamento essa ‘premissa’ ilógica? Da família de miscelânea, temos miscível (que se pode misturar), miscibilidade (qualidade daquilo que é miscível) e imiscível (que não se pode misturar). A propósito, o sindicalista Antônio Rogério Magri, então ministro do Trabalho, entrevistado, declarou: “O salário do trabalhador é imexível” (sic). Foi muito criticado. Alegavam que o ministro, em cargo tão alto, falaria errado. Não. O adjetivo vem, como se nota facilmente, de mexer, assim como se cria ‘irreparável’ de reparar; ainda, imemorável, imedicável. Nem é neologismo, como querem outros; o dicionário é que não teve a prudência de registá-lo. O antônimo de vocábulos como miscível é formado pela junção do prefixo in (não), e como já temos um fonema similar nasal (m), permanece apenas ‘i’ – imiscível; como imodesto, imóvel, imoral, imódico; mexível, imexível. Havendo r, como em reparável, o n de in também desaparece – irreparável, irresistível, irrestrito, irreal (já escreveu alguma vez ‘inreal’?, se o fez, não o faça mais!). O direito do trabalhador seria ‘imexível’ (corretíssimo), e alguns riam. Hoje, trata-se de direito pétreo – que é inalterável.
Se o direito é irretocável e imutável, se a resposta é irretorquível, se nosso idioma deve ser imiscível – por que tanta reforma? Constrói-se uma casa; depois, é reformada. Todo ano vai haver alteração? Por que querem reformar tanto a Língua Portuguesa? O idioma não é imutável, mas o ‘tsunâmi’ tem que ser natural; o provocado pelo homem seria como em um safári o magnata dizer que mata búfalos, javalis, macacos, leões, guepardos etc. ‘por esporte’, e tira fotos dos animais abatidos para seu ato ser visto como troféu – autoridades há que não veem crime nessa estupidez. Dói muito.
É irascível! Uma propaganda diz ‘supermegapromoção’. Semanticamente, a ilogicidade é gritante. Mega é mais que super. Basta que seja superpromoção, hiperpromoção (temos hipermercado) ou apenas ‘megapromoção’, assim como temos megacidade, megacefalia, megalópole.
Um rapagão com pinta de classe A diz: “Se eu fazer…, vou ganhar?” A empresa de cosméticos anuncia ‘produto anti-rugas’; a outra, ‘leite semi-desnatado’ e um locutor diz ‘campanha beneficiente’. A regra é clara – anti, precedido de termo começado por R, exige a duplicidade desse fonema – antirrugas. Semi já tem seu uso traçado na reforma anterior, que continua nesta – semidesnatado (feio por vir de empresa que exige bom Português em concurso), assim como seminovo, seminu, semipermeável; mas, agora, ‘semirreta’. O verbo é beneficiar e o adjetivo, beneficente. “Eu sube disso!” “Não vou vim.”
É preferível imexível. Este comentário é uma miscelânea.
Próximo debate – o uso dos porquês.
João Carlos de Oliveira. Teixeira de Freitas, BA, 28 de dezembro de 2016.