O artigo de hoje é simplório. Talvez, sem importância, mas que valha a pena chamar a atenção para esse recurso gráfico, como é usado e o que determina a norma gramatical. Há certa contradição entre um caso e outro. A regra explícita é condizente com o uso do dia a dia?
No singular (aspa), instrumento de suplício em forma de X ou cruz de Santo André, mártir religioso supliciado nessa barbaridade medieval (em que o indivíduo era colocado, asfixiando-o e quebrando-lhe os ossos até a morte). No plural (aspas), sinais (” “) colocados antes (“) e depois (“) de uma citação ou de uma expressão pouco usual. Chamadas ‘vírgulas dobradas’.
No caso de citação de terceiro, para registrar os dizeres, há a necessidade de ser provada a origem, por isso, aspas duplas são obrigatórias. Âncoras de telejornais usam com maestria ‘abram-se aspas’ para o começo e ‘fechem-se aspas’ para o fim.
A intriga é: em outros casos, não.
A Gramática Normativa diz que as aspas servem para marcar citações: “O sertanejo é, antes de tudo, um forte” (Euclides da Cunha). E que também têm a finalidade de assinalar palavras ou expressões que pertençam a um nível de linguagem diferente do empregado: gírias, estrangeirismos, arcaísmos, neologismos. “Garota papo-firme”.
Apenas, para assinalar ‘destaque’ ou ‘ênfase’ de uma palavra, as aspas devem ser duplas ou dobradas? Em se tratando somente desse objetivo, bastaria o sinal simples, similar ao apóstrofo: “João é ‘doidérrimo’ por Maria”, disse a vizinha. “Ele anda de ‘pneus arriados’ por ela”, completou. A ironia e a metáfora rondam a linguagem popular, motivo por que o vocábulo pode receber recurso gráfico para ser destacado. A paixão do jovem por sua musa é evidente, segundo o olhar da vizinha: ele anda ‘doidinho da silva’.
No cotidiano, vemos a chamada de um termo no texto, destacando-se entre os demais: A vida tem sido uma ‘sinuca’ diante de tantos fatos que nos horripilam. Há quem use aspas dobradas, que seriam sem necessidade, recurso confundido com a vez de se mostrar expressão ou trecho de um autor.
Para enfatizar o termo, além de aspas simples, poderia ser grafado em negrito ou itálico.
É comum ser dito que o rim é o ‘filtro’ humano (aspas simples). Que necessidade há de aspas cheias ou duplas, “filtro”? Assim, obrigamos o leitor a confundir a ‘chamada’ de um termo com a transcrição de texto de autor.
Essa diferença é que seria obrigação de a norma gramatical destacar. São situações bem distintas.
Se precisamos destacar um termo no contexto, sem ser excerto de escritor, basta clicarmos no sinal apostrofado, a que a Gramática chama ‘dar ênfase’ a determinada palavra ou expressão: O cidadão moderno não acata que o Brasil vive o ‘Estado Democrático de Direito’ em razão do caos que vivemos e dos burburinhos envolvendo o Poder do Planalto (que, ora, diz ‘sim’; ora, diz ‘não’), confundindo o pensar do povo.
Após esse ligeiro ‘tratado aspático’, precisamos reafirmar isto: em se tratando de excerto de autor, que lhe apliquemos as verdadeiras aspas: “E folgarás de veres a polícia (…)”, Luís Vaz de Camões. Se temos, apenas, a necessidade de destacar o termo ou lhe dar ênfase, por motivo poético ou linguagem popular inusitada, bastam aspas simples, como vem sendo adotado em textos ‘internéticos’: O mundo acaba de ficar de ‘cabeça para baixo’ com tantos vaivéns da falsa democracia seguida por governos autoritários.
Um artigo relata que um famoso fez vasectomia, e pondera que a ‘fábrica’ foi fechada. Isso basta.
Suponhamos que haja crédito em afirmar que uma borboleta foi ‘expulsa’ de seu habitat. Qual a necessidade de se usar “expulsa”? Se, por lado, transcrevermos trecho sobre Darwin, que apregoou a teoria evolucionista – “O evolucionismo que concebeu a teoria, provocadora para a época, de que o homem e os símios partilharam um antepassado comum” -, agora, sim, temos a necessidade indiscutível de usarmos aspas duplas, como consta.
Fora esse aspecto, na visão deste blogueiro, todos os outros casos se bastam com o uso simples de se afirmar que, segundo a semântica do idioma grego, dinossauro significa ‘terrível lagarto’. Por que o uso de “terrível lagarto” apenas para chamar a atenção do vocábulo?
‘Bater aspas’, emparelhar (um cavalo com o outro) na corrida. ‘Estar de aspa torta’, estar de mau humor. ‘Fincar as aspas’, cair de cabeça para baixo. ‘Fincar as aspas no inferno’, morrer.
Pausa: 1. Onde e aonde. Onde: o lugar ‘em que’ alguém está, no qual trabalha ou vive. Jacobina é a cidade onde se respira ouro, o ouro ‘citadino’ de seu povo. Aonde: o lugar a que se vai, ao qual se quer chegar. Aonde você vai, menino, uma hora dessa? Aonde você quer me levar, meu amor? O que nos aborrece é que a linguagem ‘culta’ usa em abundância: “O problema chegou num ponto, que não existe mais solução para o usuário de drogas”. Ficaria mais audível: “O problema chegou a um ponto, tão melindroso, que a solução das drogas está longe do fim”. 2. Sobre a enchente em Estado americano, “30% da região (…) está debaixo d’água”. Se, em outro momento, encontramos “Quase 70% das universidades federais tiveram cortes de verbas”, teríamos que usar o plural “30% da região (…) estão debaixo d’água”. (Grifo nosso.) 3. Texto sobre tratamento ortodôntico fala de ‘auto-estima elevada’. Autoestima indica ‘a aceitação de si mesmo’, o fato de gostar de si próprio. Fica redundante ‘autoestima elevada’. Bastaria a ‘elevação da estima’ ou a ‘estima elevada’. Estaria certo ‘autocuidado elevado’? Surge na nossa fala ou escrita pleonasmo sem que percebamos sua ‘presença’, em especial por que o mundo moderno nos ‘exige’ dizer diferente. Isso é bom, mas podemos pecar.