Os termos não são parônimos nem homônimos; apenas, suscitam comentários, como este, e ficam em aberto para discussões, mesmo que pareçam ilógicas.
Essa polêmica gráfico-semântica é de bom alvitre, para sabermos, não como filólogos, mas como usuários comuns, até que ponto um termo nos pode ‘derrubar’ ou obstruir o pensamento.
Cochilar, que seria de origem africana, como fazem referência alguns dicionários, forma cochilo, um deverbal, pelo fato de ser derivado com menos letras, ou fonemas, que o original. A lógica é que o derivado tenha maior número de letras; seja maior que o primitivo.
Todos nós o usamos muito quando falamos da soneca, da modorra (o mesmo que ‘madorna’), e por isso se torna convivente entre nós. A grafia, associada à pronúncia, pelo menos para alguns, poderia gerar dúvida.
Cochilar, cochilo, cochilante, cochilada, cochiladinha.
E coxilhar? Sendo aceito como neologismo, e os poetas gostam dessa invenção, viria de coxilha, a paisagem dos pampas gaúchos ou argentinos. A imagem e a palavra são bonitas, razão por que o verbo poderá, um dia, surgir, se é que, ainda, não exista.
Isso é bom, mesmo que não se possam dar mais informações.
Como parte do comentário de hoje, os dados a seguir.
Os pensamentos, seguidos de seus coirmãos, os ditos populares, sãos muitos. Alguns, embora usados e conhecidos, são relativamente estranhos, cuja semântica deixaria a desejar. O que predomina neles é a metáfora, mas esse não seria o motivo para serem tão ‘aplicados’.
Um excelente: Boa companhia faz quem em casa fica em paz, de ótima ressonância filosófica. Gosto muito desse.
Três dos mais ruins que circulam.
‘Matar a cobra e mostrar o pau‘ não tem lógica; pelo menos, é incompleto. Aceito é, porque é muito usado, mas no âmago da questão o que vale é se dizer como isso teria sentido. Matou a cobra, mas não provou a façanha, o troféu. Cadê a cobra? Mostrou o pau, mas não é o suficiente. Que isso vale? Completemo-lo em visão elucidativa: Matar a cobra e mostrar a cobra (não importando o instrumento usado para tirar-lhe a vida). Ficaria prático? Depende. Mas teria mais sentido.
O leão, o rei das florestas. Ao que se sabe na Geografia Universal, ‘floresta’ não é habitat de leão. Leão fica na savana africana. Não existe na Hileia Amazônica, brasileira ou não. Não existe leão na nossa querida e devastada Mata Atlântica. Nas florestas tropicais, ele não ‘mora’; nas florestas asiáticas, onde há as chuvas das monções, nunca foi visto. Por que a afirmação de que o ‘leão é o rei das florestas’? É que a frase foi usada por um célebre e ficou? Seu domínio público é amplo, e há quem a defenda como ‘ensinamento’ e ‘sabedoria’. Para mim, não é isso.
Com os olhos rasos d’água; poética, crucial na hora dos lamentos, mas também, semanticamente, sem sentido. Se chora, os olhos estão ‘cheios’ d’água, e não ‘rasos’. O raso é de pouca profundidade; em se tratando de olhos que contêm lágrimas, que lacrimejam, com muito choro, seriam plenos de água. O choro traz a semântica de muita ‘água’.
E mais.
A linguagem popular pode ser irônica, senão mordaz.
“Quer bem a cunhado” seria normal até o momento em que o usuário não usasse a maldade. No dizer de quem quer ironizar, mudando a escrita, “Quer bem acunhado”, toma outra face. A pronúncia é a mesma.
A palavra acunhado existe? Sim. O camponês usa a cunha para botar o cabo da enxada, da foice, do machado. Acunhar a ferramenta. “Então, compadre, ficou bem feito o serviço? O machado ficou bem acunhado”?
O sentido inicial seria gostar do ‘cunhado’, mas a mudança gera outra visão. Ou vice-versa. Basta que cada um pense no seu significado. Ou melhor nada dizer e deixar o ‘vento levar’, momento em que mais vale o não-dito que o explícito, por questão de decência, ética e algo mais.
Numa festa escolar, a diretora do estabelecimento disse que as crianças mereceriam vários ‘óscares‘, assim, com a pronúncia detalhada. Mas está certo? Sabemos que o termo Oscar, o maior prêmio do cinema internacional, não foi aportuguesado (não é usado o sinal gráfico entre nós). Não estamos falando do antropônimo usado no Brasil “Oscar”, palavra oxítona. Os americanos a usam como palavra técnica paroxítona, e o plural é apenas Oscars, como receita a etiqueta jornalística. Vale pensar em “Nobel”, e não “Nóbel”, como o luxo linguístico de alguns usa. Fica levantada a questão: a diretora fez história e aportuguesou o termo deles: óscar, singular; óscares, plural. Valeu, mestra!
Documentos jurídicos trazem as seguintes grafias: Renúncia ao mandato, renúncia a mandato, renúncia à mandato, renúncia de mandato, renúncia do mandato.
O assunto está no atual CPC, artigo 112. Advogados é que variam o que se escreve. Aceitáveis as escritas, a depender do contexto; sabem que a troca da preposição a por de, e suas visíveis adaptações, não altera a lógica da frase. O que não cabe é ‘renúncia à mandato’ por estar sendo usada crase antes de palavra masculina que não tem sentido especial. Desse modo, não se usa ‘passeio à cavalo’, ‘compra à prazo’, entre outras.
O artigo de hoje fica assim, meio enxabido. Estou há mais de uma semana ‘dodói’. Perdoe-me. Volte, porque o que virá pode ser melhor.