Pronomes oblíquos átonos e tônicos, como os acima, têm oferecido dificuldade de escrita.
A aprendizagem consiste na consulta a um bom compêndio didático e na leitura de bons textos, mas nem todos o fazem.
Primeiro comportamento a ser admitido: “Se não sei, vou pesquisar; se tenho dúvida de como usá-los, vou consultar a Gramática”.
Se e te são átonos; si e ti são tônicos, ou, respectivamente, monossílabos átonos e monossílabos tônicos. Semanticamente, têm, entre si (te e ti; se e si), conforme a pessoa verbal, o mesmo valor. Diferem quanto à grafia, por isso, precisa-se esclarecer o uso de cada um.
Pelos exemplos, podemos entendê-los e, depois, usá-los de forma segura.
Ele não se dá por satisfeito. Ele se consome. Emociona-se com qualquer coisa. Ela se veste bem.
Não se trata, agora, de fazer a análise sintática da função de cada um nas frases.
Tão-somente, dizer que são pronomes oblíquos, cuja escrita exige cuidados.
Nas frases citadas, nenhum está precedido de preposição. Eis a grande diferença.
Se há a presença de qualquer preposição (a, em, por, para, ante, perante etc.), desde que não haja verbo na sequência, a grafia muda de ‘se’ para ‘si’.
Ele não cabe em si de tão feliz. O homem simples não acredita em si mesmo. Quando veio a si, não sabia onde estava. Por si mesmo, embora um menino de 8 anos, já sabe tomar decisões importantes. Por causa do valor em si, não vale a pena ficar brigando.
Os exemplos, agora, estão precedidos de preposição. Poderiam ser outros: de per si, contra si, entre si, perante si, de si mesmo.
Por essa razão, a grafia é si. Nada mais que isso.
Frisando bem, é preciso reanalisar que não há verbo na sequência após o uso de si; se houver, volta a ser se: Começou a se emocionar com o problema. Emocionar está no comando frasal: ele sustém a ação do sujeito. Por isso, a Gramática, cuidando dos seus tratados e das suas regras, diz que o verbo é pronominal. Dar-se, preparar-se, emocionar-se, vestir-se.
O verbo pronominal conjuga-se em todas as pessoas: Eu me dou (por satisfeito, bem), tu te dás…, ele se dá, nós nos damos, vós vos dais, eles se dão. Eu me emociono, tu te emocionas, ele se emociona, nós nos emocionamos, vós vos emocionais, eles se emocionam.
Não precisamos conjugar todos, nem citá-los em outros tempos. A conjugação feita está no presente do indicativo (para ficar claro).
Aliás, nem todo ‘se’ seria pronome oblíquo. Em Vende-se casa velha temos pronome apassivador. Não seria possível conjugar vender como verbo pronominal. A não ser que vender-se tome sentido figurado, deixando de ser voz passiva sintética: Eu me vendo, tu te vendes, ele se vende, nós nos vendemos, vós vos vendeis, eles se vendem.
Lembremos, ainda, que Vende-se casa velha faz o plural Vendem-se casas velhas. Impróprio o uso Vende-se casas velhas, como Aluga-se casas, Vende-se apartamentos.
Na linguagem em desuso, já teria havido o caso de alguém falar ou escrever ‘Ele quer falar com si, João’. Esse modelo de redação, hoje, não seria aceito pela Gramática, apenas, pertenceria ao acervo linguístico popular de outrora.
A frase atual seria ‘Ele quer falar com você, João’, ou na pessoa tu, ‘Ele quer falar contigo, João’.
Na hipótese de ser usado ‘Ele quer falar consigo’, seria cabível se o sujeito ‘falasse com ele próprio, consigo mesmo’, falando de dentro para fora. Coitado, ‘fala consigo mesmo’.
Mesmo que estrambótico pudesse parecer, não se usaria ‘Ele quer falar com ti’, mas o equivalente a ‘Ele quer falar contigo’, mostrado antes.
Os pronomes se e si, te e ti se adéquam a cada caso e a cada pessoa.
Um pregador evangélico disse que usa, à vontade, ‘te’ e ‘ti’, tratando o companheiro de fé com intimidade. E que teria dúvidas quanto a uma grafia ou outra. “Jesus ti ama” ou “Jesus te ama?”, perguntou. Jesus te ama, a resposta. A não ser que usasse “Jesus ama a ti”, momento em que foi aconselhado a seguir a linguagem bíblica, bem escrita; que a diferença estaria no uso do pronome precedido ou não de preposição. “Ah! Entendi. Não tinha percebido essa diferença”.
Procure outros exemplos no seu cabedal linguístico e verá se já usou esses pronomes de forma incorreta.
O garoto não se afasta da turma. Está realizada por si mesma. Eu te amo, Eu amo a ti. Faço tudo por ti, meu amor. Gosto muito de ti.
Uma Gramática do meu acervo diz que, em certas frases, como em Ele se casa, estamos diante de um pronome fossilizado, que faz parte do contexto sem nenhuma função sintática, uma vez que a mesma frase pode ser sem o pronome, mantendo o mesmo sentido: Ele casa amanhã com Manuela. (Ele se casa amanhã com Manuela.)
A grande mestra Vanda Reuter, saudosa professora de Serra dos Aimorés, já citada em artigo neste blogue, dizia: “Ele ri de si mesmo. Ele ri-se de si mesmo”. O se, nesse contexto, é um pronome fossilizado.
A fim de que a fala longa não prejudique a aprendizagem de quem lê o comentário, considerando-o suficiente, fechemos o bloco com o verbo ‘suicidar-se’, registrado na maioria das Gramáticas como verbo pronominal; para mim, classificação indevida, embora não seja eu um gramático.
Por que esse repúdio? Por que aceitá-lo nessa classificação é endossar o pleonasmo vicioso. Sui, como em sui generis, já significa ‘si mesmo’; o radical ‘cida’ traz o significado de ‘matar’ (‘que mata’), como em raticida, inseticida, formicida, genocida etc. Já que ninguém ‘suicida’ o outro, basta que usemos Ele suicida. Ele se suicida é pior que Ele desce lá para baixo, como Ele sobe lá para cima.
Um grande mestre do Português, consultado sobre esse fato, disse que a frase Ele se suicida (Ele se suicidou, tão usada em reportagem) está correta porque já se tornou uma tradição da nossa linguagem, há anos vem sendo usada assim.
É para discordar. Por que essa tradição? Vamos, então, a outras tradições: bahiana, balas suissa, mussarela, Paraguaçú (não se acentua vocábulo oxítona terminado em -u: perú, pitú, Itamarajú: grafia ruim para os olhos modernos), exceto os que terminem em hiato: Anhangabaú, baú, Esaú, Grajaú, Ipiaú, Itaú, jaú, Maraú, Mundaú etc.
Poderíamos reviver algum arcaísmo ortográfico, Nictheroy, como dizem que já foi grafado?
Se um cidadão, na sua linguagem simples, registrasse ‘cidadões, pharmacia, villa’?
A fase da pseudo-ortografia é passada.
Professor, debatia, vez por outra, a semântica de suicidar, sem aconselhar o uso de suicidar-se; havia quem discordasse dizendo que familiares sempre usaram assim e ninguém, nunca, disse nada.
Apenas, um argumento, respeitado, mas não-endossado. Conjugação ideal: Ele suicida, eles suicidam. Não teria sentido Eu me suicido, nós nos suicidamos. Poderia haver Vou suicidar. Queres suicidar? Vamos suicidar?
A imprensa usa redação similar a esta: Homem tenta suicidar-se pulando de ponte.
Melhor seria: Homem tenta suicídio pulando de ponte. Quer suicidar pulando de ponte.
Basta para hoje. Discorde, aplauda, comente, divulgue…
Muito bem!