No dia a dia, são muitos os enganos gramaticais cometidos por autores de textos cultos.
Talvez, amenizados sob o olhar do bordão ‘Errar é humano’; por outro lado, em virtude da constância e da quantidade deles, pode-se admitir que se devem à contumácia de redatores fazerem vistas grossas às exigências da linguagem culta.
Seria uma justificativa?
Por que um texto culto usa ‘recém aprovado’ se são, largamente, divulgadas as grafias recém-nascido, recém-casado, recém-descoberto? A desculpa vem: “Mas se trata, apenas, de um hífen”. Acontece, porém, que se juntam isso e aquilo, e o somatório de erros assusta.
Outra desculpa seria a filosofia ilógica de que “Não vão descobrir” (porque não percebem, porque não conhecem a Gramática) ou “Todo mundo fala (ou escreve) errado”.
Um viés pouco convincente.
Autossalvamento, grafia não respeitada. Outros ‘esquecimentos’: anti-governo, super paredão, mega promoção, super queima, hiper amigo. Corrijamos: antigoverno, superparedão (supermercado), megapromoção (e deveria ser megassena, espécie de loteria), superqueima, hiperamigo.
Em outros textos, encontram-se grafias como ‘super bacana, super legal’ etc. Aliás, de bom alvitre, lembrar que a Gramática diz isto: prefixo isolado no contexto, não fazendo parte de derivado prefixal, mas não é esse caso, deve ser acentuado graficamente quando se trata de palavra paroxítona: a míni, o súper, o híper, momento em que se torna derivado impróprio (no caso, substantivo).
Vem à tona, em certos cantões de bate-papo, que a Gramática é ‘um porre’ com tanta exigência, que essas normas nem deveriam existir. A regra exigida pelo padrão culto mantém o equilíbrio entre o nível padronizado e o popular. Seria ‘o fiel da balança’ para equilibrar a boa linguagem escrita e falada, sob pena de, não o sendo, termos um idioma bagunçado, atônito, uma torre-de-babel hilária, em que nenhum usuário é entendido, e ninguém saberia nadica de nada, tudo sob o manto da cultura de um comparada à de outrem.
Princípios desse naipe seriam aceitos? Cada um com seu conceito ou visão, mas o idioma sem normas é um caos linguístico.
Mudemos cansaço para cançasso, cansasso, cançaço! E agora? Privilégio é feio, e ‘previlégio’, bonito e livre?
‘Anti-câncer’. Se temos ‘anticárie’, grafia difundida e conhecida, por que essa nova?
Se o prefixo, ou radical, estiver seguido de palavra iniciada por vogal, H, R ou S (dizia a regra anterior), será obrigatório o uso do hífen: anti-ácido, anti-helmíntico, anti-rábico, anti-semita. A Reforma Ortográfica deu nova faceta ao caso: em se tratando de prefixo, ou radical, terminado por vogal, se a mesma vogal não se repetir no início da palavra a seguir, o hífen é desnecessário: antianêmico, antiaéreo, antiácido, antialcoólico; por isso, hoje, micro-ondas, anti-inflamatório.
Se houver H, o hífen permanece: anti-humano, anti-herói, anti-hispânico.
Havendo R ou S, o hífen sai, mas essas consoantes são dobradas: antissolar, antissemita, minissérie, antirrábico, semirreta. No caso de vocábulo começado por S, como ‘sônico’, precedido de super, nunca houve hífen: supersônico; por isso, supersábado, supersonoro, inclusive, o prefixo sub: subserviente, subreino, subsequente. Hoje e ontem: subdelegado, subjugado.
A grafia ‘anti-câncer’ não atende à Reforma antiga nem à atual. Anticâncer, antiderrapante, antitérmico. Ontem, anti-séptico; hoje, antisséptico.
Exemplo de colocação pronominal: “Teria a matado em casa”. A norma culta diz que não se pode começar a frase com o pronome oblíquo átono: “A teria matado em casa”. Poderia ser “Tê-la-ia matado em casa”, correta, mas impopular. Melhor: Ele a teria matado em casa.
O popular sempre usou “Me leva com você”. Para a Gramática, “Leve-me com você”, frase de imposição, uma exigência. A linguagem descompromissada prefere ‘Me dá um copo d’água’, ‘Me dá um cafezinho’. “Dê-me (dá-me) um copo d’água”, e “Dá-me um cafezinho” (tratamento tu) e “Dê-me um cafezinho” (tratamento você) demonstram imposição ou obrigação, que não coaduna com a cortesia, a espontaneidade, a gentileza.
Na linguagem ‘rasgada’: Me leva aí; Me fala uma coisa; Me dá um pedaço desse bolo. Por essa razão, os marqueteiros, que querem insinuar a linguagem despojada, livre, preferem “Se liga, Brasil”. “Ligue-se, Brasil”, ou “Liga-te, Brasil”, preconizam a ausência de liberdade; pelo menos, o conceito de que não representam a bola fala midiática.
“Faça-me o favor”, com ênclise, caracteriza a linguagem ‘imperial’, impositiva. “Me faça o favor” é leve, própria de quem faz pedido e não viria dar ordem.
A próclise (colocado o pronome antes do verbo), razão de termo atrativo, talvez, não seja seguida de muitos. “O meliante que evadiu-se do local do crime foi preso minutos depois”, diz o jornal. Um falante: “Meu primo, que tornou-se advogado, mora em Goiânia”. Mas ‘Não o jogue fora, Nunca o trate desse jeito, Espero que o consiga o mais breve possível’.
Nesse momento, temos dois ‘quês’, pronome relativo e conjunção integrante, mas ambos devem acatar a próclise. Entretanto, alguns textos não a acatam: “Desejo que consiga-o assim que chegar”; “O meliante, que evadiu-se do local, foi encontrado morto”.
A conjunção integrante ‘que’ (Desejo que o consiga assim que chegar) seria mais leve que o relativo ‘que’ (O meliante que se evadiu do local do crime…), mais forte, mas tanto um caso como o outro exigem a próclise.
E por que a ênclise, se indevida, no lugar da próclise não caberia? Porque implica sonoridade estranha, um mau som. A próclise, ao contrário, chama o bom som, a eufonia, tornando a linguagem audível, soante e agradável. “Meu primo, que se tornou advogado, mora em Goiânia” soa melhor que “Meu primo, que tornou-se advogado, mora em Goiânia”.
Toda sociedade tem seus diferentes níveis de linguagem, mas, em se tratando de norma culta, a Gramática teria suas razões. Entretanto, como o popular ‘deseja’ ser culto, e o culto, popular, os falares se misturam, tão díspares, cada um com seu motivo relevante.
Semi-aberto; não. Semiaberto; sim.
‘A jovem deu à luz a uma criança’. Não pode haver dois objetos indiretos (à luz, a uma criança), mas um indireto e outro direto: ‘A jovem deu à luz uma criança’.
Auto-suicídio, diz o texto. Não é expressão comum nem tem necessidade de ser. Autodestruição, sim, como autodomínio, autoestima. Basta suicídio, o ato de tirar a própria vida. Se for aceita ênfase forte, a grafia seria autossuicídio.
Introdução em texto jornalístico: “Diminui as chances”. Não se trata de alguém ‘diminuí-las’, ou restringi-las; a semântica pressupõe que as chances ‘diminuem’ a si mesmas. “Com o passar do tempo, diminuem as chances de encontrar alguém com vida”.
Se usamos ‘coco-da-baía’, ‘castanha-do-pará’, devemos usar ‘doença-de-chagas’, em que o nome próprio Chagas (de Carlos Chagas) se tornou substantivo comum, como em ‘Ele é o cristo da sala’, e de forma inversa, nome comum se torna próprio: A vaca mais bonita da fazenda é Malhada.
Quatro grafias para a mesma palavra, da família de ‘fartar-se’, em Português, ou de ‘infarctu’, do Latim. Infarte e enfarte; infarto e enfarto. A possibilidade de erro é mínima.
“Tá cum a mulesta, meu rei!?”, disse o caboclo.