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Relativo à permanência de pessoa, qual o melhor termo a ser usado, estada ou estadia?

Estada é derivado sufixal de estar, e estadia, de estada. São visíveis os respectivos sufixos: -ada e -ia. Na relação estada-estadia, alerta a Gramática, como se nota, há um derivado do derivado; mesmo caso de realizar, derivado de real, e realização, de realizar.

São dois substantivos parônimos: grafia e pronúncia parecidas, e significado próprio. Estada é a permanência (passageira?) de um indivíduo em estabelecimento de hospedagem, e estadia, a demora de navio no porto para carga ou descarga.

Um bom dicionário diz que estada, ato ou efeito de estar, é a permanência de pessoa em determinado lugar. Entretanto, relaciona os termos como sinônimos, o que confundiria o consulente: associa estadia à demora e estada a uma permanência transitória.

A transitoriedade seria, apenas, para pessoas, por isso, estada, e a demora, para navios e outros, por isso, estadia?

Estadia, em linguagem técnica, é chamada estalia, do Italiano stallia, usado em Náutica; nesse caso, termo restrito a alguns profissionais.

Após toda essa semântica, o compêndio analisa e conclui que estadia é o mesmo que estada.

Para que serviu, então, a definição criteriosa para cada termo? Se forem sinônimos, não seriam parônimos. Se são parônimos, não podem ser sinônimos.

Essa celeuma, apesar de tudo, suscita o usuário a aceitar que um vocábulo tem o mesmo valor semântico do outro, o que causaria mau uso ou dúvida. Para confirmação desse fato, basta que vejamos muitos enunciados com esses termos circulando na mídia.

No cômputo dos questionamentos, repete o dicionário que ‘estadia’ se refere à permanência de navios, barcos, iates etc. em ancoradouros, como os aviões em seus hangares, e que ‘estada’ é referente à permanência de pessoas em hotéis, pousadas e estabelecimentos congêneres.

Depois do frigir dos ovos, todos juntos, os bons, os galados e os gouros, o que se vê é que estadia é usado tanto para pessoas como para esses ‘meios de transporte’, e pouco se usa estada para pessoas. E mais: estadia predomina com relação a pessoas, e estada nunca seria usado para navios e similares.

Nesse caso, não podem ser sinônimos, normais e naturais, como explicitamente são cogitados nos dicionários. Essa nuance deixa uma fresta para o uso indevido.

E aglomerando todos os consensos e contrassensos na mesma omelete, respeitada a regionalidade de nossos falares, nenhum termo incorreria em erro. Nesse caso, para que, por que discutir a regra? Do jeito que vier, estará de bom tamanho!

Este artigo estaria aqui de intruso, de opositor ao que se encontra na literatura linguística, como poderia concordar o visitante. Mas nem sempre se encontra num viés claro a aplicabilidade de certos vocábulos. ‘Tensão’, termo polissêmico, com vasto uso, comparado a ‘tenção’, poderia embasar o argumento para estada e estadia.

O que é debatido neste comentário não visa ao princípio da generalização. Quando se estuda a linguagem, é preciso ficar clara a origem de cada palavra, sua grafia, sua sonoridade, sua semântica etc. Se tudo estaria certo, por que não aceitar o uso de ‘previlégio‘ na linguagem popular? Por que não aceitar ‘Concerta-se bicicletas’ em letreiros pelo Brasil afora? Por que não aceitar ‘O filho cujo ‘o‘ pai morreu está doente’?

E se encontram outros paralelos, até aceitos, como se criou a imagem da dupla grafia de palavras conhecidas: xérox e xerox, autópsia e autopsia. Por isso, que se confunde ‘mal’ e ‘mau’, como o ‘mal jeito’ de um artigo jornalístico, comparando-se com o ‘mal humor’ no contexto popular. Confunde-se contexto com contesto? Seria boa ou maliciosa a inversão: mau jeito, o certo, ao lado de ‘mal humor’, o errado? E agora? Se assim for, não se pode condenar ‘estrupo‘, no convívio do cotidiano popular. ‘Estupro’, o gramatical, é que ficaria estranho. A desculpa sanaria os lapsos? Ao final, parecem que visam mais ao iletrado que ao culto.

Essa seria uma análise justa e cabível?

Melhor mesmo é dizer: estada é o ato de estar, a permanência de pessoas; estadia, como variante gráfica, com significado específico, é referente a navios e similares. Mas se prefere ‘estadia’ a ‘estada’ por parecer mais chique? Por isso, estadia ganhou a preferência de usuários?

A dúvida estaria nesse princípio, como também a escolha de um termo no lugar do outro?

‘Minha estada nesta cidade foi proveitosa’, frase clara e decisiva. ‘A estadia do transatlântico, que durou 40 dias, no porto de Santos, custou caro à empresa administradora’.

‘Durante sua estada em Maceió, cidade linda, Joachim, como gosta de ser chamado, conheceu Dolores, com quem se casou há pouco’.

‘A estadia de um navio de carga no porto de Amsterdã, o maior do mundo, certamente, ficaria mais cara que no de Estocolmo, de menor porte’.

Quantos a definições, pensa-se de forma mais livre: temporada, permanência, tempo, demora, presença, para um termo ou outro, não importa. O que importa é a construção frasal, e que sentido estada e estadia adquirem no contexto.

A temporada que o turista passou na Europa foi uma estada eficaz.

A demora do navio no ancoradouro resultou numa estadia dispendiosa.

A ‘estadia’ do menino no sítio soa como moeda falsa ao repicar no piso de tijolo cru, como não é sonante dizer que a Torre Eiffel, monumento dos franceses, com destaque em todo o mundo, teria a mesma grandeza das Pirâmides no Egito dos faraós escravagistas.

Para terminar, busquemos deferido e diferido. Construamos frases: O ilustre Juiz da Comarca tem ‘diferido’ todos os requerimentos; O vereador mais notório deste Município tem-se ‘deferido’ de todos os seus pares. A semântica pode ser ampliada em deferimento e diferimento. Mas corrijamos para não ficar dúvida: o juiz tem deferido os pedidos; o vereador tem-se diferido de seus pares.

Passar o tempo decifrando palavras cruzadas é um bom exercício mental, mas podemos encontrar lapsos.

Um desses diz que em canto nt forma encontro consonantal. Não é isso. Tão-somente, temos a nasalização de AN, formando dígrafo vocálico, como en, in, on, un em tento, tinto, tonto, junto, e am, em, im, om e um em campo, tempo, limpo. tombo, tumba. Essas palavras não contêm encontros consonantais.

Em cravo, este, prato, platô, istmo, ritmo, sim, eles estão presentes. Na mesma sílaba: cr, pr, pl, st; em sílabas diferentes: st, stm e tm. Em pranto, pr é encontro consonantal; nt, não. An, no mesmo padrão de canto, é dígrafo vocálico.

Pagode é termo múltiplo, talvez, nem sempre visto assim. É templo de algumas religiões asiáticas, como na chinesa. É tipo de batucada, como o samba, no Brasil. É pândega, brincadeira, divertimento. No popular, insinua desordem, bagunça. Ele fez o maior ‘pagode’ quando disseram que foi reprovado no concurso.

Ensinaram-nos que a abreviatura de apartamento é apto. (com o ponto), e que apto (sem o ponto) é adjetivo (capaz, hábil). A mídia, entretanto, dá preferência à abreviatura ‘apê’, ou ‘ap’, tornada chique em música ou na linguagem falada culta. ‘Ele mora no apê do prédio mais chique do bairro’ é mais charmoso que ‘Ele mora no apto. mais popular desta rua’. Aliás, fica claro que ‘apto.’ é da linguagem escrita, e ‘apê’, da falada. Você entende essa miscelânea?

O artigo ficou meio esmirrado, mas vai assim mesmo para demonstrar que temos ‘o bom’ e ‘o ruim’.

Volte assim que puder.

 

João Carlos de Oliveira

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