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A mídia estaria cometendo ‘lapsos linguísticos’ na redação de artigos? Ou teria a liberdade de escolha de uma linguagem que fuja ao padrão gramatical?

Salvo o momento em que o regionalismo é focado, o nível da linguagem na mídia seria culto, estritamente gramatical. Esse padrão, mesmo que haja a necessária extrapolação sob asteriscos ou aspas, deve estar claro.

Mas nem sempre acontece. E o que o ocasiona? Lapso, engano, distração, gafe? Não seria a falta de conhecimento gramatical! O viés de que o redator esqueceu a regra ou houve um ‘branco’, ou que a Gramática não precisa ser seguida ipsis litteris, se justificaria? Tantas as estranhezas, que admitimos que uma nova linha redacional fica liberada para autores de textos pujantes.

Cabível a liberdade de estilo, de vocabulário, com períodos curtos ou longos, no corpo de uma redação qualificadora para uns e atípica para outros, mas o norte é o veio gramatical.

Certo é que erros vêm acontecendo.

Singapura e Cingapura circulam livres. Cingapura seria ‘antiga’; Singapura moderna, com base em Singapore. As duas formas não deveriam coexistir. Dizem os doutos que o Brasil rejeitou a grafia preferida em Portugal, Singapura, e aqui se prefere Cingapura.

Ficaria a visão de que o idioma é desorganizado e adota regras de pouca praticidade?

A grafia Nova ‘York’ é comum em textos de nível culto, presente até em obras enciclopédicas. Isso não incomoda? Uma vez registrado ‘nova-iorquino’, de Nova Iorque, voltado a nossa fonologia, por que ‘York’? New York é destaque em música. Se a maioria dos nomes de cidades de outras plagas já foi aportuguesada (Amsterdã, Berlim, Bruxelas, Camberra, Jerusalém, Londres, Madri, Munique, Moscou), o uso de grafia mista, lusófono-saxônica, poderia levar-nos a aceitar que nossa São Paulo, lá fora, fosse ‘Saint’ Paulo ou São ‘Paul‘?

Até vemos Otava para Otawa, e como se grafam os nomes de muitas nações: Afeganistão, Cuaite (!), Emirados Árabes Unidos, Eslovênia, Equador. Por que aportuguesar uma parte do nome? Há lógica? A tradição jornalística nos convence?

A imprensa tem o dever cabal de adotar critério que auxilie a divulgação do idioma, sem fomentar dúvidas ou alegar que a Gramática é incoerente. Um hebdomadário tem o livre arbítrio de adotar ‘redação própria’, mesmo que divirja do patamar comum, mas sem ferir os registros lexicais. Até o neófito, ou ‘foca’, deve tramitar seu texto ‘nos conformes’.

O espaço seria curto para todas as análises, razão de este comentário se dividir em dois momentos: o de hoje e o de depois.

As dúvidas mais chamativas se relacionam ao uso do hífen, que, de fato, tem perturbado um pouco, mas há o manual da Reforma Ortográfica, como há o Manual de Redação de grandes jornais. Lapsos há, mas não seriam tantos.

Viável ‘fechar os olhos e fazer ouvidos moucos’ para a linguagem de quem não frequentou os bancos escolares?

Pitaia é um cacto, de origem exótica, hoje cultivado em quase todo o mundo. Por que preterir a grafia aportuguesada em favor de pitaya? O y é charmoso?

A aparência com termos consagrados deveria ser atrativa: arraia, baia, cambraia, catraia, maxissaia, samambaia, sapucaia, tocaia. momento em que não importa discutir a etimologia.

O uso do hífen tem registrado estranhas grafias, que não podem continuar à vontade, uma vez que o debate costuma ser temático: Política, Direito, Medicina etc. Por que auto-salvação? Autoestima e autodestruição não suscitam dúvida. A atenção com o H, R ou S iniciais de vocábulos não pode ser de conhecimento apenas dos ‘sábios’. Se temos minissaia, minissérie, não podemos grafar anti-ronco. Antirrábico, correto, tem aparecido.

‘A tribo mata leão’ para se defender, mas a expressão ‘mata-leão’, espécie de golpe de arte marcial, é substantivo composto, como mata-borrão, bate-papo, em que o traço de união se faz obrigatório.

No caso de compostos em que o segundo elemento qualifica o primeiro, como navio-escola, a ausência do hífen poderia alterar o aspecto semântico do vocábulo e do contexto. Por isso, efeito-estufa, efeito-sanfona, bolsa-família.

São muitos os exemplos em que se usa a versatilidade do prefixo super, que não pode vir desligado do termo a que se refere. Os derivados prefixais devem vir justapostos com ou sem esse traço ao termo principal, nunca soltos. ‘Super válidas‘ não procede.

Mas superválidas, superinteressante, supertreinado, supervalente, seguindo o costumeiro ‘supermercado’. Por que a grafia comercial ‘super promoção’? Prefixo e substantivo formam um conjunto.

Autossalvação, autossustentação. Até a tradicional ‘marcha à-ré’ tem sido alterada.

Vem a pergunta: é livre descumprir o trato gramatical, dando-se enfoque peculiar a uma nova visão ortográfica? Maus tratos e bem estar perduram como açoite em época de pelourinho. Maus-tratos, bem-estar e mal-estar é que parecem descumprir a norma. ‘Transsexuais‘ amedronta, mas ‘transudo’ é grandioso!

Nem ‘uma grama’ a mais!

A dúvida entre a grama (relva) e o grama (unidade de massa) não seria próprio do aprendiz?

Na escrita culta, deve estar claro o gênero gramatical: o anel de ‘dois gramas’, fato explicitado na Gramática Normativa, em que substantivos mudam de sentido conforme o gênero: a cabeça, o cabeça; o guia, a guia; a lotação, o lotação.

O grama ainda gera dúvida? Os olhares se inflamam quando o popular usa ‘o foto que usei na identidade foi ‘tirado’ no lambe-lambe’, e não ligamos ao lermos em jornal ‘a jovem capitão da PM’. Por quê? Sempre ‘errar é humano’?

Na política que pouco se entende envolvendo a vizinha Venezuela, surge e ressurge a redação incomodativa ‘Ele se auto proclama Presidente’, redundância de fazer os ‘neurônios paquidérmicos’ pensar.

‘Se’ e ‘auto’ têm o mesmo valor semântico. Por que aparecem no mesmo contexto como se fossem diferentes? Que ênfase querem dar ao enunciado? Seria suficiente ‘Ele se proclama Presidente’, diferente de ‘O constituinte proclama a Nova República’.

Proclamar, proclamar-se e ‘se auto proclamar’ teriam a mesma denotação?

Os adversários diriam que se trata de linguagem consagrada, tal a horripilante ‘Ele se suicidou’ inserida em todos os nossos falares. Mesmo sob esse prisma, não se justifica.

Seria ‘pobre’ a linguagem ‘Ele se acha Presidente da Venezuela’, menos enfática que ‘Ele se considera Presidente da Venezuela’? E ‘Ele se proclama Presidente da Venezuela’ não encerra a agressividade linguística de ‘Ele se auto proclama Presidente da Venezuela’.

‘Ele se auto proclama’ seria ultramoderna e convincente? Não é licença poética, nem regionalismo, nem metáfora. Seu posto é a cumbuca do ostracismo. Sugestiva: Ele próprio se proclama Presidente da Venezuela.

Aceitáveis as vertentes ‘se denomina(m), ‘se proclama(m)’, mas não circulam.

Seria inconteste o infinitivo ‘autodenominar-se’, registrado em dicionário, o mesmo que ‘se auto denominar’? Por isso, ‘se auto proclamar’ é usual? ‘Autoproclamar-se’ seria novo verbete?

Se abominamos ‘descer lá pra baixo’, e outros seculares pleonasmos, façamos o mesmo coro com ‘ele se auto proclama’. Daqui a pouco, vai valer autodizer-se, autochamar-se, autossuicidar-se, autoconsiderar-se, haja vista até verbo criado a partir do nome de famoso.

‘Uma farda grande’ é o mesmo que ‘um fardão’? Uma casa grande é um casarão?

É altissonante o uso de ‘aonde’ em textos jornalísticos no lugar de ‘onde’, ‘em que’. “Estávamos na reunião ‘aonde’ aconteceu um fato curioso: xingaram o presidente da mesa e houve muito bate-boca”. “A penitenciária ‘aonde’ aconteceu o motim.”

Sabe-se do fato de o verbo ‘ir’ indicar o lugar a que se vai, como levar, conduzir. Aonde você quer ir? Aonde quer levar o rapaz? Para onde a Polícia conduz o detido? (para que local)

Tem-se encontrado no linguajar popular falado ‘Onde você vai agora?’ e ‘Aonde você mora?’. Trata-se de linguagem que não segue o escopo do trato gramatical; em se tratando do nível culto escrito, como se decanta em redações para certames e concursos, o dever do redator ou do falante é outro.

Aonde vamos agora? Aonde quer nos levar? A que lugar (para onde) o presidiário é conduzido, senhor?

Onde estamos? Em que bairro nos encontramos? É seguro o lugar onde estão agora? Em que loja ele trabalha?

Incomoda ‘Ele não corre risco de vida’, que se tem tornado trivial. ‘Ele (não) corre risco de morte’, ou ‘de morrer’, surge nessa ou naquela esquina. Há quem não se dê conta de que ‘Ele (não) coloca a vida em risco’ está correta.

Louvável, então, no seio do barzinho, ‘uma hemorragia de sangue’, que não assusta nem contém arroubos redacionais ‘cultos’.

Grande professor de Língua Portuguesa, que está na mídia, comentou certa feita que um médico de time carioca foi consultado: “A nível de joelho, como está o jogador?”

‘A nível nacional’, a linguagem de certos textos tem os olhos inchados!

O uso da vírgula depois do sujeito é gritante: ‘O delegado da cidade, pediu a prisão preventiva do autor do feminicídio’.

Havendo no mesmo enunciado sujeitos diferentes, a vírgula é obrigatória: Veículos colidem, e uma pessoa morre. Fãs se revoltam, e a polícia é chamada.

A ausência dessa vírgula constitui o mesmo erro da existente onde não seria necessária. Manchetes há sem ela.

Se o sujeito é o mesmo e os  verbos diferentes, a vírgula inexiste: Temporal mata 7 e alaga ruas. Time perde e fica perto do rebaixamento.

Fica no prelo o ‘de depois’.

 

João Carlos de Oliveira

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