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“Viemos aqui falar com o senhor.” ‘Viemos’ ou ‘vimos’? Em que momento, deve ser usada uma forma verbal e não a outra?

Se o usuário diz ‘viemos’ referindo-se ao momento em que chega, em frente do cidadão a quem se dirige, essa não é a forma correta. Mas “Vimos aqui falar com o senhor”, por ser ‘agora’.

Supostamente, pensaria que ‘vimos’, de vir, seria a forma homógrafa ‘vimos’, de ver. Vimos você na rua ontem. Os homógrafos verbais confundem a muitos, com receio de cometer enganos.

Para se perceber que o enunciado se refere ao ‘tempo’ em que se fala, basta que substituamos vir por estar. Estamos aqui para falar com o senhor (neste instante). Se a referência fosse à data anterior, seria estivemos, combinando com Viemos aqui falar com o senhor (ontem).

Se necessário, busque outro verbo, como chegar, por ser regular e de fácil uso.

Chegamos aqui para falar com o senhor (neste instante).

No passado, surgiria outra dúvida?

Chegamos aqui, ontem, para falar com o senhor e não o encontramos.

Chegar, na primeira pessoa do plural, como muitos verbos regulares, tem a mesma flexão no presente e no passado perfeito do indicativo, o que poderia confundir. O contexto é que diferencia, com amparo da semântica.

Chegamos agora. Chegamos ontem. Formas iguais, mas em tempos diferentes pela presença dos advérbios.

Há a história de um divórcio. Na época, deveria haver primeiro o desquite, para consumar a separação de direito. (Separação de fato se difere da separação de direito.)

Quando o juiz questionou o marido sobre fatos e a vida conjugal de ambos, ele desferiu esta pérola: “Dotô, é que nós nos ‘amemo‘ muito, mas hoje nós não ‘se ama‘ mais.”

Hoje, nós nos amamos; ontem, nós nos amamos, respectivamente, presente e passado. As grafias são iguais, aguardando o contexto. Presente: eu amo, nós amamos. Passado: eu amei, nós amamos. Compare com nós nos amávamos.

O divorciando, com seu linguajar aprendido na tradição de pai para filho, ‘lecionou’ que, para narrar o passado, o verbo amar teria pronúncia diferente da usada para indicar o presente, que os dois tempos não poderiam ter o mesmo ‘tom’. Para ele, amamos se refere ao agora, e amemos, ao ontem. Por isso, ‘nos amemo‘, ontem, para diferenciar de nós não ‘se ama’ mais, hoje.

Um engano inusitado, mas teria ocorrido. (Que) nós nos amemos existe, mas no presente do subjuntivo.

Nós nos amamos, presente, tem a mesma forma do passado, Nós nos amamos. Modo indicativo.

Talvez, pouco conhecido, mas foi permitido o uso de acento diacrítico para diferenciar um tempo de outro em formas homônimas: amamos, presente, e amámos, passado (acento opcional), mas o nosso Português não adotou na prática essa alternativa. O Português de Portugal é que ainda estaria usando essa diferenciação, salvo melhor juízo. O mesmo caso de chegamos, plural de chego, e chegámos, plural de cheguei.

Depois desse ir e vir, viemos e vimos são corretos, ficando a depender do momento do enunciado. Alguns é que não notam esse aspecto e misturam alhos com bugalhos.

‘Viemos’, primeira pessoa do plural do verbo vir no pretérito perfeito do indicativo: Viemos aqui. Vimos aqui, presente do indicativo.

Chamado verbo anômalo, tantas são as vezes em que altera seu radical, como o verbo ser, vir está em todas as Gramáticas, mas continua maltratado. É uma pena. Pela sua relevância na nossa fala, pelas vezes em que é escrito e falado, não deveria mais viver esse percalço.

E questionam: vim ou vir em locução verbal?

Assim como se usa Pediu para você comparecer, falou para você ir, disse que é para você fazer, e outras, não se pode usar Pediu para você vim mais cedo, como se costuma ouvir no dia a dia.

Os tímpanos de quem conhece a conjugação de vir, mesmo irregular, doem; o incauto ou desconhecedor da norma é que não percebe a gafe nem estaria preocupado com essa estranha SONORIDADE: vou vim.

Vale a desculpa “Todo mundo usa assim?” Deixemos o iletrado em paz, e tentemos ajudar, se possível, a quem se engana.

Em locuções verbais conhecidas, deve chegar, deve aparecer, deve comprar, em que o primeiro verbo é auxiliar, e flexiona, e o segundo, principal, e não flexiona, esse processo fica claro, notando-se que chegar, aparecer e comprar estão no infinitivo, razão por que servem de modelo para deve vir, posso vir (inadmissível, ‘posso vim‘).

Parece um uso impregnado na linguagem cotidiana, sem se perceber o lapso gritante. Por quê? Ele deve vim mais cedo supera, muito, o número de vezes de Ele deve vir mais cedo.

Joguemos no lixo ‘esses’ pode vim, vou vim, não posso vim só.

Vim é forma usual da primeira pessoa do singular no pretérito perfeito do indicativo, tudo explicado na Gramática ao conjugar verbos irregulares. Eu vim, tu vieste, ele veio, nós viemos, vós viestes, eles vieram. E mais: futuro do subjuntivo: se eu vier, se ele vier.

Assustadora a pronúncia ‘vinheram’, cuja grafia tem sido ‘aceita’.

Por que nh?

Poderíamos pensar que ‘venho’, primeira pessoa do singular, no presente do indicativo, de vir, Eu venho, tu vens, ele vem, nós vimos, vós vindes, eles vêm, que forma o presente do subjuntivo (Que eu venha, tu venhas, ele venha, nós venhamos, vós venhais, eles venham), possa ter influenciado essa grafia com o dígrafo nh, como o pretérito imperfeito do indicativo: eu vinha, tu vinhas, ele vinha, nós vínhamos, vós vínheis, eles vinham.

As três formas nominais também não o têm: vir, vindo, vindo (seja bem-vindo, particípio; está vindo, gerúndio).  A pronúncia ‘vinheram’ é um som fanho, que poderia servir de alerta para o bom usuário, atento ao que fala e escreve.

Qual a visão do leitor?

Algumas formas dos imperativos afirmativo e negativo, respectivamente, vem, venha, venhamos, vinde, venham; não venhas, não venha, não venhamos, não venhais, não venham, talvez, também suscitem o uso do nh. Poderia ser isso?

Ainda pior é que quem usa ‘Posso vim amanhã’, poderia usar ‘Se eu vinher‘. Estranharia Eu vou vir, e poderia bater o pé que não está correto. “O feio bonito nos parece se convivemos com ele”, diria o caboclo.

Lembretes:

Ele ‘interviu’ na briga. Não. Ele interveio.

O governo ‘intermedia’. Não. O governo intermedeia.

Ele ‘media’. Não. Ele medeia.

Até o nosso cancioneiro popular tem suas curiosidades, mas se trata, como se deve supor, de licença poética. Os versos são bonitos e charmosos: “Não vadeia, Clementina/ Fui feita pra vadiar”. O verbo ‘vadiar’ seguiria o modelo de copiar, mas para a semântica dessas linhas musicais não ficaria soante ‘Não vadie, Clementina’. ‘Vadeia’ se encaixa com a semântica ‘Não vacile, não titubeie’, assimilando um sentido figurado de vadear (nadar a vau). Eu vadeio, tu vadeias. Não vadeie, não vadeia.

O autor do samba descumpriu, para efeito de boa sonoridade, a regra e fez o que o ouvido acata: musicalidade.

Se vadiar segue copiar, ‘Não vadie, Clementina’ seria horrível; consciente, quem criou a letra repudiou a grafia e buscou a sonoridade certa. Essa liberdade tem acontecido em outros textos. Ficou marcante: ‘Não vadeia, Clementina.’

Um texto diz “Jacobina está há 335 km de Salvador”. Para distância, deve ser usada a preposição ‘a’: Estamos a cem metros de nossa casa. Jacobina fica a 335 km de Salvador, assim como se diz ‘Fica a 10 km daqui”. ‘Há’, verbo, é indicativo de tempo decorrido: Há vinte anos, mora em Jacobina. Compare: Daqui a uma semana, vou viajar. Há uma semana, estou viajando (tempo).

Muito boa a grafia ‘chicungunha’, doença causada pelo mosquito, enquanto outros preferem a forma sofisticada, própria do falar e escrever de alguns.

 

João Carlos de Oliveira

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