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Uma só grafia e duas variantes fônicas: ‘suór’ e ‘suôr’. São aceitáveis ‘arredór’ e ‘arredôr’?

Se temos o hábito da má pronúncia (adevogado, estrupo etc.), o que dizer de ‘redór’ e ‘redôr’? (Os acentos agudo e circunflexo são mera ilustração de possível pronúncia, que o visitante deve entender.) O uso do acento gráfico é forma xucra de se mostrar o timbre aberto ou fechado?

Certamente, a Gramática aceita o timbre fechado de uma palavra como aberto, mas condena a silabada. ‘Rúim’, ampla pronúncia popular, mas ‘gratuíto’ dói, como seria estranho um letrado dizer ‘relógio oméga’; outro ostenta ‘sútil’ no lugar de sutil; avarento, ou pão-duro, é dito ‘ávaro’; avaro, forma correta, parece outra palavra. O ‘fluído’ do isqueiro, pronunciado por alguém desavisado, não espanta. Estranho o causídico dizer que o réu foi ‘arguído’, se o dicionário registra, apenas, ‘arguido’ (antes, com trema; vocábulo trissilábico, e não tetrassilábico). Interessante um gentio dizer que adora bolo de ‘fuba’, feito do melhor milho de sua roça. O fubá está para o milho assim como o polvilho, ou fécula, para a mandioca.

Não são erros, mas, diz a ‘defesa’, a forma como se trata um regionalismo, vertente que deve ser respeitada.

Ainda bem! Nem tudo é erro. Nem tudo é terror. Nem tudo é ofensa. Nem tudo é mau hábito que assola o uso da sofrida Flor do Lácio.

Certo é que a silabada nos rodeia, e parte de gente grande, que se sentou nos bancos universitários, não enxerga diferenças. Nada mais.

Por isso, é perdoável “Ele acabou de falar ‘com nós'”. Por isso, “Nóis qui num vai viajar, fica em casa”. “Agurinha mermo, u hômi passô aqui”.

Eis os melindres de nossos fatos linguísticos.

A introdução insinua que tais são as variantes fônicas, que não se pode determinar essa ou aquela pronúncia como errada ou correta. São típicas de uma região. Se notória pesquisa já suscitou a pronúncia do maranhense como a mais ‘correta’ em todo o País; se se diz que o carioquês é magistral, com pronúncia leve e ligeiramente chiante, nada temos a condenar se sabido ou iletrado fala ‘obéso’ ou ‘obêso’.

‘Num sei; deixa isso para os doutos’ (acaba-se de pensar).

Há uma relação de palavras que atenderiam a norma culta. O cidadão, no entanto, nem está aí para essa ou aquela exigência. Vale o momento, vale a tradição, vale a oralidade, vale o regionalismo, vale a cultura de cada um, e até a emoção. E que respeitemos a forma secular de aprendizagem vinda do Português Medieval, se é que cabe ser dito assim, nascida do Latim Vulgar em debate com o Clássico.

Bánana ou bãnana?

Fica a leveza de uma pluma para uma resposta, diante do fato de se ouvir ‘arrecardar’ ou da fala disléxica dizer ‘poplema, proplema, pobrema’, e tantas outras variantes de natureza fonológica. E a escrita?

Num evento social-literário, ou lítero-social, um palestrante diz ‘Pessoas rótarianas…’, com dicção ótima, embora aberta; outro, falando do mesmo tema, diz ‘O povo rôtariano…’.

O que é isso, companheiro? Como se diz mesmo: Rôtary ou Rótary? Os ‘rôtarianos’ ou ‘rótarianos’? Não se deve questionar?, cada um considera correta a sua forma de pronunciar, e chique até, sem que se exija exatamente onde está registrada sua escolha.

O tempo é o ‘senhor’ que ordena sua cuca a uma pronúncia com açúcar e outra gutural?

O dicionário, ou a maioria, diz que a pronúncia é fechada: ioga (ô), por determinação de seu étimo do sânscrito: yoga (^), cujo significado é ‘união‘. Mas… um ‘entendido’ em artes marciais, e também em linguagem?, alega que existem dois tipos: ióga, a mais profunda, e iôga, a tradicional. Será? Mundo cruel o da linguagem!, escrita, falada ou a fonológica.

Por isso, ‘os arredóres’ e ‘os arredôres’, tanto faz como fez. Redór, redôr; arredór, arredôr.

Pronúncia de alguns vocábulos, assunto de que a Gramática não trata de maneira satisfatória. Sempre fica um lado omisso ou aberto, deixando que cada um tome sua decisão.

De timbre aberto, o que nem sempre é seguido: cervo, ciclope, coeso (e coêso?), coldre (ouve-se muito côldre), coleta, dolo (mas se ouve dôloso), grelha (também há grêlha, ou carne ‘grêlhada’), ileso (ilêso é timbre popular), lerdo, loto (loteria e planta), molho (o molho de chaves, ou feixe, mas o môlho de pimenta, de tomate); obeso (que deixa dúvida, e se destaca obêso, mais bonito e mais soante?), obsoleto (de que se tem ouvido muito ‘obsolêto’), refrega (que o povo pouco usa, e se ouve refrêga musical, ou retreta (^); servo (subserviente).

Alguns de timbre fechado, como quer uma Gramática que mora no birô deste escrevinhante, razão por que não se atreve a ser tão original: vive o que manda a praticidade.

Acervo (o acervo da Biblioteca Nacional é imensurável), alcova (mas ‘alcóva’), alvejar, apedrejar, badejo (garçom há que diz ‘badéjo’), boda ou bodas, camioneta (mas ‘camionéte’, que se trata de variante gráfica), cerda (a melhor escova seria a de cerdas médias), cerebelo, choldra, controle (substantivo, mas que você ‘contróle’ seus modos), corça, corso, crosta, destro (mas se ouve ‘déstro’ e ‘ambidéstro’), escolta (mas o deputado foi ‘escóltado’), fecha (o povo prefere ‘féche’ a porta), festeja, filantropo, ignoto (termo impopular, com o significado de ignorado, desconhecido), misantropo, molho, peneira, poça (mas o povo usa em abundância ‘a póça’ d’água), reses (uma rês), resma, retreta, rouba (‘róba’ é usual e popular), some, torpe, tropo.

E agora? Cada região com sua alternativa.

E a metafonia? Eis um problema a discutir, cuja resposta não tem suporte. Vale tudo.

O fogo (^), os fogos (´). O singular fechado; o plural aberto. Mas dois ‘jôgo’, do dia a dia, permanece. Dois ‘jóguinhos’, aberto, já que o plural é aberto, o que não se ouve, ou pouco se ouve. O bom mesmo é dois ‘jôguinho’, e pronto.

A metafonia é teórica, cujas regras não indicam um viés que facilite o uso; a orientação (obrigatória?) existe, mas é comum a variedade de escolha.

Timbre fechado no singular; aberto, no plural: aeroporto, aeroportos. Caroços, chocos (ovos), cornos (um corno, dois cornos, tanto para o chifre como para o cornuto, termo chulo); o coro da igreja, os coros; dois corpos (esse é usual), os corvos (espécie de abutre), despojos, desportos, esforços, fogos de artifício, os fornos (de assar biscoito na roça eram bem rústicos, hoje, nem esses existem mais); os foros (fórum, o prédio; o foro, a entrância); os fossos, grossos (cordões grossos); impostos, jogos, miolos, mornos, novos (muito usado, como manda a norma), olhos, ossos, ovos (não precisamos de dizer ‘O senhor tem ovos?’; por que não usar o singular: ‘O senhor tem ovo caipira?’); poços artesianos, porcos (os vândalos são verdadeiros porcos antissociais), portos, postos, povos, reforços, rogos, socorros (os primeiros-socorros), tijolos, tortos, tremoços, tropos.

O cuidado agora é com termos que não alteram o timbre, fechado no singular como no plural.

Os tornos, sogros, potros, e lá se vai a listagem: almoços, alvoroços, bolsos, bordos, cachorros (Saiam daqui seus cachórros imundos, disse a mulher), canhotos, caolhos, controles, desgostos, encostos, engodos, esposos, estojos, ferrolhos, globos, gostos, gozos, jorros, pimpolhos, piolhos, rebocos, rostos, sogros, soldos, soltos, sopros, subornos, tornos, toscos, trambolhos, transtornos.

Há outros, mas esses bastam.

Como você vê essa matéria? Relacione termos deste comentário que se configuram diferentes do seu conhecimento: abertos ou fechados, isto é, diferentes do modo como os usa.

A gente se vê amanhã.

João Carlos de Oliveira

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