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Qual destas palavras é a de sua preferência: ‘cafona’ ou ‘brega’? O que é isso, companheiro?

Palavras morrem, palavras nascem.

Citemos o magistral e emblemático itabirano, grande poeta mineiro Carlos Drummond: “Lutar com palavras é a luta mais vã“.

Saber magnífico, mas temos que nos ater a um bom termo, e consultá-lo, para formar o bom discurso, escopo a que não nos devemos furtar.

‘Antigamente’, tudo que seria contra a modernidade, que não comungaria o hodierno, seria cafona. A cafonice, vista como atraso, imperava somente no meio de pessoas de pouca cultura?

O dicionário diz que cafona, palavra nascida do Italiano ‘cafone‘, com a conotação de simplório, tolo, significa aquele ou o que chama a atenção pelo mau gosto, deseducação ou novo-riquismo: pessoa, roupa, casa, estilo cafona.

Cafona, eis uma gíria abominável!

Pessoa: a que tem modos arcaicos, rústicos ou até rudes.

Roupa: o modelo pouco usado ou que seria estranho para um meio social. Uma senhora andava na rua com a camisola de dormir. Um cidadão, no tempo em que a bermuda não tinha vez no Brasil, usava calça no joelho. Alegou que não teve dinheiro para comprar o pano da calça inteira.

Casa: uma pintada de roxo, com portas e janelas em modelo estrambótico (de basculante e vidro que não se usavam mais).

Estilo: sob o Sol a pino, a arder, o cidadão usava roupa de lã. Em certo momento, uma pessoa, usando camisa em xadrez, foi tachada: “Está pronto para o São João, professor?” (O mês em curso era maio.)

O charme do cafona, pois, é a cafonice, sua qualidade maior. Tudo que destoa do olhar hodierno é cafona?

No mundo moderno, o destoante é o brega. A música brega, no entanto, teve e tem seu espaço. No passado, o baiano Waldick Soriano foi o maior cantor brega da Bahia, modalidade que se propagou por todo o Brasil. Seu vozeirão, no entanto, foi peculiar e não seria suplantado por qualquer um.

O brega, quem tem pretensão de ser luxuoso, requintado até, mas é de mau gosto. Sinônimos: cafona, vulgar, ordinário.

Brega, por outro lado, é a zona do meretrício, com dança de salão requintada e mulheres bonitas, elegantes e ‘sérias’, que faziam de seu metiê o meio de vida lícito, respeitado, como foi, ao extremo. Ai de quem se desviasse desse padrão! Estaria, politicamente, incorreto.

Brega, de origem incerta, é um brasileirismo.

Mesmo usados como sinônimos, cafona e brega não são a mesma coisa. Diferem-se em alguns aspectos.

O cafona tem uma visão que destoa pela ausência do modernismo ou pelo mau gosto exagerado. Eis o tolo que não sabe usar o que ostenta. Já o brega quer ser destaque e se ‘borra’ pelo tipo de roupa muito chamativo: seda de cor rosa, ou avermelhada, em festa de luxo. Rosto semiborrado com batom extravagante e unhas pintadas com um vermelho aberrante. Aberrativo!

Unhas pintadas com tantas cores, com os tais aplicativos, chamando a atenção de todas as maneiras, não seriam bregas, na atual conjuntura?

O que é uma música brega? Aquela que suscita a paixão exagerada? Música de cabaré? A dança coladinha? ‘Morango do Nordeste’ é uma música brega? Romântica, chama para a dança coladinha, sem ser uma em que o par une as ‘partes de baixo’, retorcendo apenas os quadris. Como se chama mesmo?

Não querem mais usar ‘brega’; dizem, agora, ‘cafona’. Os dois vocábulos têm seu momento, e estão por aí, vivendo de saudades.

Certo é que palavras morrem, os arcaísmos. Deixam de ser usadas quando o objeto a que se referem não existe mais. Pasta de dente (creme dental) Colgate. Monóculo, com aquela fotinha lá dentro, mostrando o rosto da amada, do amado. Ganhei um da mina terna, eterna namorada dos 16 anos. E outro de uma festinha em que tomava um ponche. Sumiu! Que pena, tão lindo era, mostrando minha juventude pobre e alegre!

Chapéu de baeta. A botica de seu Chiquinho onde ia comprar Cibalena.

Como vai ‘vosmecê‘? ‘Far-se-á‘ o casamento às 16 horas do dia de só-nunca. ‘Estivera’ com ele ontem ao entardecer, um dia meio chuvoso. ‘Entonce‘, não fui.

Palavras ou expressões novas nascem, os neologismos. Ih! Rapaz, deu zebra! (gíria costumeira). ‘Operação-desmonte‘, linguagem técnica, usada, em geral, com relação à atividade da Polícia. Efeito-estufa, que retrata a situação poluente de nosso meio-ambiente. Deletar, inicializar, internetês, alguns termos da Informática.

Hibridismo: recheio com origens diversas, ou étimos diferentes. Abreugrafia (chamada ‘chapa do pulmão’): Abreu, Português, sobrenome do médico Manuel de Abreu, que criou esse método, e grafia (termo grego); alcoômetro: álcool (do Árabe) e metro (do Grego); automóvel: auto (do Grego) e móvel (termo latino); cipó-chumbo: cipó, do Tupi, e chumbo, do Latim; burocracia: (buro, de bureau, do Francês) e cracia (do Grego); futebolista: futebol (de football, do Inglês) e ista (sufixo, do Português); goiabeira: goiaba (do Tupi) e eira (sufixo, do Português); sociologia: socio (do Latim) e logia (de logus, do Grego); televisão: tele, do Grego, e visão (do Latim).

Restaurante ‘gourmet-delivery’: a primeira, francesa; a segunda, inglesa. Que chique!

Os termos a seguir são arcaicos?

Xibio ou xibiu (chulos), a vulva. A chana.

Atadura? Hoje, seria bandagem?

Rótula é arcaísmo? Hoje, temos patela?

Cordas vocais, não, mas pregas vocais.

Gordinho vai cair em desuso. Como tem ganhado cunho pejorativo ou discriminatório, deve-se dizer ‘aquele que tem excesso de tecido adiposo‘.

Não mora numa casa, mas numa vivenda.

Fulano não vive dificuldades, mas agruras.

A esmola, não; um óbulo. No meu tempo de menino sapeca, beijar a face da menina seria oscular

O que é paquete? Navio comercial de passageiros; mas, no popular, menstruação. O gentleman viajou num paquete de Liverpool para Londres. A menina não foi à escola porque estava de paquete.

A galera, turminha de hoje, foi um navio de guerra, e quiçá ‘navio negreiro’, levando habitantes da África para outras plagas.

Olimpíadas, modalidades esportivas que surgiram em Olímpia, na Grécia. Atenas, a cidade da cultura; Esparta, da guerra, e Olímpia, o mundo dos desportos de então.

E por aí vamos.

Moderna, arcaica e híbrida, eis as palavras; admirável o tupi-guarani nambu, nhambu ou inhambu, que indica espécie de ave quase desprovida de cauda. Sura. Galinha sura, embora rara, existe.

O objeto deixa de ser usado, e seu nome torna-se arcaico. O famoso usa um termo novo, e todos passam a imitá-lo. Surge o vocábulo da moda. Café gourmet. Restaurante delivery.

Na feira-livre, a maioria das pessoas, de todas as classes sociais, faz as compras usando sacolas de plástico. Aparece uma, singularmente, usando sacola de pano. Estranho! Pode ser chamada de cafona?

Em cidades do Nordeste, como no Norte e Centro-Norte da Bahia (a contar Jacobina, Miguel Calmon, Ourolândia, Serrolândia, Caém etc.), a maioria dos moradores usa ‘aiós’ e ‘boca-pios’, feitos de palha de ouricuri. E agora? São pessoas cafonas, bregas? Saudosistas? Nostálgicas?

Certo é que contribuem muito com a Natureza, além de valorizar o artesanato local, mantendo a tradição cultural. Isso é bom, e se cria a identidade de uma região.

Os detalhes não são costumeiros, mas, certamente, há sacolas diversas de tecidos sintéticos e outros em destaque; as de sisal, de palha de palmeira, de ouricuri, de carnaubeira etc. têm pouca evidência.

Até mais ver!

 

João Carlos de Oliveira

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