O dia a dia nos ensina com quantos paus podemos fazer uma jangada, tal a variedade linguística e cultural de um Brasil imenso; do Maracatu Rural de Pernambuco ao Candomblé da Bahia, do Frevo de Olinda às Congadas de Minas, das vertentes de cantoria do Samba de Roda de Cachoeira, no Recôncavo Baiano, à Chula no Junco de Jacobina.
Importa a forma de se dizer o conteúdo cuja mensagem leve ao público fatos regionais e históricos. Essa linguagem, descompromissada, encanta inteiramente pela autenticidade própria, Patrimônio Imaterial do Povo.
Assim, pode-se conhecer um pouco mais do folclore de um Brasil caboclo e genuíno, e se isso não houver, talvez, pelo fato de alguns não darem o devido valor a essas modinhas locais, a Cultura morre, e o povo também. Sem Arte, a História deste País de poucos sonhos e muita violência deixa de existir, e a Nação perde sua identidade, o que caracteriza o genocídio da Poesia, da Literatura, da Força do Cordel, das Rezas e das Chulas, e de tudo que envolve a Historiografia do brasileiro ainda não devidamente conhecida.
Após esse preâmbulo, passemos a dissecar as frases mostradas na introdução.
Ter é um dos verbos cotidianos com que se pode fazer uma jangada cultural para percorrer a Nação, mesmo com o Pantanal sofrendo seca inusitada e incêndios ‘personalizados’, chegando ao Velho Chico e pernoitando em Sobradinho, a grandiosa barragem artificial do Mundo, maior que O Colosso de Rodes!
Ele tem, eles têm: o acento circunflexo não é para marcar a tonicidade; diferencia a primeira forma, singular, da segunda, plural, ambas na terceira pessoa. Tem-se um acento diacrítico.
O camponês tem uma bonita casa coberta com sapé, como todos da vila têm a sua coberta com palha de ouricuri.
Ter é primitivo de conter, deter, manter e reter, verbos compostos, que dão as formas verbais respectivas: contém, detém, mantém e retém, no singular, e suas correspondentes no plural: contêm, detêm, mantêm e retêm. Alguém é que pode se esquecer da norma, por isso, www.linguagemdocotidiano.com.br vem a público recordar o que a Gramática Normativa nos recomenda.
Eles mantém, não. Eles mantêm, o devido plural. O primeiro acento segue a regra de vocábulo oxítona terminado em EM (alguém, recém, amém), já o segundo é para diferenciar o plural do singular, igual a ele vem, eles vêm (acento diferencial).
Ele se mantém ativo. Eles se mantêm ativos.
A moringa contém água potável quase fria. As garrafas contêm o líquido precioso tirado da cacimba de seu Zé Chico, na nascente do Grotão, perto da Caboronga, em Cachoeira Grande de Jacobina.
O PM detém o meliante. Os PMs detêm os meliantes que surrupiaram a loja.
A Aduana retém toda a mercadoria contrabandeada. Todas as Alfândegas detêm mercadorias sem nota vindas de diversas partes do Mundo.
A redação Eles ‘manteram‘ a ordem na Casa Noturna destoa com o que diz a regra. Eles mantiveram…
Ele manteve, eles mantiveram; ele deteve, eles detiveram; reteve, retiveram; conteve, contiveram, respectivamente, na terceira pessoa do singular e do plural do pretérito perfeito do indicativo.
O pretérito-mais-que-perfeito, com tendência ao desuso, é outro aspecto: contivera, detivera, mantivera, retivera. O plural dessa pessoa é que se confunde com o passado perfeito do indicativo. Eles mantiveram a ordem (isoladamente, representa ambos os tempos.)
Lembremos um exemplo de redação charmosa: ‘Ela fora atraída para o crime pelo companheiro de baladas’, como ‘Ela mantivera bom relacionamento com seu ex-marido’, tempo que pode cair na cumbuca para o estudo da linguagem daqui a anos.
O Equipamento de Proteção Individual é obrigatório em muitas atividades cotidianas, mas nem todos usam sua sigla como a regra requer. Se a falta de um EPI pode matar, todos os EPIs juntos bem usados podem salvar.
Siglas e abreviaturas precisam de atenção: um CD, dois CDs; a PM, as PMs; um LP, dois LPs; um EPI, dois EPIs. (Se o usuário quiser, pode escrever com base na pronúncia: um cedê, dois cedês; um elepê, dois elepês.)
Não se usa o apóstrofo seguido de s para indicar o plural.
(Não: Prepostos das GM’s; Homens das PRF’s; Diversas ONG’s; sim: GMs, PRFs, ONGs; e a desinência –s, indicativa do plural, não pode ser em letra maiúscula.)
A redação Na saida do colegio pode caracterizar dois aspectos: falta de hábito de acentuar vocábulos, conforme a regra, e relaxamento com a escrita, considerando que essa atitude não causaria prejuízo. A pronúncia não ficaria, aparentemente, prejudicada, mas a semântica poderia criar o hábito da dupla interpretação e da dúvida.
Conclui-se que saida é saída, mas colegio pode insinuar a flexão para a primeira pessoa do singular, no indicativo presente, do verbo colegiar: eu co-le-gi-o, que, se não agora, mas no futuro vai existir, com o sentido de agrupar, congregar, organizar. Eu colegio, tu colegias, ele colegia, nós colegiamos…
Se houver ‘saia’ no lugar de ‘saía’, fica clara a troca de palavras, o que prejudica. Saia, além de ser substantivo, seria o imperativo na pessoa você do verbo sair, confundida com ‘saía’, passado imperfeito do mesmo verbo.
Saia daqui agora. A saia está muito curta. Ele saía cedo para o trabalho.
Em Prorrogou mais pra frente, o redator não se deu conta do significado do vocábulo; sem querer, na ênfase de estampar o adiamento, o falante usa pleonasmo vicioso. O pior é que, talvez, um dia, tenha comentado Ele desceu lá pra baixo, e há pouco odiou Não posso adiar meu casamento para outro dia, frase da nubente empolgada com a festa nupcial.
No artigo anterior, o tema foi o plural indevido do verbo haver com o sentido de existir, momento em que se trata de verbo impessoal (a ser usado na terceira pessoa do singular), nunca no plural. A frase ‘Haviam muitas pessoas na fila’ não condiz com a norma gramatical.
Na mesma edição, ficou registrado o verbo haver como auxiliar em tempo composto, com a frase Eu havia chegado cedo (que está lá bem visível).
Um visitante, a quem agradeço pela leitura, estranhou a frase ‘Haviam muitas pessoas na fila’ e a comparou com ‘As garotas haviam deixado o colégio há poucos instantes’, frase correta, em que haver, justamente, aparece como auxiliar em tempo composto.
Haviam muitas pessoas na fila, corrigida para Havia muitas pessoas na fila, nada tem a ver com a frase apresentada pelo visitante, similar a O jovem havia chegado cedo à escola (singular) e Os jovens haviam chegado cedo à escola (plural).
Obrigado por ter lido essas linhas.