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‘Haviam’ muitas pessoas na fila. ‘Faziam’ horas que ele esperava. E agora? As flexões verbais estão corretas?

Todos sabemos que verbos, de modo geral, oferecem dúvidas quanto à sua flexão exigida pela norma culta; há, por essa razão, certo receio em usá-los nos momentos formais.

Fora disso, o uso vai de qualquer forma (para alguns), deixando para a hora crítica o cuidado de como devem ser ‘conjugados’.

Ocorre, porém, que ‘o costume do cachimbo põe a boca torta’, e, depois que a vaca vai pro brejo, não há mais o que fazer. O erro cometido seria culpa da Gramática, da escola que não ensinou (até dos mestres) e/ou do próprio idioma.

O que é isso, companheiro?

O verbo haver, como seria de hábito, é um, entre tantos, que ‘sofre’ no cotidiano.

Seguindo o que a regra diz, trata-se de verbo impessoal (exceto alguns casos), por isso, flexionado somente na terceira pessoa do singular em todos os tempos.

Seria fácil entender e seguir essa determinação, mas nem todos se atentam para ela, surgindo o solecismo, nome dado a qualquer erro gramatical, em especial de regência, chegando ao de flexão, de concordância e de colocação.

Mera suposição: para quem conhece e pratica a flexão correta, ‘Haviammuitas pessoas na fila incomoda, e o bom redator logo percebe o engano. Para esse, a terceira pessoa do plural desse verbo, nessa frase, dói os tímpanos.

Havia muitas pessoas na fila (não importando que haja palavras a seguir no singular ou no plural).

Continua a suposição: para outros, é preciso escrever e falar bonito, e ‘haviam‘, nesse momento, indica elevado nível cultural, a linguagem de quem sabe usar o Português, mesmo difícil como é.

Artigos que falam em autoajuda, artigos de focas, artigos diversos, até dos chamados influencers digitais (com exceção), às vezes, descem a ladeira, e o pobre idioma oficial deste Brasil imenso, o Português brasileiro, que ocupa o lugar do Tupi-Guarani, por imposição dos invasores aos nossos belos indígenas, fica à-toa na vida: corre na banguela para lá e para cá, com poucos acertos e muitos erros, e não se trata de Regionalismo nem de Licença Poética. É na bruta mesmo.

Para este escrevinhador, ou para um bom escriba, e ainda para o Professor de Língua Portuguesa, esses enganos soam mal, e lá se vão os comentários: de novo, a culpa recai em outrem, não em quem escreve.

Meu erro recai em mim mesmo e não numa terceira pessoa‘, primeiro passo a ser admitido por quem escreve, princípio que serve de amparo para a melhoria no futuro, tudo associado à prática da escrita e à pesquisa.

Certamente, o outro teria opinião oposta a esta, e ambos continuam, ou continuamos, discutindo sem se chegar a um denominador.

Não cabe jogar a culpa em alguém que não sabe escrever, apenas fala o idioma de ouvido, seguindo a tradição de seu tempo.

E por que não se tem uma boa Gramática sobre a escrivaninha do escritório? E um bom dicionário?

Em anos, vivendo o uso habitual do idioma, como professor, advogado, escritor, corretor de textos, se a memória não me der uns ‘tabefes’, só vi um dicionário num escritório uma ou duas vezes, reservando-me o direito de ocultar o nome das pessoas (que já seriam falecidas).

Haver, em seu aspecto mais usual, é impessoal, sempre na terceira pessoa do singular, com o sentido de existir. Nesse caso, fazer é sinônimo de haver, e vice-versa. Quem diria isso, hein?

As frases são comuns: dez anos moro nesta casa. Faz dez anos que moro nesta casa. ‘Faziam’ horas que ele esperava deve ser Fazia horas que ele esperava. Havia horas que ele esperava. Ele esperava havia horas.

muita gente na rua. muitas pessoas na rua.

Havia um escorpião no quintal. Havia muitos escorpiões no quintal.

Houve um fato incomum naquele dia. Houve fatos incomuns naquele dia.

Houvera muita morte na guerra. Houvera muitas mortes na guerra.

Haverá problema a ser resolvido. Haverá problemas a serem resolvidos.

Haveria dificuldade para você descobrir o enigma? Haveria dificuldades para você descobrir o enigma?

Haja a maneira certa de se solucionar o impasse. Haja as maneiras certas de se solucionar o impasse.

Se houver uma boa condição, faça o negócio. Se houver boas condições, faça o negócio.

Se houvesse mais precaução, talvez, a pandemia não estivesse tão demoníaca neste momento. Se houvesse mais precauções, talvez, a pandemia não estivesse tão demoníaca neste momento.

(O verbo haver está flexionado nos seis tempos simples do modo indicativo nas seis primeiras frases, e nos três tempos simples do modo subjuntivo nas três últimas.)

Fora isso, haver aparece como verbo auxiliar na formação de tempo composto, flexionado em todos os tempos e pessoas, com o mesmo valor do verbo ter: Eu havia chegado cedo. Eu tinha chegado cedo. (Pode ser usado desse modo em todas as pessoas: Nós havíamos chegado cedo; Nós tínhamos chegado cedo; o menino feito sempre seus deveres; o menino tem feito sempre seus deveres.)

Conforme o contexto, haver passa a ter o uso especial de ‘achar por bem’ (popularmente, pouco usado): Ele por bem construir uma casa no topo mais bonito do Himalaia. Ele houve por bem construir uma casa no topo mais bonito do Himalaia.

Ele de fazer isso. Eles hão de fazer. (Equivalente a ter: Ele tem de fazer isso. Eles têm de fazer isso.) Interessante, o aspecto semântico dessas frases: haver pressupõe possibilidade, e ter, obrigação. Ele há de vir. Ele tem de vir.

Ele de chegar logo. Ele tem de chegar logo. Deve haver um jeito de se fazer uma saída para tirar o menino desta cisterna. Deve ter um jeito de se fazer uma saída para tirar o menino desta cisterna (uso popular do verbo ter, assim como Tem gente na rua).

Distinga: muita fruta no pomar. Tem muita fruta no pomar (uso popular). O pomar tem muita fruta.

Fazer, no sentido de existir, com o mesmo valor semântico de haver, pode ser flexionado em todos os tempos simples: Faz um ano que moro aqui. Fazia dez anos que eu não ia lá. Fez dez anos que ele faleceu. Fará dez anos que houve um homicídio neste Município. Faria dez anos isso. Ou em locução verbal: Vai fazer dez anos que o pobre coitado veio ao mundo.

Pronto. Isso basta.

Hoje, uma homenagem ao grande Ney Matogrosso, autêntico, cuja frase, numa entrevista, chama a atenção e destaca sua personalidade: “Envelhecer é só por fora“, muito boa. Parabéns.

Ney, um brasileiro, (seu apelido popular, ou alcunha) se caracteriza um mato-grossense arretado, tarimbado, que começou cantando em coral, igreja e barezinhos da vida, e chegou a fazer parte da interessantíssima banda Secos & Molhados, há cerca de 50 anos, sucesso que agradou a todos os níveis.

Com a aproximação de ser octogenário, Ney Matogrosso continua cantando muito bem, com variadíssima performance física, intelectual e musical, e sua personalidade única: não ser ninguém a não ser ele próprio, e os olhares não o incomodam.

Destaca-se como pessoa, com sua musicalidade e personalidade, e devemos simplesmente ouvir, curtir suas mensagens, sem levar em conta sua vida particular. Sabe dar um grito de sabedoria, politizado, no mais alto nível.

Registre-se isso. O resto é balela.

 

João Carlos de Oliveira

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