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“Nessa faixa ‘etária’ de idade”, teria dito uma atendente para explicar quem poderia receber a vacina anticovid-19

Pode, ao mesmo tempo, na mesma expressão, o usuário tascar ‘etária‘ e ‘de idade‘?

A pressa pode atropelar a linguagem, fazendo-a eivada de tantos vícios, que se torna inadequada.

Se não for a pressa, a coloquialidade seria uma boa justificativa para esses enganos?

Talvez, a pessoa não tenha notado que fez uso de um adjetivo (etária) e de uma locução adjetiva (de idade) que têm o mesmo valor semântico, embora com palavras diferentes.

Deveria ter dito ‘Nessa faixa de idade‘ ou ‘Nessa faixa etária‘.

Ambas na mesma frase, não. Usou um pleonasmo vicioso, talvez, sem perceber.

Não é disparate a afirmação de que toda locução adjetiva é rica, e pode ser usada com frequência. Algumas é que seriam estranhas ou desconhecidas, o que limita seu uso, e entre essas há as que têm os respectivos adjetivos formados por vocábulos eruditos do Grego e do Latim, por isso, mais um motivo para serem pouco usadas ou confundidas.

Analise esta: Adoeceu porque foi ofendido com veneno de cobra.

De cobra é uma locução adjetiva; o respectivo adjetivo é viperino; estranho, por isso, desusado. Veneno de cobra, veneno viperino.

Fácil seria usar amor de mãe, amor materno; amizade de irmão, amizade fraterna; dever de pai, dever paterno.

Essas, sim, são usuais, práticas e conhecidas. Outras, nem tanto, motivo por que, quando usadas, costumam vir enviesadas ou com repetição do valor semântico, mesmo que os termos sejam díspares.

Relação de locuções adjetivas clássicas e seus respectivos adjetivos, e, para comparar, outra de locuções populares ou práticas e seus respectivos adjetivos.

Algumas clássicas.

Pensamento da alma, pensamento anímico. Produto da abelha, produto apícola.

Forma da orelha, forma auricular. Material de guerra, material bélico.

Carne de ovelha, carne ovina. Leite de cabra, leite caprino.

Dor do pescoço, dor cervical. Dor dos quadris, dor ciática.

Nuvem da cor de chumbo, nuvem plúmbea. Qualidade do marfim, qualidade ebúrnea (ou ebórea).

Energia produzida pelo vento, energia eólia (ou eólica). Fios de cobre, fios cúpricos.

Produção de laranjas ou limões, produção cítrica. Coleção de selos, coleção filatélica.

Vida de monge, vida monacal. Desejo vindo do sonho, desejo onírico.

Signo de Peixes, signo pisciano. Couro de peixe, couro písceo.

Desenho feito na rocha, desenho rupestre. Fase do velho, fase senil.

Fogo que provoca estragos, fogo predatório. (Caça predatória, a que não tem critérios e tende a exterminar uma espécie.)

Força dos terremotos, força sísmica (por isso, muito usado abalo sísmico). Injeção através da veia, injeção intravenosa.

Injeção diretamente na carne, injeção intramuscular. Ato praticado pela vontade, ato volitivo.

Algumas populares.

Tônico do cabelo, tônico capilar. Atitude de criança, atitude infantil.

O corpo (o conjunto) de alunos, o corpo discente. O corpo de professores, o corpo docente.

O trabalho de uma pessoa, o trabalho pessoal (como sinônimo, o trabalho individual).

Época de ouro, época áurea. Festa do domingo, festa domingueira (bem popular).

Água do rio, água fluvial. Água da chuva, água pluvial. Doença do fígado, doença hepática.

Podemos destacar que algumas, embora sejam clássicas, são também do domínio popular por serem aprendidas nas relações humanas, no trabalho, na profissão, na busca por tratamento médico etc.

O hábito de se falar cirrose hepática é que se aprende no convívio com tratamento médico (doença brava por questão genética, por adquirir vírus mórbido, como o da hepatite C, e por excesso de ingestão de bebida alcoólica, chamado etilismo (alcoolismo). A propósito, não pronuncie bebida al-có-li-ca, vício de linguagem chamado silabada, e ainda há o barbarismo fonético, como muitos o fazem: pronunciam Nóbel no lugar de Nobel; largatixa no lugar de lagartixa; estrupar no lugar de estuprar; mendingo no lugar de mendigo. Até, estão inventando: se a referência seria à esposa, querem que seja ‘a’ cônjuge. Seria a mesma coisa de se dizer ‘o’ criança, ‘a’ monstro, ‘a’ carrasco, entre outros. Boas pronúncias: al-co-ó-li-co, al-co-o-lis-mo. Plural de álcool: álcoois.

Se for dito de forma enfática “A vida, o vento a levou” (João de Deus, poeta português), afirmamos que fica de bom tamanho o uso de ‘Não te enganes a ti mesmo’, mas não seria ideal o emprego de Há dez anos atrás, como Nessa faixa etária de idade; ele entrou para dentro de casa; sai fora dessa, cara; esta manhã tem uma brisa matinal gostosa; é preciso repetir de novo; o trabalho foi dividido em duas etapas iguais.

São verdadeiros e assombrosos pleonasmos viciosos.

Mas o povo, de forma irônica, tem usado Ele morreu de morte morrida, expressão que, aceita, se torna um pleonasmo literário, para dizer que a morte foi por causa natural.

Aceita-se isso, melhor que dizer Desça lá pra baixo e chame ele, agora!, mesmo que se admita que essa linguagem pertence à nossa travessa e tradicional coloquialidade.

Quanto ao título, para evitar o mau uso, basta para que se entenda um pouco mais do emprego de locuções adjetivas e de seus respectivos adjetivos.

Fechando o dito de hoje.

Vemos em reportagens que há certa dificuldade da pronúncia da palavra oxford quando querem se referir ao tipo de vacina para combater o coronavírus. A palavra do Inglês Britânico, que é a mesma do nome da cidade inglesa e de sua universidade, deve ser pronunciada com duas sílabas: aks-fór (que não é fácil).

Ox, em Inglês, é touro, cujo plural faz oxen. Para vaca, usa-se cow, que forma o termo composto cowboy (caubói), entendido, em relação ao campo, como vaqueiro. Não discutamos outros significados.

Oxford, conforme a linguagem antiga, significa ‘vau dos bois’, o lugar no rio ou oceano por onde se possa passar a pé, a cavalo ou por onde os animais passam sem correr perigo. É justo que não se pensa ao pé da letra quando se refere à cidade inglesa, com esse nome.

Certo é que a pronúncia oxford não tem sido muito clara.

Numa entrevista, foi dita a palavra estratégica como se fosse estratégia. O substantivo não tem essa grafia nem pronúncia. Essa forma se refere ao adjetivo, o feminino de estratégico, o que tem estratégia, o que se refere à estratégia.

No caso, deveria ter sido dito Nossa estratégia é vacinar primeiro pessoas na faixa etária (…), mas veio várias vezes Nossa estratégica é vacinar primeiro pessoas na faixa etária (…).

Não ficou bem.

Até a próxima.

 

João Carlos de Oliveira

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