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“O rodo ainda presta?”, pergunta o vizinho a alguém que lhe tomou esse utensílio emprestado. O que é prestar?

Não nos podemos ater a um único significado de uma palavra, o que seria inconveniente à ampliação da grandeza da linguagem. Se nos ativermos a esse critério, vamos restringir o valor semântico da maioria dos vocábulos que usamos; estaríamos excluindo da Gramática boa parte da conotação como a própria polissemia.

Deixemos o Regionalismo Linguístico fluir, as palavras aflorarem ao gosto e estilo de todos para que sejam bem entendidas e usadas, e não o plágio do que foi dito, mas a criatividade de um novo texto, da poesia, da Literatura de Cordel, e de todas as nuanças da linguagem coloquial. Claro que não se dispensam os dizeres dos cultos, mas parece que uma palavra fica atraente e mais solta sob a verve do usuário no momento da informalidade.

O respeito ao uso regional é um veio para se entender, pelo menos um pouco mais, o modo de falar de uma comunidade. Ruim quando alguém chega a um lugar, ouve a fala local, e vai logo dizendo ‘O povo aqui fala diferente’, quando não diz que fala ‘errado’. O que seria diferente é o que deve ser, pelo fato de cada um ter o seu padrão.

Assim também, é indevido o fato de alguém acostumado a usar certos termos com amigos, pessoas da família, ao visitar uma cidade, cuja população não conhece, logo tasca a torto e a direito as metáforas que gosta de usar. “E aí, tio, meu brother, vai um picolezinho aí?”

Se o intercambiado (o interlocutor) não aceita, por não ter gostado do tipo de aproximação, o mesmo intruso ainda refuta: “Qual é, meu, não gosta de um queijinho no espeto?”

“Obrigado, meu peixe, por ter vindo aqui e comprado uns troços na nossa loja”, outra expressão sem pé nem cabeça.

“Oh! tio, você vai pra onde? Vai viajar? Quer uma motinha aí?”

Pode haver ainda quem aja com certa insensatez ou a falta de boa educação: “Vó, vamos logo; estamos com pressa. O ônibus já vai sair”, quando deveria ter ajudado a senhora de 80 anos a conduzir sua maleta pesada e adentrar o veículo com segurança. Esse fato seria corriqueiro em muitos embarques no interior de todo o Brasil.

O cidadão aposentado de elevado nível cultural (juiz de direito, professor, advogado etc.), em férias num lugar, até o chamado balneário, logo no primeiro dia de visita, ouve a fala de um que ainda o olha com desdém: “Tomando um solzinho, hein, tio! De sobra com a namoradinha do lado. Que vida boa!”

Embora o visitante deva levar essa linguagem pejorativa numa boa, por outro lado, trata-se de atitude insensata, e os grandes motivadores desses jovens, chamados empreendedores, devem dizer a eles que tomem cuidado com a linguagem usual em sua atividade laborativa, que nem tudo pode ser dito de maneira tão informal. Há um limite, e em muitos casos, a formalidade seria o melhor caminho: “Bom-dia. O senhor aceita um cafezinho?”

Além de outras maneiras de manter o primeiro contato para a finalidade amigável ou comercial. A grande maioria é recheada de um bom festival de tolices.

Se houver igualdade, não haverá cultura. Mas o grande empecilho no embate de ideias é que certo praticante desses impropérios não aceita que se diga que é ele quem fala diferente ou vê certo tratamento como errado.

Cada canto se distingue por seus hábitos, e isso tem que ser levado em conta, e cada visitante tem sua visão de mundo que deve ser respeitada.

Prestar, portanto, tem rica significação.

Ele prestou o vestibular. A testemunha prestará depoimento amanhã.

A mãe presta cuidados aos filhos.

O escritório presta serviços de contabilidade à empresa.

Você não presta para nada! Isso não presta.

A vida aqui não presta. Essa comida só presta para animais.

A cerca, desse jeito, não presta: passa tudo por ela.

Tais exemplos seriam suficientes para que se analise o modo como esse verbo é empregado.

Lembremos, também, que se trata de verbo regular: eu presto; eu prestei; eu prestava; eu prestara; eu prestarei, eu prestaria.

(A primeira pessoa do singular de cada tempo simples do modo indicativo, como modelo, para que se continue a conjugação das outras pessoas, se for necessário.)

Que sua ideia preste; se (quando) isso prestar; se essa coisa prestasse (apenas, a terceira pessoa do singular dos três tempos simples do subjuntivo: presente, futuro e pretérito imperfeito).

Presta tu, preste você, prestemos nós, prestai vós, prestem vocês (a referência como conjugá-lo no imperativo afirmativo).

Presta sempre um bom serviço associado a tua sabedoria (tu).

Preste o que sabe fazer sem enganar o cliente (você).

Prestemos muita atenção ao que os mais velhos nos dizem (nós).

Prestai ao Senhor a mesma bondade com que Ele nos ensinou o Pai-Nosso (vós).

Prestem homenagens aos mortos que nos deixaram ensinamentos de vida (vocês).

Nunca prestes serviço ruim (tu). Não preste louvor a quem não o merece (você). Não prestemos guarida a quem nos ofende (nós). Não presteis favores aos injustos (vós). Não prestem atenção ao que eles dizem (vocês). (Eis o imperativo negativo.)

Ainda, pode-se dizer que o verbo prestar passa a ser nominal em alguns casos, com o possível significado de servir para alguma coisa, ter a presteza de, praticar solidariedade social ou filantropia.

Um dicionário diz isto: prestar, vindo do latino praestare, é verbo transitivo indireto e intransitivo. Ter préstimo, ser útil.

O carro de boi não presta mais para coisa alguma. A vassoura já não presta.

Como verbo pronominal, tem o significado de ser adequado ou próprio. A linguagem humana não se presta a todas as exigências do pensamento (extraída de uma obra didática).

Estar disposto ou pronto: Todos desta rua se prestam a ajudar o próximo.

Muitas de nossas leis usam o verbo prestar de forma ampla e generalizada, a insinuar que um ente público tem a obrigação de atender às necessidades do povo.

“A obrigação de prestar alimentos”, inciso do Código Civil Brasileiro de certo tempo. “O Estado obriga-se, através da Defensoria Pública, a prestar assistência jurídica integral e gratuita aos que comprovarem insuficiência de recursos”, artigo de uma Constituição Estadual.

Uma academia de escritores, como seria de se supor, presta bons serviços às letras e à arte de modo geral.

Os governos, comumente, não prestam ao povo todos os serviços determinados em lei.

São muitos os significados. Até mesmo uma pessoa iletrada pode fazer uso de ótima frase com o verbo prestar, aprendida no cotidiano: Presto contas a Deus de tudo que faço.

Podemos fechar para que se ‘presta’ o verbo prestar com mais dizeres: O reservista presta juramento à Bandeira. O bom cidadão não presta informações inseguras. Temos o dever de prestar homenagens aos mortos. Preste ouvidos ao que diz, menino, senão você pode ser punido.

De prestar são formadas certas palavras: prestativo, préstimo, prestador, prestável, prestamento, prestadio, prestimoso, prestadiço, prestante, prestância, prestança.

Obrigado.

João Carlos de Oliveira

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