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Tarcísio Meira estaria para a Teledramaturgia Brasileira como Shakespeare para a Dramaturgia Inglesa?

Essa é uma pergunta, que pode ter resposta afirmativa, pelo menos para alguns.

Esse olhar é o que este colunista quer debater hoje, no lugar de comentar, especificamente, expressões da Língua Portuguesa, em toda a sua dimensão linguística. A linguagem aqui usada substitui, por um instante, o modus operandi tradicional deste sítio.

O viés de agora traz o prisma do momento, em virtude do falecimento do nosso grandioso ator, artista dos palcos e grande intérprete da nossa Literatura, Tarcísio Meira, haja vista os mais variados papéis que levou a cabo durante décadas e os dissecou com maestria.

Antes de comparar nosso baluarte com o inglês, lembremos que em nosso País temos e tivemos outros mestres da Literatura Teatral, que seja chamada Dramaturgia.

Não sei todos os nomes, mas me lembram Oduvaldo Vianna Filho, Luís Carlos Martins Pena (nosso autor teatral pioneiro, cuja obra que o consagrou foi O juiz de paz na roça), Joracy Schafflor Camargo (Deus lhe pague), Pedro Bloch (autor do monólogo As Mãos de Eurídice, que seria sua obra-prima, e não pode ser esquecida, deixando de reencená-la, o que seria grande perda e lacuna imperdoável) e outros nomes.

A citação desses talentos memoráveis tem o mérito de relembrar nossa plêiade de atores e atrizes no mundo do teatro, e até grandes escritores poderiam fazer parte desse rol, uma vez que deixaram obras de valor múltiplo: tanto são do Teatro como da Literatura em si. Ninguém deve negar os valores literários de Monteiro Lobato, Jorge Amado (Tieta do Agreste), Lima Barreto, Menotti del Picchia, Euclides da Cunha, Mário de Andrade, Oswald de Andrade, e até as nossas mestras Clarice Lispector e Cecília Meireles.

Ainda, alguém poderia dizer que não poderiam ser esquecidos, nessa relação despretensiosa, Graciliano Ramos (Vidas Secas), João Cabral de Melo Neto (Morte e Vida Severina), Sérgio Buarque de Holanda (O homem cordial, ‘modelo’ que nos falta nos dias hodiernos) e Érico Veríssimo (Um Certo Capitão Rodrigo).

Fica registrada aqui a visão de mostrar que Tarcísio Meira (nome artístico) usou de toda a sua desenvoltura para interpretar além do texto em si; o autor da peça foca o mundo fictício, e o ator se esmera em mostrar que a ficção pode tornar-se realidade, daí a grandeza do momento teatral. Em outros dizeres, a realidade se torna Literatura, rica em ficção, e a ficção se torna realidade, rica em literatura, vindo a se tornar Dramaturgia num campo, e Teledramaturgia em outro.

A leitura de Romeu e Julieta é empolgante, ato em que o leitor terá que fazer muitas viagens até chegar ao que o poeta, ator e  dramaturgo inglês William Shakespeare, de Stratford-upon-Avon, cidade medieval inglesa, teria tido a pretensão de dizer; a presença do espectador para ver a interpretação da mesma peça, ou de uma O Rei Lear, é mais emocionante ainda, pelas imagens de palco, pela indumentária dos atores, pela expressão facial de cada componente do elenco.

O traslado do papel, que vem a ser o texto seco, até chegar aos aspectos teatrais, como se fosse a visão cinematográfica, implica muitas nuances, que nem todos sabem interpretar com altivez, mas Tarcísio não deixou lacuna nessa transição. O texto ao pé da letra se tornou ‘a face da vida’ na suas mãos, e se não nelas, nas suas ideias, e se não nestas, nas suas facetas intelectuais, nas suas visões de como se deve interpretar a escrita de um conto, de uma crônica, de uma novela, de um drama.

Shakespeare é reconhecido em todo o Mundo, e Tarcísio Meira deve ser reconhecido em todo o Brasil, e num momento em que um analista comparar nossa Dramaturgia à de outras Nações, jamais se deve esquecer de buscar um paralelo entre o nosso ator e o autor inglês, também ator.

Se o Brasil teve um magistral Dias Gomes, autor da peça O Pagador de Promessas, que se tornou o filme inesquecível do mesmo nome, interpretado por Leonardo Villar, Glória Menezes (a eterna companheira de Tarcísio Meira) e outros atores, dirigida por Anselmo Duarte, a Televisão, no seu início de esplendor, teve grandiosamente Tarcísio Meira em Irmãos Coagem na Teledramaturgia. Assim, podemos dizer que, se alguém escreve uma peça memorável, como Janete Clair escreveu muitas, outro a deve saber interpretar de modo tão envolvente, que faz dessa uma obra emblemática de uma época nossa.

A escrita, ou o texto em si, tem valor, mas sem a valiosa interpretação do ator, sua grandeza teria dimensão menos ‘universal’.

Uma coisa sem a outra, o criador do texto sem o intérprete, esse conjunto de aspectos se tornaria menos grandioso.

Não importa, neste comentário de um não-especialista na área, todos os títulos que Tarcísio Meira interpretou, mas a forma como os fez, o jeito inimitável como edificou sua imagem, sua forma de expressar, seu olhar, os dizeres textuais com nova simbologia, com a nova roupagem semântica. O regionalismo de todas as linguagens do interior desta terra continental deixou o público consciente de que, de fato, temos bons atores e valorosos autores teatrais.

Isto basta.

Fechando o espaço, veio-me à telha analisar sucintamente a expressão ‘Leite em Pó Integral Instantâneo‘, composta de um nome básico (leite), de uma locução adjetiva (em pó, que não teria de imediato um adjetivo correspondente) e de dois adjetivos conhecidos, integral e instantâneo. Se alguém se atrevesse a reescrevê-la, estaria correto dizer ‘Pó Lácteo Integral Instantâneo’? Teria o mesmo valor? O que se pensa é: como a primeira se estabilizou com eficácia entre os consumidores, a segunda não faria sentido. Mas a visão inversa colocaria a primeira em segundo lugar, e a segunda, em primeiro. Ganha notoriedade a primeira construção frasal , e a que vier em segundo plano leva dias para ser aceita. Não estamos discutindo algum erro, que não há. Buscamos o lado de nossos costumes: ninguém iria mudar ‘Não chore o leite derramado’ para ‘Não lamente que a talha vazou a água da fonte’. Pode-se, entretanto, se for o caso, conforme o teor do alimento, dizer Composto Lácteo Integral e Instantâneo em Pó.

Abraços.

João Carlos de Oliveira

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