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‘Tão pouco’ ou ‘tampouco’? O mesmo que dizer ‘também não’?

Ele saiu, mas nem avisou para onde iria. Ele saiu, tão pouco avisou para onde foi. Ele saiu, tampouco disse o que foi fazer.

A segunda parte de cada período acima tem significado diferente de uma para a outra? (Certamente, não.)

Nem sempre, devemos ou podemos seguir o que determina a norma culta da Flor do Lácio, nome simbólico do nosso idioma, surgido da expressão italiana onde teria nascido o Latim, que originou o Português. Fiore di lacio, em Italiano; Lacium flos, em Latim.

Esse nome lembra o nosso Olavo Bilac, o Poeta das Estrelas, autêntico e simples, com poesias belas, que deixou belo soneto que retrata a origem do nosso falar, ‘Língua Portuguesa‘, chamando-a Última flor do Lácio (inculta e bela).

Seguindo ou não a norma culta, para uns por uma razão; o jeito popular, para outros por outro motivo, temos no dia a dia as duas expressões, que circulam livremente tanto na linguagem jornalística, falada e escrita, como na coloquial.

Manoel está aí?, pergunta o amigo que o procura.

Não sei, responde o consultado. Vou saber de sua irmã para onde ele foi, completou.

Olha, rapaz, ela disse que ele saiu, que não sabe pra onde, ‘tão pouco’ que hora volta.

Uma maneira de como é usada a expressão no nosso falar descontraído.

Seguindo o rigor do idioma, ‘tão pouco’ seria impróprio em momento solene. ‘Tão’, nascido de tam, latino, é o mesmo que tanto, e junto com certo adjetivo ou advérbio forma expressões cotidianas, e ‘tão pouco’, uma delas, tem múltiplo uso.

Por que você comeu tão pouco hoje, Joaquim? Está enfastiado, cara?

Ele fala tão pouco, que parece um mudo; fica tão envergonhado quando vê gente de fora, que não gosta de se manifestar.

Fora desse tom, uma grande parte usa ‘tão pouco’ como se fosse ‘tampouco’, o mesmo que ‘também não’, advérbio que expressa a fala mais explicitada: ‘Ele saiu não sabemos para onde, tampouco disse a que horas volta’. Essa fala não é popular.

A culta é que invade a popular quando usa ‘tão pouco’.

E as duas, como se entende, têm sua dimensão paralela: o que uma fala, a outra não usa, e vice-versa.

Outros vieses redacionais: Ele saiu, nem tão pouco disse para onde ia.

Ele saiu, e nem tão pouco disse o que ia fazer.

Ele saiu, tampouco avisou para onde foi.

Ele saiu, e tampouco disse para onde.

Ele saiu, e tão pouco avisou para onde foi.

Ao frigir dos ovos, uma não deixa de ser a outra, e todas se equivalem.

Qual seria a mais bonita ou a ideal?

No popular, ‘tão pouco‘ pega bem, ao contrário de ‘tampouco‘.

No culto, ‘tampouco‘ vai bem, ao contrário de ‘tão pouco‘. O modo ou o momento de usar cada uma dá a resposta.

Nenhuma delas precisa de um ‘e’ aditivo; basta dizer ‘tão pouco’ ou ‘tampouco’.

Tampouco, uma delas precise de um ‘nem’ com o valor semântico de ‘não’.

Isso quer dizer que o usuário não estaria bem seguro de como usar uma ou outra expressão. Não há necessidade de algum acréscimo: saiu, tão pouco avisou para onde foi; saiu, tampouco avisou para onde foi.

Os acréscimos ‘e’, ‘nem’ ou ‘e nem’ são meramente redundantes, mas são usados para dar ênfase, um ‘arroubo’ desnecessário e/ou improdutivo.

‘Tão’ combina com muito e pouco, e praticamente com qualquer adjetivo (tão bonito, tão lindo, tão gordo, tão magro, tão feio, tão pequeno, tão grande etc.; há uma infinidade de opções) e ‘tampouco’, o mesmo que ‘também não’, como explica o compêndio, já está pronto e teria ‘dose única’.

Compare esses aspectos e veja se seriam do jeito que você usa ou outras pessoas.

Ainda não tinha visto uma pessoa tão grosseira. Ela parece tão inteligente como seu pai, que é advogado. Esse cara é tão insuportável por ser tão presunçoso, que ninguém gosta dele. A menina agiu tão rapidamente, que se salvou de ser picada pela cascavel.

Suas ideias não nos convencem, tampouco as de sua turma.

Não chora, tampouco demonstra qualquer emoção.

E de onde vem esse advérbio com cara de esnobe?

Tão pouco é o popular, e pela sua variedade de sentidos, foi criado ‘tampouco‘, uma aglutinação de ‘tão pouco’, linguagem de quem quer falar com certo charme, que no fundo tem a mesma significação: Não paga suas contas, tão pouco se justifica (linguagem popular). Não é benquisto aqui, tampouco liga para isso e continua vindo todos os dias ‘encher o saco’.

Isso não bastaria para se entender um caso e outro? Não se justifica explicar para onde ‘a água do riacho corre’, basta dizer que chega ao rio que está à sua frente, como as duas expressões, bonitas ou feias, populares ou cultas, dizem a mesma coisa: Não trabalha, tampouco procura emprego. Saiu agora, tão pouco disse o que foi fazer.

Cada um deve escolher o momento de usar uma ou outra. Na tese de mestrado, ‘tampouco’; na fala com os amigos, ou na redação comum, ‘tão pouco’, que tem o mesmo aspecto. Meio-metro e um milímetro a mais ou a menos, se não se trata de medida científica, tem o mesmo tamanho.

Descubra se seu dedo mindinho da direita é maior ou menor que o da esquerda, e pronto.

Para fechar o de hoje, algumas expressões podem ser debatidas: 1. A reportagem diz que ‘um caminhão caiu de uma ribanceira na estrada’. Ora, o caminhão, certamente, não estava ‘numa ribanceira’; estava na rodovia, e despencou, ou caiu, NUMA ribanceira. 2. A senhora exigente diz que quer ‘a roupa sobre medida’ para usar na festa de formatura do parente. Deve-se entender que ela deseja a roupa de tamanho adequado a um critério que escolheu (roupa longa, roupa justa ao corpo, roupa curta etc., com mangas tais ou sem mangas etc.), para o que se entende que exige uma indumentária a seu gosto: sob medida. 3. Paixão, no veio popular, é dado como vocábulo de sentido passageiro, fugaz, tal ‘o fogo de palha’, que logo se esvai. O dicionário lembra ‘o sentimento muito forte, excessivo; movimento violento; arrebatamento etc.’ Notamos, então, que os conceitos são diversos. Em um momento, o marketing diz, por exemplo, que ‘A goiabada é paixão nacional’, a insinuar algo ‘duradouro, de inteiro uso por todo o País’, o que significa o ‘não-passageiro’. O dicionário deverá alterar o significado de paixão e apaixonado? Ademais, diz-se ‘fulano é apaixonado pelo que faz’, insinuando ‘muito tempo, de toda a sua vida’.

Até a próxima. Obrigado por ter visitado este sítio, meu, seu e de todos nós.

João Carlos de Oliveira

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