São curiosas essas expressões? Mas seriam corriqueiras.
Acatam a norma gramatical? Ou isso não interessa ao usuário, geralmente, um falante?
Certo é que vivemos uma linguagem diversificada, e estas falas são próprias do cotidiano, muito mais da linguagem falada, podendo aparecer em algum momento na forma escrita.
Se Falou com nós não pode, mas por que pode haver ‘Falou a nós‘ sem nenhuma repressão quanto à norma culta? O erro seria por causa da preposição com?
A senhora Gramática Normativa, como se sabe, embora não dê muita satisfação, abomina essa fala ‘desengonçada’, mas ‘tradicional’ em um Brasil de muitas faces, alegando que devemos dizer Falou conosco. Nada mais.
Para acrescentar uma defesa ao uso dessa pérola, que o é pela sua normalidade no garimpo da vida in natura, tal uma turmalina que enfeita o chão árido, podemos dizer Falou com nós dois, com nós aqui de casa, com nós outros, e um tanto de ‘nós’, desde que seja acrescentada uma qualificação adiante: Falou com nós daqui de nosso bairro, com nós três, que condenamos esse linguajar mal-ajambrado, que circula em muitas rodas de falares regionais.
Caro leitor, se quisermos conhecer melhor o Português do Brasil, devemos primeiro conviver com esses dizeres e outros mais, e depois usarmos a forma culta no momento adequado, sabendo do que diz ‘a senhora Gramática Normativa’; ela é que dá as ‘normas’, por isso, chamada ‘normativa’.
E não se assuste; entende-se, de tanto usada, que a expressão ‘falar com nós’ não é considerada ‘errada’. Seria desconcertante ‘falar com eu’. Ainda assim, existe: ‘Falou com eu, mãe, que sou feio’, e veio uma briga doida entre meninos vizinhos que se estranhavam há muito, e os pais não sabiam. Andavam sempre juntos, não para brincar ou se divertir, mas para digladiar, e saber quem seria o mais forte ou poderoso. Estranho? Esse seria o comportamento de Buião e Xavier, dois meninotes daquele lugarejo à beira do rio Itapecuru-mirim, no Município de Jacobina, Bahia, onde morei até a adolescência, e já fazia alguns versos para a Natureza ouvir, pois ela não ‘mangava d’eu’.
Também, não devemos usar ‘falar com tu’, mas falar contigo. E se não podemos usar ‘falar com tu’, por que podemos tascar à vontade ‘falar com você’? Tu e você são pronomes de tratamento, e nessa hora eles se estranham? Um tem o direito de ser ‘correto’, você (falar com você), e tu, o outro, não pode ter essa mesma liberdade? Isso é uma baita discriminação da senhora Gramática Normativa, que foi redigida por homens cultos, que impuseram aos usuários muitos critérios.
Por quê?
Como professor do idioma nacional, o Português do Brasil, e fiz muitos cursos ‘práticos de aprendizagem’, para poder dar aulas no ensino fundamental e médio, embora já tivesse o Curso de Letras, jamais um mestre nos explicou o motivo desses porquês.
Nestes dias, venho buscando uma resposta, e seria esta: tu, belo pronome, tão poético, não pode funcionar como ‘complemento verbal’, tal a fala solta e desengonçada ‘ver tu’, ‘amar tu’, ‘gostar de tu’ etc. porque é o sujeito da frase. Mas o ‘você’, muito ousado e versátil, pode: ver você, amar você, gostar de você etc.: ora, o sujeito; ora, objeto direto ou indireto.
Ponha ‘chato’ nisso, nobre visitante!
Tu veio da linguagem latina (tu), forma da 2a. pessoa do singular (caso reto), empregada como sujeito, que teria cheiro de naturalidade. Tem a mesma forma no Espanhol e no Castelhano, porém, com a grafia tú (pois tu, o natural deles, equivale a teu, tua, teus, tuas); o nosso só pode ser ‘o mandante da ação’ na frase: Tu és, tu foste, tu disseste, tu dizes, tu amas etc.
Não vemos mérito nisso. ‘Tu’, dessa forma, é discriminatório e deveria cair no ostracismo, ou ser ‘preso’, pela radicalização, pela imposição social, limitando o direito natural de falar de cada cidadão, como lhe der na telha.
Pode-se usar Você me ama, e eu amo você, mas não se pode dizer Eu amo ‘tu’. Temos que dizer Eu te amo, ou Eu amo a ti (esta variante poucos usam). Vou amar você, que passamos para Vou amá-lo, mas não podemos dizer Vou amar tu, mas somos obrigados a falar Vou amar-te, Vou te amar.
Rapaz, isso é de doer.
E voltando ao começo: falar com você pode, mas falar consigo, não. Falar contigo pode, mas Falar com tu, não.
Isso não é contraditório?
Falar consigo só pode quando o cara fala com ele mesmo: fala com seus botões, ou fala consigo, e redundantemente, fala consigo mesmo. Se falar consigo já é falar com ele mesmo, por que falar consigo mesmo, consigo próprio?
Para um aprendiz estrangeiro isso é um nó que não desata, nó-cego, tão chato quanto a norma culta.
Aprendi, falando a linguagem de pai para filho, que a expressão “Cumpade, preciso falar consigo”, tão solene, e usada com abundância num Brasil histórico, hoje não pode mais. Tem que ser Cumpade, preciso falar com Vossa Senhoria (com o Senhor), e daí muitos passaram a usar Falar com Vosmecê, que deu, mais tarde, esse tal de você, malandro e sutil.
Num jantar, o cidadão, que foi espezinhado pela esposa, que dele reclamou por lhe passar a mão em certa parte do corpo (dela), que ele a via quando os dois estavam na alcova, ou no banho, ele teve que se dirigir a ela neste tom: Vossa Excelência, aceita a salada?
E ela respondeu: Não, Majestade, eu não gosto deste tipo de salada (era só pepino cortado às rodelas), e por que falam que ‘salada’ é uma mistura disso e daquilo. Salada com uma coisa só é incoerente. Salada de tomate, apenas, não é salada; é tomate. Salada de alface, não é salada; é um cortado de alface.
Salada é um conjunto de várias verduras: para ficar colorida, e atrair o degustar, a vontade de dar uma saboreada.
‘Pois bem, meu amigo, a senhora Gramática Normativa, ou o léxico, um imperador, que manda e desmanda, diz que salada é ‘um composto de várias hortaliças’ (…), e então se ‘só tem uma’, como é que é salada?
Para fechar a bobajada de hoje, vejamos o que disseram alguns:
“Hoje sai os valores (…)” (sic), para dizer que os ‘valores’ de certa aposentadoria, fundamentada em decreto federal, vão ser determinados…
“Se for comprovado os crimes (…)”, falando-se de certo cidadão que cometeu vários crimes, para dizer que ‘se forem comprovados os crimes’, poderá pegar vários anos de cadeia (de reclusão).
“Só restou as carcaças (…)” (sic), de uma reportagem sobre cetáceos mortos à beira de uma praia.
Por tudo isso, preferível a linguagem ágrafa, própria do cidadão que não sabe escrever, e a usa de maneira simples, bem à vontade: Compadre, tão devagar assim, nóis num chega lá nunca (…), e ‘óia’ que eles chegaram.
Pior isto, embora seja um descuido: A vazão da água aumentou depois do aumento (…).
Abraços.