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Criança de um ano morre ‘afogado’. Se se trata de ‘criança’, por que não usar ‘afogada’?

Diuturnamente, como diria um amigo, com tendências políticas, e grande orador, de voz possante, que gostava de chamar a atenção da plateia com uma palavra ou frase marcante, aparecem à nossa frente termos e expressões que fogem à norma gramatical.

A reportagem jornalística relata, em tom triste, considerando-a uma ‘tragédia’, a morte de uma criança em recinto familiar. Expõe a manchete: ‘Criança de um ano morre afogado‘.

Em nenhum momento, a teoria gramatical registra que o vocábulo criança seria comum-de-dois-gêneros, para que se pudesse usar um qualificativo tanto masculino como feminino para indicar o sexo: o criança, a criança; criança lindo, criança linda; um criança, uma criança; pequeno criança, pequena criança.

O vocábulo criança é sobrecomum, como diz o léxico: s. f. 1. Ser humano de pouca idade, que está na infância; infante. 2. Pessoa infantil, ingênua.

Criança é sempre ‘a criança’, mesmo que seja menino ou menina. Para a indicação do sexo, um qualificativo ou determinante deve vir em seguida. A criança é um menino; a criança se chama Beatriz; a criança do sexo feminino (masculino), que nasceu com saúde, é robusta e linda.

Trata-se de uma criança; nada mais. Conforme o necessário, o sexo é esclarecido ou pode ser indicado com nome próprio ou qualificativo. Tudo fica esclarecido.

Se a linguagem muda, pode-se mudá-la para uma expressão mais forte ou mais clara. Se vier algo em forma de ‘remendo’, pode ocorrer prejuízo de clareza, o que desagrada e não substitui o original. Criança morre ‘afogado’ seria para dizer, de forma imediata, que se trata de um menino?

Isso serve? Por que a pressa? O imediatismo invade a privacidade das pessoas até na linguagem, com a linguagem, através da linguagem? Não seria essa forma um hábito ou coqueluche do momento?

Criança de um ano morre ‘afogada’ deveria ser a estampa da manchete, e, em seguida, enriquecendo o texto, com todo o charme do redator, é que se diria de quem se trata: um menino, podendo ser dado o nome, como foi, mas nem sempre com a obrigatoriedade da imagem. Dizem que não se pode divulgar a imagem de uma criança em caso de haver crime ou fato que viole a lei, como expor imagens de vulneráveis, ação proibida pelo ECA, mas de criança que faleceu pode ser divulgada com naturalidade? A imagem do rosto da criança foi exposta. Por quê? Trata-se de uma comoção? Sim, trata-se de uma perda, injustificável, talvez, por negligência de pais ou responsáveis, mas a imagem não deveria ser mostrada.

Inova-se na forma de divulgar e descumpre-se a regra salutar do respeito ao ser humano?

A linguagem ‘apressada’ pode pecar em alguns momentos, uma vez por descumprimento da lei; outra por desrespeito ao ser humano, e, ainda, podendo haver fatos por descumprimento da norma gramatical, vindo a lume a linguagem estapafúrdia. Não se trata de liberdade de expressão nem de criatividade poética, como uma metáfora supimpa.

Criança morre afogado seria silepse de gênero?

No Sertão, nos tempos em que não havia energia elétrica nem telefone, nem outro recurso para se dar a boa notícia, quando nascia uma criança, o pai soltava um rojão ou foguete com certo número de estampidos: dois indicariam que a criança era um menino, e três, uma menina.

Daí a pouco, chegavam os vizinhos para tomar ‘a temperada da parida’, uma cachacinha com raízes ou folhas, tudo bem misturado. Ou o compadre, aquele que já teria batizado um filho desse pai, ou o que foi escolhido previamente como padrinho da nova criança, traria um capado para fazer a festa, e os vizinhos se fartavam. A mamãe comia o pirão da galinha gorda, ou do capado (o frango) que foi antes, um pintinho crescido, castrado 90 dias em data anterior, para servir de almoço ou de jantar por alguns dias para a mãe de resguardo, e a senhora-parteira sorria à vontade ao lado, admirando a ambos, mãe e recém-nascido.

Nos dias atuais, estão mudando (com que autorização?) muitos termos da Gramática, sem haver uma figura de linguagem, sem ser uma metáfora, sem ser uma licença poética, ou outra justificativa. Isso é bom? Preferível que não fosse desse modo. A mudança pode não ser clara.

A bebê nasceu doentinha‘, disse alguém.

Bebê é termo masculino, mas tem sido usado como de dois gêneros: o bebê, para o menino; a bebê, para a menina.

O registro gramatical é: Bebê ou bebé s. m. (bébé, termo francês), com o significado: 1. Criança pequenina; nenê. 2. Bebê de proveta, criança oriunda de um ovo obtido pela fecundação, em proveta, do óvulo pelo espermatozoide.

Nesse registro léxico, podemos notar: a grafia nenê tem a variante neném; bebé, com pronúncia aberta, seria uma forma não usual (não se ouve no dia a dia ‘o bebé‘, para indicar menino ou menina. Já se ouviu dizer que a menina tinha o apelido de Bebé, usado em toda a sua vida; até Dona Bebé, a senhora já casada, mãe de grande prole, registrada como Maria da Silva Viana de Oliveira (nome fictício). O Francês criou esse nome por questão da onomatopeia, indicando o choro repetido de uma criança ao nascer logo após o pediatra lhe dar um tapinha nas nádegas, como seria a regra? Não pense que esse médico ou médica possa dar uma ‘sacudidela’ na criança. Isso poderia desconjuntar seu organismo. Imagine uma criança com ‘ossos de vidro’ já levar uma baita sacudida no seu primeiro momento de vida ao ar livre!

Comentário paralelo serve para indicar os costumes deste País, que se vão perdendo aos poucos, o que não é bom. Além desse aspecto, busca apresentar termos da fala regional, já que naquele tempo pouco se escrevia, e melhor assim, já que a fala de pai para filho foi salutar, e hoje o internetês teria grafias e significados inusitados.

O texto do léxico sobre os termos criança ou bebê não revela sexo, só diz se tratar de substantivo, masculino (bebê) e feminino (criança). Depois é que se diz menino, menina, ele ou ela, com o devido nome, e sua qualificação: lindo, linda, bonito, bonita etc. Bom para o nosso falar e escrever.

Não podemos, individualmente, mudar o léxico ou a gramática, mesmo que tenham defeitos ou lacunas, como têm. Daqui a pouco, alguém vai gritar que é ‘seu direito’ alterar os anais da História, porque assim o quer, chegando a dizer que o dicionário deve ser mudado. Não é mudar o dicionário; corrigir alguma distorção quanto ao uso de um termo, sim, em especial, se tiver emprego pejorativo, haja vista hoje a dicotomia entre o que se quer dos termos ‘preto’ e ‘negro’, e estão inventando, o que só complica e pouco esclarece.

Mudanças pode haver, mas são seculares ou milenares; não de um momento para outro que as coisas sejam ao pé da letra como a fama de alguém o exija.

Num texto jurídico falando do contrato de namoro, a vida a dois, sem dar dada como comunhão estável, uma vez que não se trata de casamento, uma inovação dizer ‘a cônjuge’, e há quem diga ‘a cônjuge feminina’. Há quem condene o homem simples que diz ter ‘três filhas mulher’ e ‘dois filhos homem’, mas se se trata de pessoa que não escreve, perdão. Por que a ofensa?

Se um moderno diz ‘a cônjuge’, chegaria usar ‘o cônjuge homem‘ ou ‘a cônjuge mulher‘? O Direito de tempos idos usou ‘o cônjuge varão’ (o marido) e ‘o cônjuge virago’ (a esposa), sem alterar o gênero da palavra cônjuge, que é masculino-sobrecomum, servindo para ambos os sexos.

Fiquemos aqui. Obrigado pelos olhares.

João Carlos de Oliveira

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