Muito bonita e filosófica, com ampla forma de ser entendida.
Incrustada na visão política, também seria uma forma de se entender a extensão de algum trabalho social: se pessoas moram na cidade, se a cidade é beneficiada, as pessoas também são beneficiadas.
Um silogismo, com as três premissas, possivelmente verdadeiras, e todo o seu campo semântico.
Divulgada por uma prefeitura, não foi citada sua origem, com o seu autor, ou se transcrita de alguma obra. Seu princípio filosófico e sociológico é visível, restando saber se a prefeitura cuida da cidade com ‘obras’, que resultariam em benefício para o povo, ou se de fato ‘cuida com zelo pela saúde das pessoas’. Se foi obra, que não tenha havido algum dano posterior, se a Natureza não foi prejudicada; ou que comunidade, restrita ou não a um grupo, foi agraciada com o mérito da obra indispensável (esgotamento sanitário, pavimentação de via pública, escola comunitária, ‘oficina de aprendizes’ etc.), aspecto que não ficou claro.
Pode-se dizer que a recíproca desse enunciado é verdadeiro: se cuidamos das pessoas, se as pessoas moram na cidade, a cidade também é beneficiada.
Em outro momento, a redação poderia ser esta: Quando cuidamos da cidade, também cuidamos das pessoas.
As variantes não alterariam o conteúdo da mensagem nem a semântica da frase, serviriam como efeito de linguagem, apelativa ou não, para que o povo se sentisse honrado.
‘O senhor prefeito municipal se sente grato em favor do povo desta cidade pelas obras realizadas no bairro Turmalina*, pois quem cuida da cidade, também cuida das pessoas’, uma hipótese de redação. Mas essa não seria a escolhida em virtude de sua extensão para ser exposta em um outdoor.
(Turmalina, nome fictício.)
Teria sido preciso, ainda, que o ente público mostrasse os dados estatísticos dessa obra e comprovasse a veracidade dos fatos, para que o argumento venha a ser lógico e não haja qualquer refutação.
Fora isso, torna-se, apenas, uma frase de efeito, sem nenhum resultado prático.
Seria similar a ‘Se o povo vai a Roma, se eu sou um membro desse povo, eu também vou a Roma’? Mera suposição.
‘Não sou dono do Mundo, mas sou filho do Dono (portanto, também tenho parte no Mundo)’, que seria frase de para-choque de caminhão; talvez, em música de caráter popular. A parte entre parênteses, uma possível extensão de significado.
Essas mensagens são belas e têm sua razão de ser: o momento, o porquê, se se trata de uma homenagem, mas o autor da frase deve ser citado, por respeito aos direitos autorais e ao escritor que a produziu. Se frase do chefe municipal, mesmo assim a introdução: Disse o Senhor Prefeito: Quem cuida da cidade, cuida das pessoas.
Bonita e mais abrangente quanto ao autor da mensagem.
Mensagem há em camisa de propaganda com frase ilustrativa sem ser citado o seu autor, e muitas dessas frases sofrem alteração, até as bíblicas, com tratamento misturado, o que não é bom. Não seria um plágio?
Além disso, fitemos nosso olhar na possibilidade de a frase, daí para a frente, ser reescrita com várias redações, diferenciando a visão semântica.
Sabemos da história de uma frase dita ao ouvido de alguém (de aluno), e este a repassa ao próximo, e assim sucessivamente. O último da fila é que a diz em voz alta para todos os presentes. Neste momento, um coordenador analisa a primeira frase, falada ao ouvido de uma primeira pessoa, e a última dita em voz alta para todos.
A diferença é muito grande. Nãos se sabe de algum fato que diga que a frase inicial foi mantida. Não há como. Vale muito o ditado: Quem conta um conto, aumenta um ponto.
Vamos fechar o comentário com esta observação.
Uma reportagem policial estampa em seu final a seguinte frase: “Feito a busca no local, nenhuma arma foi encontrada” (sic). ‘Feito‘, nesse momento, é o particípio do verbo fazer. Ele tinha feito todas as suas obrigações (voz ativa). Todas as suas obrigações foram feitas por ele (voz passiva). Nesse caso, mesmo sendo particípio, mas com valor de adjetivo, esse particípio deve ser flexionado acompanhando o gênero do substantivo a que se refere. Busca é palavra feminina, razão por que a redação deveria ter sido: “Feita a busca no local, nenhuma arma foi encontrada”, isto é, A busca foi feita, e nenhuma arma foi encontrada (tanto nesta forma de redigir como na voz passiva anterior).
A propósito, ‘feito’ pode ser substantivo masculino, com vários significados: ação, ato, ato heroico, façanha, processo jurídico, realização. O grande feito de Tancredo Neves, como Primeiro-Ministro do Brasil, foi conciliar os membros da Câmara Federal e do Senado na época do Parlamentarismo, logo após a renúncia do presidente Jânio Quadros, para que a República Federativa do Brasil não ficasse destroçada, já que havia algumas tendências, e a ‘res publica’ não deixasse de ser cumprida, em provável prejuízo ao povo.
Pode ser, também, adjetivo com o sentido de realizado, cumprido, consumado, constituído; adulto, amadurecido.
O grupo de estudo foi feito. Feito o trabalho, todos ficaram satisfeitos. Esse menino já está homem feito.
Como conjunção, tem o valor de ‘como, do mesmo modo’: Chorei feito uma criança. Ela gritou feito uma desvalida, tão atordoada que estava.
Hoje, uma homenagem à senhora que sofreu por mais de 70 anos em trabalho similar ao da escravidão (como ‘empregada doméstica’). Alguém da gente ‘empregadora’ disse que não lhe pagava salários por considerá-la membro da família.
Por mais de 70 anos? Meio século, e muito próximo a um quarto de século. Isso é pesado.
Sendo entrevistada por uma repórter, a senhora que viveu ‘essas agruras’, por todo esse tempo ‘centenário’, chorou e num momento disse: “Fico com receio de pegar na sua mão branca” (segundo um artigo), o que dói muito.
Esse momento nos lembra o poema de Manuel Bandeira
Irene no Céu
Irene preta
Irene boa
Irene sempre de bom humor
Imagino Irene entrando no céu:
– Licença, meu branco!
E São Pedro bonachão:
– Entra, Irene. Você não precisa pedir licença.
Por que guerra e escravidão ainda existem e persistem?
Abraços.