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Nem um, sequer, veio. Nenhum deles veio. Ele não gostou nem um pouco (do que você disse). Ele não gostou ‘nenhum’ pouco…

Muito populares, essas expressões, às vezes, irônicas, sarcásticas e até metafóricas, podem vir com ‘nem um’ no lugar de ‘nenhum’ ou vice-versa.

Em nenhum momento, a última frase está correta (semanticamente).

Ele não gostou nem um pouco da palestra. Ele não gostou da palestra, nem um pouco.

Seriam de uso fácil, tal a sua coloquialidade, mas mesmo assim podem aparecer trocadas, pelo fato de a linguagem oral não distingui-las: a pronúncia de nenhum tem o mesmo tom de nem um, ainda mais no Português brasileiro, tão variado de Norte a Sul, de Leste a Oeste.

Não adianta impor regra de Fonologia dizendo isso e aquilo; é preciso deixar cada um ‘meter a mão na cumbuca’ e tirar dela o que mais lhe convier: nossa cultura é diversificada, e assim deve continuar, respeitando-se os costumes regionais.

Se na pronúncia as duas falas pouco se distinguem, razão por que a escrita pode vir trocada.

Esse o motivo do comentário de hoje.

Na sua redação analisando hábitos, o autor do texto, e deve ter sido por um lapso, registrou “Ele não gostou nenhum pouco” (sic).

Em outro momento, como se usam Nenhumnem um?

O nenhum, dessa frase, apareceu como pronúncia, mas a escrita nem um fala mais alto pela sua semântica: nem um pouco (nada).

Não gostaram nem um pouco (isto é, sequer gostaram um pouquinho) do que foi dito.

Nenhum, pronome indefinido, segundo um compêndio, tem origem na expressão latina nec uno, que significa nem um. Pode ter o sinônimo ‘ninguém’, que entendemos que valha a mesma coisa de ‘nenhum vivente, nenhuma pessoa’.

Se, então, nenhum tem a mesma semântica de nem um, eis a razão de serem confundidos, mesmo na linguagem culta escrita, Desse modo, a popular escorregaria em maior dose.

Para mais uma comparação, nenhum é como se fosse algum negativamente. Isso fica claro quando usamos ‘Nenhum deles veio’, tanto afirmando ou negando. Alguém deixou de fazer o combinado.

Troquemos essa expressão por ‘Algum veio’ (afirmando), ‘Algum veio?’ (interrogando) e ‘Algum não veio’, só que esta parece não usual, mas está correta, semanticamente, equivalente a Nenhum veio e Ninguém veio. Temos a conclusão de que podem parecer complicadas na escrita.

A propósito, da família de nenhum temos o advérbio nenhures, que dizer ‘em lugar nenhum, em parte nenhuma’. Nenhures, neste Brasil, encontramos uma pessoa que faça elogios aos políticos de modo amplo e irrefutável.

Como oposto, existe algures, advérbio, com o sentido de em algum lugar. Algures, em todo o Nordeste, há moças bonitas. Algures, em todo o Brasil, o povo tem bairrismo político, o que pode gerar algumas desavenças.

Curiosíssimo será o uso do advérbio de negação nenhumamente, um neologismo meio estranho, mas que existe.

Nenhumamente, Pedrinho, você pode fazer o que fez: xingou a moça do consultório, simplesmente, porque lhe disse que o médico não estava.

A Gramática Normativa diz que ‘nenhum’, pronome indefinido, tem as flexões: nenhum, nenhuma, nenhuns, nenhumas, do mesmo modo (repitamos) como usamos algum, alguma, alguns, algumas.

Curioso seria mostrar que para ‘nenhum’ e suas flexões, temos ‘ninguém’, que não flexiona, da mesma forma que para ‘algum e sua família’ temos ‘alguém’, também invariável. Basta que o usuário analise suas frases, orais ou escritas, e possa fazer a devida substituição.

Nenhuma pessoa compareceu à reunião. Ninguém compareceu à reunião. Algum indivíduo inescrupuloso jogou lixo no córrego. Alguém inescrupuloso jogou lixo no córrego.

Concorda com esse estilo? Já fez uso de frases assim, ao redigir um texto, e lhe vier à telha a ideia de trocar algum termo? E nenhum coube? Tente de novo, que vai dar certo.

Ao lado de alguém e ninguém, que seriam usados somente para pessoas, temos o uso de ‘tudo, outrem, nada, cada, algo’, muito abrangentes, uns usados para coisas inanimadas; outrem (outra pessoa) para os seres humanos; mas cada um e cada uma podem ser para pessoas e coisas, como cada qual.

Esse uso se dá naturalmente, sem se sentir, talvez, esses aspectos. Uma explicação é que não seria tão convincente, ou a norma não trata diretamente dessas diferenças.

E para algum e suas flexões, nenhum e suas flexões, usamos as variantes todo(s), toda(s), outro(s), outra(s), muito(s), muita(s), certo(s), certa(s), pouco(s) e pouca(s). Cada momento constitui uma fala ou o uso escrito ao gosto de alguém, com base em seu estilo, o que devemos acatar como normal.

Um item fica claro na explicação gramatical: indefinidos são pronomes de 3a. pessoa gramatical que se referem a coisas ou pessoas de modo vago ou indeterminado. Mas faltou dizer: 3a. pessoa do singular e do plural.

Nenhum cidadão nesta cidade é de origem árabe. Nenhuma professora nesta escola leciona sem ter curso superior.

Ferreira Gullar, o grande poeta maranhense, deixou este registro:

“Uma parte de mim

é todo mundo:

outra parte é ninguém:

fundo sem fundo.”

Podemos pensar sobre a poesia deste poema, sem explicações necessárias. Fica clara a mensagem figurada, e pronto.

Para fechar, algumas frases com os dois termos.

Nem um deles, dos cinco irmãos, compareceu ao ato fúnebre. Nem um sequer.

Nenhum dos cinco irmãos compareceu ao ato fúnebre. Nenhum deles.

Nem um, um unzinho, sequer, pagou a conta de energia. Por isso, foi cortada.

Temos sofrido tanto com a má política, que nenhum receio existe de ficarmos sem um bom governante.

Eram dez pessoas; nem uma delas foi ao evento.

Nenhum teve a hombridade de respeitar o corpo estendido ao chão.

Fizeram todos os tipos de bolo para os convivas, e todos, sem exceção, não gostaram, nem um pouco, do bolo de milho vermelho. É uma pena.

Isto basta.

No fundo, semanticamente, ‘nenhum’ é o mesmo que ‘nem um’; a escrita é que pode diferenciar.

Não gostamos de nenhum carro mostrado, por isso, vamos a outra concessionária.

Vimos tudo e não gostamos nem um pouco do que foi dito. Há pessoas preconceituosas.

Fica assim, meu caro.

Eu volto em breve.

João Carlos de Oliveira

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