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A gente vai. Nós vamos. A gente vamos. Nós vai. Qual destas é a melhor expressão?

Usadas no dia a dia, todas são válidas. O nível socioeconômico do usuário nesse momento não tem valia; o que importa é o resultado do enunciado: se deu certo, se teve bom efeito, se implicou bom entendimento.

Essas frases comunicam e têm seu momento de uso; sempre um porquê.

A gente vai é o popular, que equivale a nós vamos, mesmo que aconteça em primeiro plano na linguagem falada, mas num instante, para demonstrar simplicidade, para estar inserido no contexto do ‘povão’, sem ser aquele com ar de político demagógico, a gente vai tem boa pedida: no poema, na fala de um sindicalista, na linguagem de um médico com uma criança ou pessoa simples, na introdução da palestra em que o mestre numa área quer estar ao mesmo nível de seu ouvinte, na primeira aula de um professor com alunos desconhecidos, pois o ‘fessô’, ou o ‘profe’, gosta de um papo ‘saudio’ com a moçada (moços e moças) para ser bem rasgado, o pedagogo sem frescura.

E assim ela se perpetua. A gente vai. A gente compra. A gente diz bobagem. A gente fala pelos cotovelos, e ‘somos compreendidos’. O que não vale é a escrita ‘Agente chega cedo’, ‘Agente chegamos cedo’. (A fala não registra o lapso. Pior quando a loja escreve ‘apartir’ de… à prazo, Ass. à gerência.) Etc.

Gente, termo feminino. A gente é humana. Essa gente é rica.

Agente, termo masculino. O agente do órgão atende a todos com presteza (para que não seja similar a muitos por aí).

Gente, do Latim gens, gentis, com o significado de família, é a quantidade de pessoas, povo, multidão, habitantes de um país, população etc., mas no contexto popular usamos esse substantivo feminino para designar o ‘nós’ do dia a dia, do momento de alegria com amigos.

Muito bom quando o chefe diz: “Você quer ir com a gente? Você quer falar com a gente?”

De gente temos a família etimológica gentalha, gentil, gentílico, gentileza. E já que hoje criam palavras, que seriam neologismos de muitos outros termos, como usam palpitear, nascido de palpite (Palpiteie os numerais que vão cair na Milionária), podemos criar ‘agentizar’, agir como gente, como pessoa simples. Izar é sufixo formador de verbos, e vem sendo usado para tudo, desde o momento em que alguém, notoriamente, quer ser destaque na mídia e cria um verbo diferente: descriminalizar, o mesmo que descriminar, e, embora possam atuar em contextos diferentes, são sinônimos; uns não querem usar ‘associar’, mas ‘assocializar’, e vão andando com sua carga de verbalização muito forte. ‘Customizar’ abriu esse leque, e alguns verbos terminados em izar seriam estapafúrdios.

Agente pertence à família de agir, agência, agenciar, agenciação, agenciadeira, agenciador, agenciamento, agentivo, agencioso.

Reveja frases: agência de viagens, agência dos Correios, agência de notícias; agenciar recursos, agenciar mudanças (de costumes, de atitudes, de um lugar para outro). Espere o medicamento agir para baixar a febre. Certo ditador age de forma estranha e impõe uma guerra sem principio nem fim; torna-se, assim, um genocida. Essa mulher é uma agenciadeira: leva-e-traz de primeira linha.

Podemo-nos expressar com a articulação alternada de ‘nós’ e ‘gente’, sem ferir a Gramática.

Vamos lá, gente? A gente vai por aqui.

Podemos comprar um carro popular com esse dinheiro; o de luxo é caro. Assim, a gente vai economizar.

A gente poderia almoçar fora hoje? Cada um de nós (pode) ‘podemos’ pagar com cartão de crédito, e rachar os custos, para ficar mais em conta. (Ouvimos frases desse naipe no dia a dia.)

Se a frase ‘A gente vamos’ é condenada, como erro de concordância verbal, ou vício de linguagem, por outro lado poderia ser considerada ‘silepse de número’: o sujeito está no singular, mas o verbo vem no plural, com uma concordância ideológica: não ao pé da letra, concordando com o termo coletivo, com o que imaginamos: ‘a gente’ tem o mesmo valor de ‘nós’, logo, o respeito ao cidadão  iletrado, se usar ‘A gente chegamos cedo’, deve ser enfático e honroso: deixem o homem falar; ele está certo, e sua frase valeu: disse o que pretendia dizer.

Nosso grande Machado de Assis registrou nos Anais da História do Brasil a frase marcante: “Esta gente não terá vindo? Parece que não. Já saíram há um bom pedaço.”

Se (a) ‘gente’ já saíram, ‘a gente vamos quando nós bem ‘entender’, e não há que falar mal de nós.

Seria novidade o singular fazer o papel do plural, ou o plural fazer o papel do singular? Perguntemos isso ao doutor em linguagem: dirá que fica a depender do contexto.

Os Sertões é uma grande obra. Os Sertões são uma grande obra.

Lojas Americanas vende barato? Lojas Americanas vendem barato? (Lojas Americanas, pessoa jurídica, pode fazer a concordância verbal e nominal no singular e no plural.)

Tudo é flores. Tudo são flores. Dois Reais é pouco. Dez Reais são muito para comprar um pão.

Dezoito é pouco. Dezoito mil são muito dinheiro para comprar um carrinho de bebê, mas alguém mostra um que valeu vinte e cinco mil.

Nesse caso, recentemente, alguém escreveu: “Rússia pode invadir Ucrânia”, avalia EUA (saiu em uma manchete).

Os Estados Unidos da América são uma nação forte (diz a regra gramatical que o nome desse país, por estar no plural, exige a concordância verbal no plural).

Será que o redator considerou que ele não usou o nome por extenso, e sim a sigla, e por isso poderia usar o singular?

O uso da sigla não implica o singular: EU são um povo rico. EUA invadiram o Iraque. EUA fecham embaixada em Kiev. USA têm o maior exército do mundo?

‘Nós vai’ foge à regra, mas diz algo do cotidiano, e não pesa se essa expressão for usada por quem não conhece as regras gramaticais, pois quem as conhece usa ‘Segue em anexo os PDFs para sua análise’, escreveu o funcionário da empresa. No dia a dia, podemos encontrar ‘Foi encontrado com o suposto traficante várias armas de grosso calibre’.

Outras circulam com o mesmo aspecto: o sujeito vem no plural, e o verbo, no singular.

Se usam UTI’s no lugar de UTIs, CD’s no lugar de CDs, por que não se pode dizer ‘Nós é que vai dizer toda a verdade’, frase motivada pela verdadeira ‘Nós é que vamos dizer toda a verdade’. ‘É que‘, expressão expletiva, isto é, sem valor sintático, apenas para ornar o enunciado.

‘Ele é gente certo‘. (Usou-o com referência a alguém do sexo masculino?)

A vítima foi encontrado entre os escombros. Acontece obras por toda cidade (Obras acontecem por toda a cidade).

Obrigado.

João Carlos de Oliveira

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