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‘Vou correr atrás do prejuízo’, expressão idiomática interessante, que deve ser bem analisada

Para ilustrar outras similares, em que se usa ‘correr atrás’, muita coisa nos chama a atenção.

Um homem fez a visita aos compadres e saiu quase imediatamente sem dizer para onde iria.

Logo depois, chega um conhecido que queria vê-lo, e ‘pregunta‘: Cadê Joaquim, dona Maria? E ela responde: “‘Num’ é que o ‘marvado’ acabou de sair, mas ‘num’ disse pra donde ia.”

‘Vou atrás dele. Deix’eu correr atrás dele, que logo eu alcanço’, pensou ou disse, e saiu a pé, veloz como a tartaruga disparada a cem metros por hora.

Esses dizeres são típicos, e muito comuns ou até tradicionais, mantendo a linguagem caipira viva, que deve ser livre de preconceitos. Essa linguagem espontânea, pura, sem ‘mardades’, é muito boa e sui generis. Peculiar a alguns falantes. Cada um tem seu jeito de dizer, que não deve ser imitado. O estilo é próprio, e se um tenta imitar o outro, se não tem jeito para o caso, dá-se mal. Deixe a linguagem do outro e crie a sua.

Lendo a riquíssima Literatura de Cordel, aprendemos um pouco mais dos Regionalismos Linguísticos; até devemos elogiar o famoso Patativa do Assaré, grande cordelista e poeta cearense.

Nosso falar campesino é uma doçura, tão belo quanto o canto da rolinha fogo-pagô, a pomba carijó linda, de canto mavioso, que nos emociona, e deixa o sertanejo feliz da vida. Curioso dizer que essa pombinha, tão delicada e atenta aos predadores, modula seu canto onomatopaico de bico fechado. E repete: fogo-pagô, fogo-pagô!

Comparando um pouco mais, o professor de Inglês dizia a suas turmas que esse idioma tem muitas ‘expressões idiomáticas’, querendo insinuar que essas não seriam comuns em nosso Português. Ledo engano, e o mais ele estaria incutindo certo receio à meninada.

Todos os idiomas têm essas características, pelo fato de, em muitos momentos, não pudermos tomar as palavras ao pé da letra, o chamado significado ipsis litteris.

O sentido figurado é rico, e vêm as metáforas lindas, as hipérboles, os pleonasmos literários, as metonímias.

Melhor que as deixemos acontecer com naturalidade e que não as abominemos.

Para dar vazão a essa riqueza linguística, é que surge o comentário de hoje, e que elas devam ser aplaudidas (sugerimos), no lugar de as desprezarmos, odiarmos, abominarmos ou as discriminarmos.

O pior é que, muitas vezes, quem critica faz isso relacionando o momento, a expressão ou palavra, a uma pessoa inculta, e esse uso não é incultura. Trata-se muito mais de um costume, ou tradição regional, que deve ser mantida, para enriquecer ainda mais o idioma. É a cultura popular.

Uma língua não pode ter uma única linha de uso, a forma retilínea de ser usada, como se somente os que foram à escola é que podem usá-la. As formas culta e popular fazem um contratempo, e cada uma tem seu momento de ser, de existir, para que a mensagem seja entendida e aceita.

Bom dizer que em casa, na hora em que os falantes não se combinam, nada mais expressivo que dizer ‘Vai pra merda, cara’, sorrindo, e os dois ‘inimigos’, depois desse instante, se abraçam. E podem dizer outras frases: Você não pode ser tão radical. Não devemos manter essa distância em que você se fere com a minha opinião, quando acho a sua normal, mesmo não concordando com ela, nem com você. Somos da mesma família, e devemos ser amigos ‘uns dos zanzoutros’.

A velha-guarda na varanda da casa proseando, e histórias seculares tomam o espaço. Cada causo de arrepiar, e chega uma senhora e se mistura aos varões, considerados independentes, mas respeitando a opinião da esposa, da comadre, da sogra, da mãe, da avó, e de tantas outras que estivessem ali, como as moçoilas, afilhadas, sobrinhas, filhas, vizinhas e até as chegantes desconhecidas, que moram na cidade, fazem faculdade e foram dar um passeio no campo, para cavalgar, colher frutas e ‘apreciar’ a beleza da Natureza, e tomar banho no riacho doce de água fria e gostosa, límpida, peladinhas, como Deus as colocou no Mundo.

A vida, assim, livre e natural, é mais bonita.

E aí no instante em que a senhora interrompe esses ‘meninos’ de 70 anos e mais, um deles rindo com a dentadura falha, a fechar os olhos, ria e sorria, diz amigavelmente: “Os homi cá cum os véio, e as muié lá cum as outra”, e dava risadas tão sonoras, que até os passarinhos na laranjeira se assustavam.

Esse o dia a dia da linguagem popular, plena de expressões idiomáticas.

Correr atrás do prejuízo é outro exemplo ‘danado de bom’, mas deve ser entendido de maneira especial, peculiar, sem o veio do literal.

Não seria melhor correr à frente do prejuízo?

Mas não é atrás nem à frente; é a tentativa de recuperar o perdido, de reaver o bem. Se tomada ao pé da letra, ficaria pior: o prejuízo sempre na frente e você atrás, sem alcançá-lo.

Na fila do banco, alguém diz ‘Estou atrás de você’ (numa posição anterior à desse alguém). Se for dito, ‘Estou nos seus fundos‘, aí a coisa descamba, e podem chegar às vias de fato.

Pode-se dizer ‘Estou atrás da casa‘, não à procura dela, mas o mesmo que dizer ‘Hei, estou nos fundos da casa, aqui no quintal. Tá me procurando?’

Se tivesse dito ‘Estou nos seus fundos‘, o mesmo que atrás de você, como estar atrás da casa é estar nos fundos dela, o companheiro não teria gostado.

Logo, o nosso idioma também é riquíssimo em expressões idiomáticas, e talvez haja tantas delas, que só um levantamento de anos enumeraria uma boa quantidade. Maior que um dicionário comum.

Já o correr atrás de você, ou estar atrás de você, é procurá-lo para ‘nós arresolver um causo muito do sério’, em que não cabe dizer ‘seríssimo’, grau superlativo absoluto sintético, usado no popular, nem ‘seriíssimo’, o mesmo grau, mas da linguagem culta. Esse seria pouco usado ou pouco conhecido.

Terrível a expressão que entidades recomendam a pessoas ao fazerem um cadastro: ‘Tenha os documentos em mãos e vá informando seus dados no fichário’.

Ter os documentos em mãos é estar com as mãos para cima cheias de documentos, ou estar com as mãos fechadas segurando documentos. (Aceita-se outra argumentação.)

O candidato deve estar com o documento em mão, isto é, disponível para preencher os dados sem perda de tempo. Usamos estar em dia, o mesmo que ‘estar atualizado’, e não se deve dizer ‘estar em dias’, que seria estar em dias alternados na feira-livre, dia sim, dia não. Por exemplo.

Tá bom por hoje. Depois, nóis fala outra vêis.

 

 

João Carlos de Oliveira

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