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Presídio, com base na raiz latina ‘praesidium’, não é o simples xilindró, cárcere, cadeia, mas proteção. Como acontece esse fato?

Porque as palavras mudam de sentido, resposta dada pela Semântica, parte da Gramática, geralmente discutida na Gramática Histórica, que estuda o significado das palavras e suas alterações através dos tempos (definição simples). Semântica é a disciplina linguística que estuda o sentido das unidades linguísticas e suas combinações.

Praesidium teria a pronúncia ‘presídium’, com sua adaptação para ‘presídio’, processo em que palavras sofrem alterações gráficas, a que se chama metaplasmo.

Existe o bordão latino Sub tuum praesidium (Sob a tua proteção).

A mudança do significado de palavras se dá com certa normalidade. De um Estado para outro aqui no Brasil muitas palavras têm significado diferente. Sabe-se que em Portugal um nome tem um sentido; aqui, outro. Fumo e moço, vapor e criado (lá). Tabaco e jovem (aqui).

O vetusto linguajar diz que caderno é o grupo de quatro objetos; hoje, a reunião de folhas de papel. Rival foi ‘convizinho do rio’; hoje, o competidor, o inimigo. Torto foi dano; agora, torcido (retorcido), depravado.

Chama-nos a atenção o adjetivo ‘formidável’, palavra polissêmica, isto é, que pode apresentar vários significados (a depender do contexto em que é usada).

Se alguém tem sucesso em algum empreendimento, outrem pode dizer: Isto é formidável.

Na aventura, nos esportes radicais, muitos momentos são formidáveis.

Um dicionário nos diz: aquilo que impõe respeito, que desperta admiração; extraordinário.

Talvez, o sinônimo que mais caiba para formidável seja admirável, modernamente, aspecto semântico muito usado no cotidiano.

Se alguém disser ‘Aquela vaca da cara preta é formidável‘, você poderia questionar: Quanto vale? Dá muito leite? E completaria: Ela é muito bonita! A cor! Branca da cara preta!

E uma preta da cara branca, enfezada?

Formidável, de acordo com a Semântica, é uma das palavras que têm mudado seu sentido. Do Latim formidabilis, significa o que é temível, assombroso, descomunal, colossal, terrível.

Esses sinônimos nos chamam a atenção.

Empregamos as palavras em muitos momentos em sentido figurado, e daí vem a Metáfora, que significa exatamente o emprego de um vocábulo em sentido conotativo (figurado) por ter alguma relação com aquilo a que nos referimos.

A Cordilheira dos Andes é formidável, de tão bela, mas assustadora para um alpinista escalá-la, sob o risco de morte.

A vaca da cara preta é formidável porque provoca medo. Ela chifra, é temível.

Alguém poderia não entender a expressão: NÃO VAI, NÃO! ESTA VACA É FORMIDÁVEL!

Sim, ela é brava, valente, e pode nos chifrar, principalmente se deu cria há pouco tempo. Está enfezada.

Existe um vídeo de uma vaca com a cria no pasto. O vaqueiro chega para ‘curar o umbigo do bezerro’ (não precisa levá-lo com a mãe ao curral, já que seria incômodo para o bezerrinho de poucos dias; terreno pedregoso, vale, ladeira etc.). O vaqueiro, então, poupando serviço e protegendo o animalzinho, vai cuidar dele ali mesmo: pega-o, suspende e o deita no chão, e a mãe reage. Se a vaca não é mansa, há risco de ele tomar chifradas. Mesmo a mocha pode matar.

Que vaca formidável! E o vaqueiro nem liga, pois tem uma mula com a qual campeia, ao lado, verdadeira protetora, que o defende. Vai ‘pra cima’ da vaca, e gira rapidamente, dando-lhe vários coices. Essa cena se repete, até que o vaqueiro consegue finalizar sua tarefa.

O sentido de formidável foi alterado, passando a ser sensacional.

Muitos vocábulos mudam de sentido a cada momento. Procure lembrar um vocábulo usado na sua juventude que mudou de sentido. As músicas, as anedotas, as piadas e outras situações revelam isso.

Essa moça é uma brasa, mora, assim seria usado no tempo da Jovem Guarda, em especial motivado pela música de Roberto Carlos, o capixaba de Cachoeiro do Itapemirim.

Aqui mesmo, nestas linhas, duas palavras poderiam ser explicitadas nesse aspecto.

A vaca ‘enfezada’ significa ‘coberta de fezes’. O gado quando manejado, se a viagem é longa, e o vaqueiro o toca depressa, se está de barriga cheia, e comeu um capim novo, as fezes estão moles, e ‘caga’ muito. As reses balançam o rabo e vão jogando as fezes para um lado e outro, cobrindo as ancas, o lombo, as pernas, e ficam enfezadas.

Mas boi enfezado ganhou novo sentido.

Hoje, significa que a rês está brava, não que teria o corpo coberto de bosta de boi. Bosta de boi vira esterco, e esterco é adubo, portanto, deixou de ser bosta, ou cocô, ou caca, ou ‘sujeira’. O estrume de boi é sagrado na Índia usado fazer fogo. A casta que vive de pegar estrume seco de boi para vender não pode ‘se casar com pessoa de outra casta’, por isso, podemos dizer que em muitas regiões nesse País o conceito de sociedade, com suas castas, é muito rígido. A noção de uma novela tratando de uma casta nobre é bem diferente do que realmente existe. Uma pessoa teria dito, ao ver essa novela, que essa Nação é maravilhosa. Sim, é, mas sua História tem outros momentos que são diferentes dos nossos costumes: cremar um corpo, com lenha, à beira do rio Ganges, tomar banho em suas águas poluídas. Um artigo fala de mulheres que praticam a prostituição buscando os clientes na porta dos templos, e são respeitadas; simples, usam vestimentas longas. Ao comentar assuntos que demonstram tabu, todo cuidado é pouco, para não ferirmos alguém, para evitarmos as gafes semânticas. Se o morador de um Estado vai a outro, e não conhece os costumes locais, é preciso que tenha muita atenção para evitar ofensa e o mau uso da palavra.

Outro termo deste comentário é alpinista, que ao pé da letra seria aquele que escala Os Alpes, montanhas da Europa. Hoje, entretanto, é todo cidadão que escala montanhas. Assim, se formos tomar o uso restrito do vocábulo, quem escala Os Andes seria o ‘andinista’, a Cordilheira do Himalaia, o ‘himalaísta’, as Montanhas Rochosas dos Estados Unidos, o ‘rochosista’. Estaríamos criando neologismos.

O ‘alpinista’ ficou de forma genérica, economizando a linguagem específica.

Alpinista, o que pratica Alpinismo, esporte que consiste em escalar rochas e montanhas; montanhismo. Fica claro que vem de Alpes, as montanhas europeias. Alpinista é montanhista, então; mas seria usado de maneira menos enfática: aquele que pratica o esporte de subir e descer montanhas, fazendo caminhadas, ou usando técnicas de escalada.

O presidiário deveria ser o ‘presidiado‘, isto é, protegido, custodiado pelo Estado. Vemos que o termo é usado para indicar o preso simplesmente, aquele que está no ‘presídio’, a prisão mais segura, rígida, diferente da cadeia. Talvez, ainda, o termo seja entendido com outro significado, diferente do aspecto semântico da teoria gramatical, ou até jurídica. Autoridades dizem que todo preso é (está) custodiado pela Estado, aspecto que nem sempre vemos na prática. Não vamos ojerizar essa diferença nem buscar outro sentido usado no dia a dia. Cada um sabe o que diz.

Exemplos de outras palavras que alteraram o sentido: almofadinha, piscina, armário, escapar, autópsia, barbeiro, brigadeiro, emboscada.

A lista é grandinha, e o dicionário virtual é rico nesse aspecto. Vá lá se for preciso.

Fica assim. Abraços.

 

João Carlos de Oliveira

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