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Nem sempre, o enunciado é entendido como deve ser. Vê-lo ao pé da letra pode ser um risco. Por isso, o duplo sentido chama a atenção

As anedotas sobre políticos simplórios floram em todas as regiões do Brasil. Um fato contado pode ter acontecido numa região, mas vem narrado como se fosse próprio de outro lugar e de determinado cidadão que exercia cargo político.

Não se sabe se é verdade, mas fica a hipótese de ter acontecido, pelo duplo sentido de uma palavra ou expressão. Nem sempre podemos entender ao pé da letra o que se diz; o lado mais simples ‘seria mais engraçado’.

Pelo sim, pelo não, registremos histórias que podem ter ocorrido de fato, que muitos relatam para chacotear certo político, e que teriam sido verdade, sem citar o nome do ‘ofendido’ ou ‘anedótico’.

Um prefeito estaria na capital de seu Estado a visitar o Governador em busca de recursos para o Município, com a cuia na mão. No caminho para chegar ao Palácio, andando a pé, a fim de conhecer melhor a capital, a assessora recomenda a seu chefe:

“Prefeito, nosso vereador pediu para o Senhor conseguir ‘bolsas de estudo’ para jovens carentes de nossa cidade”.

De pronto, o prefeito para numa loja de departamentos e manda vir cerca de quarenta bolsas que estavam na gôndola a serem vendidas. Nem perguntou o preço, pois sabia que de uma forma ou outra o valor seria ressarcido. O espanto é que a assessora nada disse ao Mandatário para esclarecer o mau entendido. Ficou calada, segundo as más línguas, porque alguns daqueles ‘sacos’, ou sacolas de couro, ficariam para ela. De fato, essas bolsas seriam muito úteis para transportar artefatos e objetos escolares. A rapaziada gostou.

Em outro momento, não o mesmo cidadão incauto, estaria na capital do Estado em busca de recursos para a gente de sua cidade.

O assessor, muito prestativo, andava com ele pela cidade, para que não se perdesse, agilizando a chegada até o encontro com o Governador.

O prefeito sorridente, bondoso e solícito, viu a mensagem que dizia ‘Colabore com a limpeza pública’, a que ele elogiou. De imediato, então, bem à vontade, à medida que passavam pela avenida, metia a mão no bolso e colocava uma cédula de valor alto na cesta coletora do lixo urbano.

Não se sabe o que o gari teria feito com a grana extra, ou se a teria achado.

Essas anedotas hilariantes não fazem mal a ninguém. Talvez, o senhor prefeito tenha obtido alguma aprendizagem após a viagem, chegando a sua cidade para relatar os fatos acontecidos em sua estada na capital.

Uma pode ser de bom gosto, senão verdadeira, ou que a frase tenha sido distorcida por algum narrador de ‘coisas’ regionais para dar um fim diferente.

Numa plaqueta de rua, como elogio à cidade, estava escrito: Esta é uma cidade farta, de gente trabalhadora. Parabéns.

Mas o malandro, para provocar o imo alheio, reescreveu a mensagem, completando-a a seu bel-prazer: Esta é uma cidade farta. Sim, ‘farta’ água, ‘farta’ luz, ‘farta’ tudo.

Sim, uma cidade em que a água é farta, a energia é farta, em que tudo é ‘farto’, que existe em abundância.

‘Farta’ água, no popular, pode ser água ‘farta’ na linguagem escorreita, isto é, água abundante.

Qual das duas é a mais interessante, já que ambas estão corretas?

Certa feita, o nobre deputado estadual recebe o chefe do executivo municipal em seu gabinete na Assembleia Legislativa. Os dois já se conheciam, e o deputado em tom de brincadeira, já que o senhor prefeito seria boa-praça, lhe pergunta antes de atender às suas reivindicações.

“Nobre prefeito, como vai aquela zona rural?”

O prefeito honrado com a pergunta, a sentir que o senhor deputado estaria preocupado com a sua cidade, lugar carente, já que ele estava ali com o pires na mão (a pedir uns trocados), responde de cenho circunspecto:

“Meu caro deputado, a rural tá toda enferrujada, e a zona só tem coisa ruim” (sic). (O termo ‘coisa’ pode ter muitos significados. Essa história teria acontecido nos idos de 1970.)

Um prefeito de fato não seria letrado, mas era um homem de bom coração, honesto, até bom administrador, zeloso com suas obrigações e atento a qualquer deslize para não cair em falcatrua ou não ser ludibriado. Ficava sempre de orelha em pé ao assinar documentos e/ou folhas de pagamentos, de funcionários ou fornecedores.

Certo dia, recebe várias folhas para assinar, e foi colocando seu jamegão rústico aqui e ali, de forma muito ‘instrumental’, já que passou de analfabeto a ‘alfabetizado funcional’, se assim pudermos dizer.

Num momento, parou, ficou espantado, analisou o documento, suspendeu as vistas e perguntou ao assessor em pé a seu lado, que seria muito próximo dele (e seu afilhado não poderia enganá-lo): ‘Duquinha, quem é esse ‘tal de Total’ aqui, que vai receber mais que eu?’

Ao que o jovem assessor, bem esclarecido, que não iria torpedear seu chefe, que lhe deu emprego público, por escolha pessoal, diz: “Senhor prefeito’, ‘total’ é a soma de tudo que o senhor vai pagar, como consta nesta folha”.

E o prefeito assina, mesmo de olhos regalados. E pensa: na próxima, não caio em outra.

Pelo sim, pelo não (repitamos essa pérola frásica), um fato dessa natureza pode ter acontecido. Resta-nos saber se hoje outros parecidos têm surgido por aí. O ditado é notório: o povo aumenta, mas não inventa. Eis a razão de ter sido ou não ter sido. Shakespeare deixou o recado famoso: To be or not to be.

Vamos fechar com estas frases ricas, de autoria de gente que escracha nosso apedeuta, o que nos fere. A linguagem ágrafa é rica; o estranho é ouvir frase de quem foi à escola massacrando o idioma. Preferível, então, ouvir ‘Nóis num vai falar, porque a gente sempre falamos a verdade’ que ‘escuitar’ ‘O chefe do setor dá informações que não vai informar mais nada sobre os fatos que ocorreu’ (sic).

E ainda: Piada de ‘mal’ gosto. (Piada de mau gosto fere o direito alheio e discrimina.)

Esta a empresa que ela trabalha. (Esta a empresa em que ele trabalha.) ‘Trabalha’ a empresa pode ser estruturá-la.

A pessoa que o jovem se refere. (A pessoa a que o jovem se refere.)

O mundo acaba para ele. (O mundo acaba para essa pessoa; para si mesma, para ele mesmo.)

Abraços.

João Carlos de Oliveira

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