Gerundismo: a neolinguagem da vida moderna ou um vício do falar cotidiano?

Trata-se de inovação linguística sem o fim a que se propõe.

O gerúndio, em si, assim definido – forma nominal do verbo que apresenta o processo verbal em curso e que desempenha funções exercidas pelo advérbio ou pelo adjetivo -, é próprio do falar momentâneo, poético até, fazendo parte do linguajar do brasileiro. ‘Estou indo agora! Estive viajando no mês passado. Estamos chegando a Cuiabá, a capital dos mato-grossenses! Está passando grandes necessidades no momento’.

Qualquer usuário, até uma criança, no Brasil, tem o hábito saudável de usar o gerúndio para dar a ideia de uma ação que se desenrola em determinado instante e/ou é costumeira acontecer. ‘Meu filho, você está onde?’ ‘Estou brincando, papai, no meu quarto’, por ser comum que o menino fique ali envolvido com seu ‘lazer’.

O trabalhador, habituado a seus afazeres, levanta-se cedo e, após o café, sai para o batente. A alguém ele pode dizer: ‘Estou indo trabalhar agora, sempre neste horário – às 5h 30 da manhã’.

Dizem os estudiosos que os falares de brasileiro e português se diferem, e muito. Um dos itens que distinguem o modo peculiar de cada um expressar sua visão de mundo está no uso do gerúndio, muito achegado ao nosso linguajar e menos usado por ele. O brasileiro: No momento, não posso ir… Estou trabalhando. O português: Por ora, não devo ir… Estou a trabalhar. O brasileiro: Estou colhendo frutos no pomar. O português: Estou a colher frutos ao pomar.

A letra de uma música de Roberto Leal diz ‘Oh minha gente estou chegando/ Sentar à beira do rio colher frutas ao pomar’.

São as diferenças. Qual a mais bonita? Poeticamente, ‘estar a namorar uma garota’ pode ser mais elegante que ‘estar namorando uma garota’.

Mas muitos, ao que parece, confundem gerúndio com gerundismo, este, sim, um transtorno na fala cotidiana – ‘Vou estar te esperando na esquina da rua Sabugosa‘, como se a vida inteira fosse ficar ali à espera de outrem. Esse lado é que emperra o gerúndio, criando o gerundismo e dando-lhe um caráter diferente do objetivo de comunicar-se. ‘Aguarde aí, senhora, que eu vou estar te atendendo daqui a pouco’.

Nota-se uma linguagem um pouco distante do objetivo do atendimento, que é imediato. Parece exibicionista, insensata e inoportuna: ‘Vou estar atendendo’ não é do instante; ao atender, o ato não duraria mais que um minuto. Repetido, ‘Vou estar atendendo’ insinuaria um tempo maior que o costumeiro. (?) O usuário pode-se achar dono de uma fala ‘muderna’, bem dinâmica, diferente da de pessoa antiga, que não se inova!

A coqueluche do gerundismo continua, mas seu auge se deu por volta de 2005 a 2008, para citar um período, cujo uso foi tão intenso, que o governador do DF José Roberto Arruda baixou um decreto ‘demitindo’ o gerúndio. No fundo dos dissabores, essa questão não seria resolvida por decreto ou lei, e o remendo foi pior que o soneto ruim – poderia a repartição ficar ‘advertida’ para não usar documentos que se expressassem usando o gerundismo; seriam afetadas as pessoas usuárias dessa inovação linguística sem cabimento, e não o gerúndio. Decreto de nº 28.314, de 28/09/2007, que nada deve ter resolvido.

Como está a linguagem do pessoal nos dias de hoje a que o decreto se destinou naquele ano?

Certa coordenadora de ensino, cuja linguagem deixava a desejar, tinha o hábito de fazer as preleções no início do ano letivo. Tudo bem, e se tratava de pessoa simpática, mas no momento de sua fala abusava de ‘Enquanto coordenadora, vou estar atendendo aos professores na minha sala…’, e lascava o verbo – ‘o professor pode estar orientando os alunos, o diretor deve estar sempre recebendo o corpo docente’.

Onde está o defeito desse ato linguístico? O gerundismo se compõe de uma locução verbal enviesada – dois verbos – vou estar, posso estar, deve estar – e um gerúndio ‘perdido’ no espaço, como uma bala doce na boca de banguela – atendendo, chegando, viajando, saindo – cujo aspecto semântico se torna frágil. ‘Vou estar esperando por você’. Por quanto tempo, espera? Entende-se que seria por muito tempo, mas é tão frugal quanto o piscar de olhos.

Não adianta dar voltas – o bom usuário do idioma não deve fazer uso do gerundismo, que é incômodo, ineficaz e ‘enjoadinho’. Basta dizer – Vou atender daqui a pouco. Estou atendendo em meu escritório das 8h da manhã às 17 h.

O uso do gerúndio, como se sabe, é hábito entre nós, e é bem-vindo assessorado por aquele sorriso maneiro – Estou chegando agora, meu amor! Estou morrendo de saudade de você, minha musa! O Governo do Brasil está perdendo as rédeas!  O povo no Nordeste está vivendo a pior seca dos últimos anos.

A melhor regra é não usar esse vício de linguagem.

Pausa: Se caso você vier, avise-me.

Ou ‘se’ ou ‘caso’; os dois conectivos não podem ser usados ao mesmo tempo no mesmo enunciado. Escolha: Se você vier, avise-me. Caso você venha, avise-me.

O pior é o letrado usar ‘Se caso você vinher me avise’. Dói como aquela agulhada cavalar que se dá no braço frágil de criança.

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