Metonímia, figura de linguagem fantástica! ‘Vamos tomar um gole?’

O falar-escrever bem requer bom conhecimento linguístico. Como auxílio, para uma linguagem empolgante e embelezamento do texto, o usuário – falante, poeta, redator – busca variadas figuras de linguagem. A questão é conhecê-las bem para que não haja gafes hilariantes.

Este colunista-blogueiro, hoje, tenta viajar pelas ondulações da metonímia, figura de linguagem riquíssima. O próprio vocábulo já é sinuosa estrada – ‘meta‘, existente em ‘metamorfose’, significa ‘mudança’; ‘nímia‘ tem relação com ‘nome’. Metonímia (do Grego metonymía) equivale a ‘mudança do nome’.

Por haver alguma relação ou similaridade entre o uso tradicional do vocábulo e o novo ‘significado’, é que se dá a metonímia. O usuário iletrado, sem saber que está colocando no ar uma metonímia, tasca sua mensagem: – Cumpadi, vamo tumar um golo?

O que é ‘golo‘ (gole), nesse contexto, se o dicionário diz, apenas, que se trata daquilo que se bebe? Não seria água, nem café, nem leite… Um ‘gole’ representa ‘muitas doses’ de uma bebida (vinho, uísque, cerveja, cachaça), a depender da escolha. Gole tem conotação plural. São muitos tragos, sob a generalização de ‘tudo que desce goela abaixo’. E faz o cidadão curtir novo momento.

Se a metonímia consiste em dar a um termo novo conceito a ele ligado por relação de ‘causa e efeito, lugar e produto, continente e conteúdo ou parte pelo todo’, ‘tomar um gole’ passa a ser ‘cair na bebedeira’, esbaldando-se. Já contém metáfora em se tratando do significado restrito do vocábulo; entretanto, é mais que isso – é metonímia. Toda metonímia contém metáfora, mas nem toda metáfora pode ser classificada como metonímia.

‘Beber uma xícara de café’ tem sentido conotativo, isto é, figurado, mas se trata mesmo de metonímia – beber o café contido na xícara. ‘Estava com tanta fome, que comi dois pratos de feijão’, disse o caboclo. O sentido é figurado, mas não se trata simplesmente de metáfora, mas de metonímia – comeu todo o feijão daqueles dois pratos, não exatamente ‘os pratos em si’.

A catacrese contém sentido figurado, mas não é metáfora. ‘A perna da mesa está quebrada’ (catacrese) difere de ‘Malhada, a vaca craúna, está com a perna quebrada’.

‘Deus levou Maria’ (eufemismo), que não equivale a ‘Hoje, Pedro levou Maria ao altar cujo ato consolida seu casamento para toda a vida’.

‘Tua face aveludada guarda todas as cores que me deleitam, trazendo-me a sinfonia do amor prazeroso’ (sinestesia), que difere de ‘A Bandeira Nacional tem as cores do Brasil – o branco, o verde, o amarelo e o azul’.

Poderiam ser várias figuras: Getúlio Vargas, o pai dos pobres (perífrase); A vida moderna voa (prosopopeia); A abelha zunzuna quando se alvoroça na colmeia (onomatopeia); O raio ribombante resvala no espaço e traça um riscado no céu (aliteração); A paixão o deixa entre a vida e a morte (antítese); O melhor remédio para curar a dor é arranjar outra mulher (ironia); O Real nada em cachoeiras e cataratas da corrupção na política brasileira (hipérbole); Ao ouvir silenciosa música, humilhei-me tanto, que caí, mas me levantei diante dela no espelho (oximoro), entre outras, e nenhuma se compara a “O Brasil chora a morte de seu grande ídolo” (o povo extremoso lamenta a perda de Ayrton Senna), metonímia magnífica, muito além da simples catacrese ‘Embarquei no avião supersônico moderno para não avionar no trem ultrarrápido que circula no Japão’.

A dor que sente a criança cuja mãe lhe quer cortar as madeixas, e, para ser gentil, diz à filha: ” – Só dois dedinhos, querida”. A pobre menina, chorosa e submissa, vendo a truculenta tesoura, oferece a mãozinha frágil e lhe pergunta: ” – Quais deles, mamãe?”

O professor pede à aluna que distinga a metonímia nas frases: a) Li a obra de Pablo Neruda; b) Li as mãos de Pablo Neruda; c) Li Pablo Neruda mais de uma vez.

Ela demora a responder; tem dúvidas, e arrisca – Li a obra de Pablo Neruda. Como pode ler um livro ou um texto, nada existe de novo nessa leitura; portanto, não contém metonímia. Segunda chance: Li as mãos de Pablo Neruda. Como nem sabe o que é quiromancia (leitura das mãos), nem conhece uma cigana-adivinha, é melhor logo dizer que não. Restando a última resposta, só poderia acertar – é que Pablo Neruda (falecido), mesmo vivo, não pode ser lido em si, mas seus versos maravilhosos, como ‘Livro das Perguntas’, ela acaba entendendo o porquê da última alternativa.

As metonímias chamam-nos a atenção: Fumamos Hollywood na pescaria. Cortou-se com uma gilete cega! Passou o dia lendo Shakespeare no banheiro. O Brasil caiu no atoleiro da corrupção. Trouxe um panamá da China. A seca no Nordeste, este ano, matou mais de cem mil cabeças. Tomei uma chávena de chá fervente. A velhice é sempre brilhante – sabe dar exemplos de que a vida é bela. Como pessoa arrojada, não preferiu o bisturi, mas a notoriedade social.

Gostou de algum exemplo? Quer conhecer mais sobre o idioma? Volte amanhã.

Teixeira de Freitas, BA, 05 de março de 2017.