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Estada ou estadia? Você teve uma ‘estadia’? Seu carro faz uma ‘estada’?

Para quem observa pouco as sutilezas sinonímicas e não vê detalhes no uso de certos vocábulos pode não perceber diferença entre ‘estadia’, muito usado para indicar pernoite e/ou diária, e ‘estada’ – essa, sim, a permanência de um hóspede numa pousada, hotel, motel etc.

Parece que algum dicionário não deixa claro para o consulente o aspecto semântico de cada termo; até diz que um é sinônimo do outro. Pode gerar dúvida.

Estadia é o prazo concedido para carga e descarga do navio ancorado num porto, como explica Larousse Escolar, o dicionário. Com base nessa definição, engana-se quem diz ‘Paguei uma estadia de R$… no hotel Singapura’ (fictício).

Para estadia, certo dicionário usa os sinônimos ‘estada, permanência’. Dá a entender que tanto se pode usar um como outro termo para o mesmo contexto, mas isso não facilita a linguagem correta. O sinônimo depende do contexto.

A permanência pode ser de objeto ou coisa (navio, carro, barco etc.) ou de pessoa. Mas não se diz que o transatlântico teve uma ‘estada’ de 15 dias no Porto de Santos para ser carregado de nosso café. Portanto, não se deve dizer, como costumeiramente acontece, que o cliente pagou caro por sua ‘estadia’ (no hotel cinco-estrelas).

É aí que reside o mau uso. Releia o significado de estadia.

Estada é o ato ou efeito de estar; tempo que se passa (alguém) em um lugar; temporada.

Comparadas as duas definições, o dicionário esclarece – indiretamente – que estadia é a permanência (o estacionamento) de veículo, de navio, de barco, e estada é a permanência (temporada, pernoite) de pessoa em local que recebe hóspedes para fim cultural, comercial ou de lazer.

Entende-se, então, que o uso de estadia para pessoas é indevido; com pouca frequência, ocorre o uso de estada; por outro lado, textos de nível culto usam, corretamente, estadia para embarcações, e não usam estada.

Pode acontecer que alguém discorde desses aspectos, pois nem sempre o dicionário faz essa diferença. O nosso hábito arraigado no uso de estadia (para pessoas) é que nos faz divergir dessa posição; e não aceitamos estada por ser um vocábulo diferente ou estranho.

O nosso idioma é difícil? O grande professor Francisco Marto Moura (autor de muitas obras didáticas de Língua e Literatura, pela editora Ática) ensina que não devemos encarar a LP por essa visão, que iria dificultar a aprendizagem de muitos, ‘amedrontando-os’. Não se trata de incutir medo, mas o idioma requer muitos cuidados para os quais não estamos, todos, preparados – leitura constante, pesquisa assídua, visão etimológica cotidiana, e o dever de respeitar a coloquialidade nacional e de acompanhar as normas gramaticais. Nem sempre sabemos conjugar os dois lados.

O idioma não é tão fácil assim. Não é impossível aprendê-lo. Um empecilho é que temos a ousadia de sermos avessos a regras e tomamos a liberdade de criarmos nosso próprio linguajar, colocando a Gramática Normativa em segundo plano.

Em muitos momentos de troca de conhecimento linguístico com alunos, debati com eles o fato de alguns dizerem “O muro da escola foi pinchado“. Para o contexto, o termo correto é ‘pichado‘, que vem de pichar, que nasceu de piche (betume, substância negra, mole e pegajosa; asfalto). Piche vem do étimo inglês ‘pitch‘. Pichar: aplicar piche em, untar com piche. Escrever dizeres políticos ou outros em muros, paredes. Figuradamente, falar mal, criticar negativamente.

Até esse momento, a etimologia de pichar ficou certa, mas lhes dizia que ‘pinchado‘ não existia. Hoje, noto que cometi um deslize. Pinchar, do Castelhano pinchar (termo familiar) é dar pinchos, pular, saltar; arremessar, atirar; jogar, fazendo dar salto; empurrar. Traduzindo essa semântica, seria o mesmo que pinotar ou dar pinotes; dar cabriolas. Embora não seja comum na fala coloquial, esse verbo é usado como ‘jogar fora, jogar longe’. E pode ser trepar: Pinchava-se à garupa do burro fogoso.

Muro pichado. A bola foi pinchada longe. Ainda: pincha é jogo de botão.

Lembretes de grafias corretas, que nem sempre são encontradas assim em panfletos, anúncios ou fôlderes: seminovo, semitransparente, superliquidação, autoestima, autoescola, autoligado, megaoferta, supervalorizado, anti-inflamatório, anticárie, antidepressivo, anticorrosivo, tendencioso, pretensioso.

Intriga-me ‘lavar a calçada com mangueira’. Lava-se o rosto com sabão, esfrega-se a pele com uma bucha, mas lavar a calçada com mangueira?

Aborrece-me o texto sobre crime ou trânsito dizer ‘vítima fatal’. A vítima matou a si mesma? O acidente é que é fatal (letal), por matar alguém. Alguém foi vítima de uma lesão (grave, gravíssima) e pode ser vítima de morte. Alguém corre o risco de morte (ou de morrer), e não risco de vida. Teria sentido correr risco de viver?

Teixeira de Freitas, BA, 15 de fevereiro de 2017.

João Carlos de Oliveira

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