0

“Meu ‘presado’ amigo, estou aqui para atendê-lo”, escreveu o outro prezado

Existe alguma dificuldade para se escrever (corretamente) certos vocábulos. As grafias a seguir, que estão corretas, poderiam provocar discussão: maisena, empecilho, moqueca, exceção, conserto (do sapato), molambo, lasso (preguiçoso), tacha (pequeno prego), pião (brinquedo), concerto (harmonia musical) etc. A escolha é aleatória. E palavras com e Z, então, quando confrontadas, é que poderia ser pior, ‘causando graves danos ortográficos ao córtex do pensante’: prezar e presar; cozer e coser.

A ordem em que foram citados esses quatro verbos indicaria que ‘prezar’ é mais conhecido que seu colega ‘presar’, e ‘cozer’, mais que ‘coser’.

Brincadeira à parte, o objetivo de hoje é analisar a identidade fonética dos homônimos homófonos prezado e presado, e sua semelhança gráfica. Esses fatos deixam dúvidas.

‘Prezado’ amigo ou ‘presado’ amigo? Ambos estão corretos, a depender da situação contextual.

Meu ‘presado’ amigo, como está no título, indicaria um amigo que se encontra preso por alguma razão.

Prezado amigo (Prezado Senhor) é vocativo introdutório comum em comunicação escrita (carta, bilhete), modelos que estão caindo em desuso, infelizmente, motivo por que estamos perdendo muito no nosso relacionamento moderno.

Se lembrarmos o telegrama, então, parece que já ‘abolido’ pela modernidade midiática, aí é que a ‘ligeireza’ torna decadentes nossos dias e nos leva à perda da qualidade da escrita, sem citar outros prejuízos. Isso não é bom.

Disse o ilustre Drummond de Andrade, o poeta-contista-cronista, que se poderia conhecer o nível cultural de um cidadão pelo seu lixo jogado fora; na lixeira do seu apartamento, poderiam ser encontrados fragmentos dos seus comunicados, indicativos de sua visão de mundo. Essas as entrelinhas de uma de suas policrômicas crônicas.

Se o amigo foi ‘apreendido’ pela sua cara-metade, coitado, foi ‘presado’, preso, isto é, amarrado, manietado, dominado, detido, recluso em cárcere matrimonial etc. Não é à toa que se diz, no popular, que um homem casado está ‘preso’.

“Cadê Pedro, seu tio, Manuel? Onde ele anda?”, pergunta o amigo ao rapaz. “Não sei; parece que agora ‘tá preso’, morando em outra cidade”, disse-lhe o jovem, manjando a situação, em tom de pilhéria.

Já que dificuldade existe, um pouco atrás, ficou registrada a grafia ‘à toa‘ para indicar ‘sem motivo aparente’. Mas um homem ‘à-toa‘ é aquele sem o que fazer.

Anda à toa (locução adverbial): vai a qualquer lugar; sujeito à-toa (adjetivo), um ocioso. Isso serve?

Então, prezado leitor, cozer é cozinhar. Alimento cozido, ovo cozido (não escorregue na pronúncia!), acrescentando algum fonema. Ovo quente queima a boca! Coser é costurar. Pano cosido é tecido costurado. “Dona Maria, a senhora já coseu as calças do noivo?”, perguntou alguém. E ela responde: “Se ele nem ‘troxe’, como vou fazer elas!”, responde na imensidão de sua simplicidade.

Presado é o que foi ‘apresado, represado, preso, aprisionado’, entre outros da família etimológica de ‘presar, aprisionar, apresar’.

Apresar, verbo, traz dúvida? Sim, poderia, mas sua grafia está correta, o mesmo que prender, manietar, presar, represar, capturar, tomar como presa.

Água presada é água represada.

Figuradamente: “Chefe, o senhor está apresando minhas mensagens, limitando-as, fazendo pleno represamento (tolhimento) do que escrevo, não permitindo que publique minhas ideias”, teria dito o subalterno ao diretor empresarial autoritário.

A propósito, ‘trás’ e ‘traz’, também, são homônimos homófonos, como prezar e presar.

Agora, que já conhece o prezado e o presado, use com segurança traseiro, grafia descumprida por locais vendedores de carne (que costumam usar músculo ‘trazeiro’, em comparação com o dianteiro), e trazido (Ele tinha trazido todos os seus pertences), sem jamais dizer ‘tinha trago’. Reafirme suas ideias gráficas: Tudo ficou para trás (atrás), como alguém que tenha ficado atrás do muro, e a felicidade nos traz boas messes sem que saibamos usá-las.

A mesinha do escritório está quebrada. A mulher gosta de remédios homeopáticos, toma mezinha para tudo, até para ‘calo’ na palma da mão, de tanto passar pano no piso da casa.

A voz rouquenha! cuidado, meu amigo prezado, “Vós não sois um pequeno cidadão, tem apenas um metro e sessenta de estatura, mas é tão alto quanto o gigante Adamastor, que deixou na História advertência heroica: citado na Odisseia, de Homero; na Eneida, de Virgílio, e em Os Lusíadas, de Camões, embora disforme na aparência, fez o mundo pensar que se precisa de liberdade, por isso, vociferou contra navegantes que pudessem destruir os caminhos das Índias, e, dando o inverso, foi descoberta a América, o Novo Mundo.”

Um mau sujeito nem sempre pratica o mal.

O vocábulo latino prehensa, que nos dá presa, é o mesmo cujo étimo nos leva a ‘apreender, apreensível, apreensão, apreensibilidade, apreensivo, apreenso, apreensor, apreensório’ etc., de vasta família de palavras. Seria ótimo conhecê-la melhor.

O homem do Nordeste usa com eficácia e segurança que todo açude é uma presa, a barragem, o lugar onde o boi bebe sua água fresca e límpida, pelo menos, abundante e clara, quando chove muito. Falta-nos que a Barragem de Sobradinho volte a seu nível normal.

Vamos fechando o cerco a alguma grafia que nos atemorize: o medo de escrever errado é próprio de muitos, que o ‘matariam’ com boa leitura. Se não a praticarem, o medo se tornará pesadelo, e o indefeso virá a ser um homem incivilizado diante da escritura gráfica ruim de muitas palavras que o cercam.

Da minha pequena obra poética Os animais de meu sítio e outros poemas, da poesia Lembrança, pp. 79-80, extraio este excerto: ” (…) pelo choro antecipado de levar de meu pai/ uma pisa com cabresto de couro cru./ Se pelo afago ou pelo medo,/ se pelo choro ou pelo sorriso,/ se pela pescaria bem sucedida,/ se pelo peixe que vendi,/ (…), se pela confirmação a mim mesmo,/ com a boca muda,/ de que eu já seria um homem/ e poderia até me casar./ Se pela confirmação de que debaixo do ‘subaco’ já tinha um molho de cabelo.”

“Eta vida besta, meu Deus!” Carlos Drummond de Andrade: in Cidadezinha qualquer.

Pausa: 1. Revista Veja, edição 2.559, de 06/12/2017, em rodapé, registra “ESPERANÇA Parentes dos submarinistas: reza em Mar del Plata”. À primeira vista, pensar-se-ia que houve erro de concordância verbal, mas a grande revista não cometeria esse lapso. ‘Reza’, no contexto, não é forma verbal no plural, é substantivo (a reza). Ótima opção redacional. Entretanto, ela mesma, de excelente redação, grafa, na p. 83, ‘stress’, no lugar de estresse, forma aportuguesada, verbete assíduo nos diversos dicionários modernos,que todos conhecemos, como estressar, estressado, estressante etc. A grafia da revista nos remete ao anglicismo. 2. Pisa é surra, grafia que não pode ser confundida com ‘pizza’.

João Carlos de Oliveira

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *