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Algures, alhures, nenhures! “Que palavras são essas, professor?”

São advérbios de lugar, da família etimológica de ‘algum, nenhum’, e outros familiares menos conhecidos ligados à Gramática Histórica de idiomas neolatinos, como o Francês e o Português, dados que nos relatam compêndios de estudiosos etimologistas.

‘Cada textura tem seu próprio cheiro’ (diria o poeta), isto é, cada época tem suas palavras emblemáticas! Essas vêm de ‘ancestrais’ de priscas eras, estranhas (a alguns ‘alhures’), salvo melhor juízo.

Se, hoje, está em moda o uso de ‘fashion’, e seria muito chique (‘chic’ é mais bonito!), quando o assunto é a alta-costura, setor nobre de famosos, em algum período do passado (na Idade Média?), ‘alhures’ foi termo em voga, abrangente, adequado para se dizer que, ‘em algum lugar (‘deste mundo de meu Deus!’), está acontecendo alguma coisa. Lógico que isso é cabível! Neste momento, nasce um ser humano, e falece outro. Em cada momento, alguém sorri, e outro chora. Neste momento, alguém dorme, e outro se levanta.

Que bobagem!

Não; isso não é bobagem; é algo comum na caminhada de todos os seres humanos, na sua passagem curta, aqui neste Planeta.

Então, em alguma época, o poeta usava ‘algures’, advérbio, para dizer ‘em algum lugar, em alguma parte’ do mundo em que vivemos acontece alguma coisa. Existe algo mais óbvio que isso? Claro que tal fato é bastante evidente. E por que, em se tratando de uma redundância, o termo seria usado? Para ficar chique.

‘Algures’, do Latim, do termo arcaico ‘algur’ (por isso, o plural algures), ligado também a ‘alicubi’, como nos preceitua o dicionário Melhoramentos, vem a ser ‘em algum lugar, em alguma parte, em algum sítio (lá naquele canto onde o jumento urra e se deita num espojador). Isso é natural.

Portanto, trata-se de um vocábulo em desuso que teve seu espaço nobre no idioma dos letrados. Agora, poucos o conhecem e ninguém o usa. Soa mal? Melhor assim.

E ‘alhures’, qual sua origem? Nascido do Provençal (idioma neolatino ou língua românica que teve seus dias gloriosos no Sul da França, região chamada Provença), tem quase o mesmo cheiro de ‘algures’, de que o dicionário diz ser um sinônimo. Vem a ser ‘noutro lugar, nalguma parte’. Ops! Algures é irmãozinho siamês de alhures? Ambos têm um teor retrógrado, similar ao tempo dos Bufões. Não se trata daqueles que emitiam ventosidade, mas de monarcas considerados pouco chegados à evolução humana. Modernidade para alguns deles, em alhures desta Terra, que não é quadrada, seria coisa inadequada. Melhor deixar tudo como está: ter mordomo, andar de tílburi, ficar alguns dias sem tomar banho, lascar um pedaço de porco selvagem com os dedos duros e ter uma megera a seu lado, dando ordens para todos, e o rei, faustoso!, obedecendo a seu comando. E havia, ainda, o bobo da Corte, que fazia todos rirem do nada!

Para tomar mais espaço com este comentário um tanto vivo do tempo em que se amarrou cachorro com linguiça e mesmo assim o pobre cão morreria de fome, ‘noutro lugar’ é o mesmo que ‘em outro lugar’, como se diz hoje: “Pai, o facão não está na despensa”. “Então, meu filho, se não está lá, deve estar ‘noutro lugar’.

E o oposto de ‘alhures’, qual o termo que teria esse papel difícil?

Ei-lo, meu amigo! ‘Nenhures’, o mesmo que ‘em nenhum lugar, em nenhuma parte’. Ou o mesmo que ‘em lugar algum’, que dá a ideia oposta. Pronto! Em parte alguma do mundo, pode-se dizer que cabrito é o mesmo que carneiro novo, o borrego. Isso só acontece com quem confunde ‘uma mula’ com ‘uma jumenta’, embora todos sejam da mesmo família dos muares. Nada mais.

E por que o comentário de termos tão não-usuais? Porque, há poucos dias, lendo uma obra distante dos dias modernos, o poeta usou ‘nenhures’ para dizer ‘em nenhum canto desta Terra com vida acontece borboleta ser chamada de vertebrado’, mas há quem o diga. Há pouco, disseram que um ornitorrinco não põe ovos, não é mamífero e que não nada. Pois é! O bicho estranho é tudo isso. Mamífero monotremado (o jovem tem dentes, e o mais velho, já adulto, o bico córneo!), ovíparo (cujo produto parece a oval obra de ganso ou de ema), adaptado à vida aquática, provido de bico córneo (que sabe segurar com força a presa), pés com palmoura (membrana que une os dedos para nadar bem) e rabo achatado (que lhe facilita flutuar na correnteza forte enquanto a atravessa). Não vive aqui, e sim alhures: na Austrália e na Tasmânia.

Algures, alhures, nenhures, podemos usá-los com segurança? A depender de cada um. Isso é verdade. ‘Alhors’, do Provençal, como nos conta o livro didático etimológico, é termo originário.

‘Nenhumamente’, nenhures, nenhum professor me tenha, talvez, explicado palavras tão excêntricas. Por isso, tenho dar-lhes vida. O professor José Maria, da Faculdade de Letras em Teófilo Otoni, MG, e eu ao lado da colega Maria Elizabeth (ótima professora de Língua Portuguesa), da cidade de Itambacuri (há décadas), teria dito alguma coisa sobre elas, ele, ‘poliglota’ do nosso idioma, educado e versátil, com vontade de nos passar tudo que aprendeu em seu tempo de seminarista. Explicou tão bem, que ficou a nata do leite. O soro é que esquecemos. Mas ninguém usa mais essas pérolas.

O que se pensa é que Ovídio, grande poeta romano (autor de Metamorfoses), deve ter usado muito ‘algures, alhures, nenhures’, assim como Dante Alighieri, em sua Divina Comédia, de tanto sofrer pelo amor ausente de sua ‘amada’ Beatriz.

Para terminar, registremos esta frase (que não é minha): “O amor de mãe é maior que o de nenhum outro ser humano”. Alhures, o amor é visto assim: ‘maior que o de nenhum outro’?

O mundo tem sofrido tanto, que nenhum medo, nenhum infortúnio nos pode fazer infelizes. Já sofremos de mais de uma coisa em cada dia.

Isso basta.

João Carlos de Oliveira

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