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Copo d’água. Copo de água. Copo com água. E agora, todas as expressões estão corretas?

A linguagem culta tem suas regras, nem sempre acessíveis ou conhecidas. A popular, em muitos momentos, destoa da mandatária culta, com seu modo peculiar de ser usada, livre, aberta, cujas regras são a prática, a praticidade do dia a dia. Isso é bom, porque as regras nos impõem procedimentos e nem sempre os queremos seguir.

‘Me dá um cafezinho!’, frase cotidiana, majestosa, dita com simplicidade, destoa da mandatária ‘Dê-me um cafezinho’, da norma culta, que pode parecer uma ordem.

Nesse caso, a Gramática Normativa, às vezes, com sua ‘monarquia absolutista’, manda que não comecemos a frase com pronome oblíquo, mas o dia a dia não é assim.

São várias as vertentes, que podem ser entendidas.

O usuário pode não seguir as regras ou as desconhece.

É mais bonita a linguagem simples, aberta, sem imposições.

O poeta quer inovar com a licença poética.

Alguns descumprem a regra como protesto, para serem diferentes, chamando a atenção.

O veio propagandístico inova e cria frases apelativas para atrair a clientela; o exemplo clássico ‘Se liga…’ perdura, a dizer que ‘a linguagem é livre’.

Por outros motivos, em que se podem incluir a regionalidade, a simplicidade, a poesia popular etc., de modo que as duas linguagens, nem sempre estudadas com afinco e com respeito mútuo, se digladiam no cotidiano.

Muitas unidades educacionais, privadas e públicas, em todos os níveis, não ‘comparam’ os falares brasileiros. Preferem destacar a norma culta, e muitas vezes condenando o que se desvia da imposição gramatical.

Abrindo o leque, a literatura de cordel não é comparada à norma culta, destacando-se os porquês.

O estudante nem sempre é motivado a diferenciar sua fala em casa com a determinada pela gramática, o que lhe empobrece o conhecimento, e ele oculta o que diz nos seus possíveis comentários em aula, com o professor ou colega, com receio de ser repudiado, como se quisesse dizer ‘O que falamos em casa é feio’, ‘O que falamos na palestra é bonito’, ou ‘Somente o que escrevemos no documento é válido’.

Em trechos da escrita culta, em sites, em exposição de motivos dos cursos superiores e outros, é que os lapsos aparecem, a que podem chamar ‘erros gramaticais’.

São muitos exemplos, e este espaço não comportaria enumerá-los nem seriam necessários. Cada leitor tem seus milhares de modelos para citar e comentar.

É incômodo comentar que ‘o povo fala errado’, mas alguém formado, até em cursos de linguagem, escreve ‘veio à óbito’, cujo erro de crase é gritante.

O uso famigerado ‘a nível de Brasil’ nada quer dizer.

Muitos exemplos similares a este ”Segue’ abaixo alguns dados importantes’ (sic). Curioso é que poucos conseguem colocar esse enunciado em ordem direta: Alguns dados importantes seguem abaixo, mostrando a flexão da forma verbal (seguem, que fica em evidência quanto à primeira, ‘segue’).

Se a Gramática Normativa dá um modelo, como os antigos de cartas comerciais, tais padrões seriam eternos, e poucos se atreveriam a inovar, mas copiam-nos em todas as fases de seu trabalho: de aprendiz a diretor de estatal.

E vem à tona: Segue anexo a escritura do terreno.

Por que não mudariam? A escritura do terreno segue anexa. A escritura do terreno segue em anexo.

E usariam ‘Segue anexo todos os documentos solicitados’, cuja redação é amorfa, que daria 3 ou 4 versões para nova escrita. Modelos parecem únicos, e teriam ‘atrofiado’ a mente.

Esta análise não é desabafo, senão, apenas a forma de emitir paralelos entre o que aprendemos no livro e o que usamos no cotidiano, já que todos devemos ter absoluto domínio do popular e do culto. Parece que a escola não se preocupa com isso, grande prejuízo para nossa fala e escrita, e quando compara o popular com o culto o faria de modo pejorativo, que não serve nem resolve nem serviria para nova aprendizagem.

Um bom artigo sobre acidentes nas estradas brasileiras, que são muitos, diz que ‘os acidentes fatais’ levaram muitas pessoas a óbito, e num ‘parágrafo’ adiante dizem que ‘as vítimas fatais’ morreram no local, ou vieram ‘à óbito’ no instante do acidente. Duro, pesado! Como garantir a quem não estava lá que no momento do acidente alguém já tenha falecido? Nem um ‘segundo’ depois? E as vítimas mataram a si mesmas?

Fica claro que o ‘acidente fatal’ é aquele que ceifa a vida. ‘A vítima fatal’ é aquela que ceifa a si mesma? Insistem nisso, consideram que está certo, e que não seria erro de linguagem. Consideram que o erro seria, tão-somente, escrever ‘mecher’ no lugar de mexer, ‘porisso’ no lugar de ‘por isso’. Nem sempre notam ‘Pode ‘vim’ cedo’ no lugar de ‘Pode vir cedo’. Etc.

‘A autora do crime alega que a vítima teria a agredido antes’, exemplo de colocação do pronome oblíquo ‘a’ de forma estranha, que não segue o critério gramatical nem se trata de um caminho ‘popular’ mais conveniente.

A autora do crime alega que a vítima a teria agredido antes, a via para uma linguagem mais clara, porque não ficaria bem dizer A autora do crime alega que a vítima teria-a agredido antes, ou… tê-la-ia agredido antes.

O artigo trata o veio comparativo entre o popular e o culto.

Quanto ao título da introdução, as duas primeiras expressões são boas, próprias do dizer ‘um copo cheio de água para beber’, cheio no sentido de que não esteja derramando, por questão de educação. Se o copo estivesse pelo meio, não seria um copo de água, apenas outra maneira correta de se dizer. Que o copo conteria alguma água, um pouco de água, uma porção de água, uma expressão também correta, mas em se tratando de caso especial, assim como se diz que ‘Havia uma vasilha com água na mesa’. Esse o viés da última.

Quem deixou essa xícara aqui com café? Não pode, que dá formiguinha.

O copo de água é diferente de o copo com água.

Uma senhora não vai a uma fonte buscar ‘uma lata com água’. Ela vai à fonte e traz uma lata d’água (uma lata de água), cheia de modo que não derrame. Por isso, a letra da música diz ‘Lata d’água na cabeça’ para retratar uma época da nossa cultura.

No dia a dia, dizemos: copo de cerveja (não copo com cerveja). Entendemos o que seja ‘Me dê um copo com água, por favor’ (para beber), mas seria ideal ‘Me dê um copo de água, por favor’ (pois estou com muita sede).

Pedimos um copo de suco de laranja, não um copo com suco de laranja. Ninguém compra uma caixa com biscoito, mas uma caixa de biscoito. Tomamos uma taça de vinho, não uma taça com vinho.

O agricultor compra uma lata de querosene, não uma lata com querosene.

O leite UHT vem numa caixa, uma caixa de leite, não uma caixa com leite.

Garrafa de água mineral, não garrafa com água mineral.

Na mesa, a garrafa de café, e podemos ter a garrafa com café (o restante do café contido na garrafa, já que foi tomada uma parte).

Pegamos um balde de água, não costumamos pegar um balde com água, que pode ser, mas teria outro sentido.

Uma bruaca de feijão, um saco de farinha, uma saca de soja, um caçuá de mandioca, uma cuia de tapioca, uma caçamba de terra. Cf. Caçoar de alguém.

Trata-se de outro sentido se dissermos: um balde com água, uma panela com arroz, um tambor com gasolina, uma marmita com feijão.

Um copo com água é aquele que contém um pouco de água, que serve para regar uma plantinha.

Fica assim. Meio grandinho o artigo, mas o comentário mais amplo facilita o leitor buscar outras comparações.

A par disso, um leitor que encontrou o artigo deste editor com a palavra inglesa ‘bus’, redução de ‘omnibus’, palavra latina, que nos deu ônibus, ‘para todos’, o mesmo que ‘autobús’ em Espanhol, pergunta se a grafia ‘buzu’ é correta.

Não é a determinada pela Gramática, que não segue uma linha de mostrar o que é popular e o que é culto. Sabemos que ‘buzu’ é termo cotidiano para indicar o coletivo urbano, mas é grafia não-oficial, como não seria ‘busu’, mais próximo da raiz ‘bus’. Adoramos palavras onomatopaicas, por isso, ‘buzu’ passou a existir, e é citada no dia a dia.

Obrigado pela visita.

João Carlos de Oliveira

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