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‘Ficamos no aguardo de seu pronunciamento’, registra o documento. ‘Aguardo’ (nesse contexto, um substantivo) está correto?

Está, e bem aceito pela Gramática Normativa, fato que alguns, talvez, não saibam.

Por que tanta estranheza?

Um consulente, como consta de um artigo sobre Língua Portuguesa, publicado na famosíssima Net, pergunta se esse termo está correto. E duvida de tudo. Diz, analisadas as entrelinhas, que desse jeito ‘o idioma irá de água abaixo, que pessoas não sabem mais o que falam nem escrevem e estão atrapalhando o andamento do bom Português’.

Houve o ledo engano do questionador, e dessa feita a investida não foi segura.

Cabe dizer, confirmando que esse tipo de substantivo, o derivado regressivo, está amplamente amparado pela norma; se não for palco da linguagem culta, mas o é seguramente da linguagem popular, e que não se trata de erro. Não há distorção de grafia nem de seu aspecto semântico.

‘Ficamos no aguardo de seu pronunciamento’ (de sua resposta, de seu parecer, de seu contato etc., como se vê em outros momentos) seria o mesmo que ‘Estamos aguardando seu pronunciamento’ (ou simplesmente, Aguardamos seu pronunciamento).

Certo é que sinônimos e definições há, e são comuns no dia a dia. Muito bom que assim seja para mostrar o estilo de cada um, a linguagem escolhida por esse ou aquele redator, vertente ou variedade do mundo do falar e do escrever.

Nada melhor que isso, superior a quem usa linguagem repetida, ‘modelo’ de outrem, de alguém que se destaca em um segmento, e outros agora copiam seu modus operandi linguisticamente. (Pode-se afirmar isso?)

O modelo básico é o da boa linguagem, e que numa redação se siga a norma, salvo o momento da liberdade poética, da metáfora estapafúrdia, ou do contexto popular ‘fujão’ à norma. Nenhum ‘modelo’, se houver cabimento para essa razão, é absoluto, já que o idioma não é ‘morto’, e, tanto mais variável, melhor, a seguir seu rumo no universo de registrar mensagens, pois, através dele e delas, é que possamos entender o que nos envolve.

“Pois, pois, seu ‘Antonho’, o que o senhor vai dizer-nos?”, reclama o vizinho cheio de saberes.

Então, seu Antônio, também chamado ‘Ontônio’, o que é um derivado regressivo?

‘A palavra menor que o primitivo que a gerou’. Simples assim.

Buscando o teor gramatical, a regra decanta que se trata do ato ‘de formar palavras pela supressão de elementos finais existentes nas palavras primitivas’.

Conforme uma Gramática, sarampo é a forma regressiva de sarampão, o nome da doença (palavra que pouco se usa ou se conhece, salvo a área médica), como asco, substantivo, formado do adjetivo asqueroso.

Pelo seu aspecto gramatical, asqueroso é que é derivado, que recebeu o sufixo -oso, formado de asco, palavra de origem grega a partir do étimo eschára, com o significado de casca. Para nós, asco é nojo, repugnância, aversão (entre outros).

‘Aguardo’, nossa palavra em discussão, vem de aguardar, o verbo. Sim, a maioria dos derivados regressivos nasce de verbos, e são ditos deverbais.

Pode-se dizer que grande parte da população usa livremente esses deverbais; o que resta saber é se o faz de forma consciente, sabendo de onde vem o vocábulo empregado na frase ou o faz pelo uso automatizado.

O saber importa pelo fato de um vocábulo possuir três sabores: a grafia, o significado e a pronúncia.

Um exemplo clássico, corriqueiro, é ‘ganho‘, como substantivo, e quem sabe o consulente já o conhece, mas não fez relação de um caso com o outro. Estranhou ‘aguardo’, mas ‘ganho’ está no mesmo nível.

Hoje, praticamente, todo artigo analista da nutrição, dos tão afamados nutrólogos e nutricionistas, usa algo similar a isto: “O que implica ganho de peso.” Ganho, o que ganhou a mais, o acréscimo ou aumento, como a parte adiposa.

Companheiros de aguardo e ganho, temos venda, de vender; dança, de dançar; pesca, de pescar; passeio, de passear; caça, de caçar (todos substantivos: a venda, a dança, a pesca, o passeio, a caça, assim como o aguardo, o ganho).

Precisa-se de um olhar mais cuidadoso e ‘gramatical’, voltado à grafia e ao significado da palavra questionada.

A outra parte é a variedade do falar e do escrever, e deixar o povo se esbaldar, usar o idioma como lhe for conveniente, no limite entre a liberdade de expressão e o respeito ao ditame da senhora Gramática Normativa. E muito consultar para que a bússola não fique à deriva.

Até a gíria tem seu derivado regressivo: o portuga, para designar o cidadão português, e o amasso (‘Vou dar-lhe um amasso’), do verbo amassar, cujo significado fica a critério de quem o pratica.

O Mengo (aférese de Flamengo) é um deles, tão carinhoso como o flamenguista o usa.

Uns da fala popular: o boteco (de botequim), o agito (de agitar, o mesmo que agitação); o comuna (o comunista); e outros indicativos de ação: a compra (de comprar), o resgate (de resgatar), o debate (de debater), a troca (de trocar), a perda (de perder), o consumo (de consumir), o choro (de chorar), o socorro (de socorrer), o soco (de socar), o emprego (de empregar), a ajuda (de ajudar), o beijo (de beijar), o arremesso (de arremessar).

Felizmente, há muitos artigos, dos bons, sobre derivados regressivos, para a devida consulta e o porquê de cada caso.

Esses novos vocábulos são prato-cheio para o poeta, para o cordelista, para o redator que quer inovar, saindo do lugar-comum, e todos os que busquem a variedade linguística na fala ou escrita, sem o pejo da ofensa ou da discriminação.

O outro lado é deixar que a linguagem se transcorra normal, como o riacho corre certo por entre as linhas sinuosas da Serra do Tombador perto de Lages do Batata, distrito de Jacobina.

Deixemos a vida fluir! O comentário deve ter sido suficiente para se entender os derivados regressivos, razão de que ‘Ficamos no aguardo de seu pronunciamento’ é expressão correta.

Para fechar, um ponto-de-vista que tem a ver, também, com a linguagem, por isso, cabível.

Convida-se um grupo de escolares para visitar um local deserto, onde não existem água, floresta e animais, a parecer uma cratera lunar. Ninguém se predispõe a ir, mesmo com tudo ‘de graça dado’.

Convida-se uma turma para um passeio ecológico cujo ambiente tem cachoeiras, lagos, lagoas, animais endêmicos, florestas, similar a que alguns costumam chamar ‘paraíso perdido’.

Todos sorriem e se prontificam. O anfitrião diz que a juventude pode levar de tudo. Filma-se a entrada da turma nos ônibus, e lá se vão sacolas e mais sacolas. Com quê? Com bebidas diversas (as al-co-ó-li-cas tentam furar o cerco), além de comidas, vasilhames diversos, hambúrgueres enrolados. E que tal um xampu da moda para, após o banho em águas límpidas, dar uma ‘lambuzada’ nas madeixas lindas!

E agora? Filma-se toda a turma na volta. Ninguém traz a sacaria que levou. Tudo levado fica lá, de copos plásticos e garrafas a ‘lençóis’ para cobrir o corpo bronzeado, a barriga-tanquinho que ‘Deus me deu’ (porque seria natural).

O ‘paraíso perdido’ está poluído… Muitos lugares neste Brasil de nosso Deus está cheio de lixo, das ilhas frequentadas por emergentes aos balneários naturais e artificiais.

Cadê a ‘Civilidade Brasileira’ moderna?

João Carlos de Oliveira

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