0

Você também troca ‘e’ por ‘i’ ao pronunciar palavras? Que assunto é esse? De que estamos falando?

Por que brasileiros cometem esse ‘vício de linguagem’? A resposta estaria no modo impulsivo de falar em alguns momentos, dominados pela emoção, pelo entusiasmo ou até pela raiva?

Em muitos casos, temos que respeitar o sotaque regionalista – diferente em cada pessoa e em cada região. Dizem os estudiosos da nossa Fonologia que o soteropolitano tem um modo especial de pronunciar o termo ‘titio’, muito mais quando quer expressar afetividade ao conviva. Baianos há, como pode haver outros nordestinos, que têm um jeito especialíssimo, passado de pai para filho, de dizer ‘oito’ ou ‘oitenta’ (aos ‘oiteinta’ anos, ainda namora). E não adianta tentar consertar. É assim e pronto. Vale o respeito à pronúncia alheia. Há pouco, discutiu-se a pronúncia fechada ou aberta da vogal tônica em Roraima – ‘rorãima’, ‘roráima’. O vocábulo ioga, do sânscrito yoga (união), pela observação didática da Ortoepia, tem a vogal tônica fechada (‘iôga’), mas se ouve muito o som aberto (‘ióga’). O que se avaliar dessa alternância fonética? Nada. É importante que se admitam as variedades fônicas como partícipes da nossa linguagem cotidiana.

O assunto do título não é irrelevante; é extenso e acata diferentes interpretações – na escrita, temos a letra ‘e’, mas na pronúncia predomina o fonema ‘i’. Não seria demais relembrar que ‘letra’ se refere à grafia, e ‘fonema’, ao mundo do falar. Um vocábulo pode ter o mesmo número de letras e fonemas – casa, ‘caza’; lavam, ‘lavãu’; mais letras e menos fonemas – hoje, ‘oje’; ou menos letras e mais fonemas – tóxico, ‘tócsico’.

O assunto demanda tempo e profundidade e nos envolve desde os primórdios da nossa Língua – o Latim ‘octo’ se transformou em ‘oito’. O homem português, que tem seu sotaque clássico, talvez, em adesão a Camões, é rigoroso com o cuidado fonético; o homem brasileiro, menos rigoroso consigo mesmo e muito ‘crítico’ da pronúncia do vizinho, é adepto de ampla liberdade ao pronunciar as palavras, e ai de quem querer ser um bedel no assunto; pode levar um puxão de orelhas. Por isso, as diferenças do Português daqui para o de além-mar e de todas as ‘idiossincrasias’ populares no Brasil. ‘Buta’ uma dose de ‘caichaça’. ‘Eu te amo muinto meu amôr’. Além disso, o sotaque brasileiro é açucarado – Tu és o Sol que me alumia, querida!; o luso, sucinto e anasalado – Nossa espr’ança vive trás os montes do Alentejo.

Assim, vamos os brasileiros apresentando variações curiosas – ‘Sêo ofiricido’. Ele tem o ‘apilido di Juão’. ‘Córri’ o maior ‘pirigo’. Nossa ‘catiguria’ é diferente da dele. O ‘lião’ está ‘souto’. Ela é uma grandessíssima ‘mintirosa’. Seu ‘viado, discarado’. Vá ‘pur’ aqui e pegue o ‘sintido’ da direita. Traga a ‘tisoura’ aí, ‘minino’. Faço Pilates naquela ‘acadimia’. E muitos outros exemplos. Cite os seus.

Pode surgir a pergunta se a grafia é veado ou ‘viado’. A explicação plausível é que ‘viado’ é apenas a pronúncia do vocábulo veado. Numa oficina, pode-se encontrar ‘Faz-se balanciamento’. O substantivo balanço cria os verbos balançar e balancear, e este cria o derivado ‘balanceamento’. Nada mais. A pronúncia tem nuanças variáveis e muitas desconhecidas no âmbito de um usuário – numa região diferente da sua fique atento à pronúncia local – ‘o vizim’, o ‘mininim’. O mineirês, por exemplo, cria termos terminados em ‘im’, uma propriedade regional insubstituível, que lhe dá um tom único. O que dizem sobre certo falar regional que fala ‘cantado’ é relativo – cada um tem seu modo falante, e não deve condenar o do outro. O ‘erre’ forte sulino em ‘porta, carne, viajar’ é marcante, que outros não falam. Repitamos, pois, que o pronunciar é variadíssimo; o escrever deve ser único, exceto que a Gramática Normativa admita variantes gráficas – couto, coito; louro, loiro; quota, cota; tresnoitado, tresnoutado. São milhares de escritas duplas. Fique atento a isso, e respeite o regionalismo. ‘Jugar’ bola, ‘jugar’ baralho.

O ruim é que ‘o errado’ corra o risco de se tornar ‘o certo’; a grafia ‘viadagem’ tem aparecido, mas não pode se tornar uma regra. É tão-somente pronúncia personalíssima. A grafia é seriema; a pronúncia, ‘siriema’. Grafe ‘mexerica’, a laranja, que pode ser pronunciada ‘mixirica’, mas não é a escrita correta. Um ‘moliquim’ brasileiro estava nos EUA e devia levar um balde de leite para uma mercearia, onde o produto seria revendido. Demorou a fazer o que devia. Ao chegar, o americano lhe disse “So late” (‘sou leite’, numa pronúncia livre), que seria um protesto pelo atraso – “Muito tarde”. O moleque entendeu “só leite”, e respondeu garbosamente “sim”, dando as costas e indo para casa. Parece que perdeu o ‘imprego’.

“Mr. Paiva” no Brasil vira “Mr. Peiva” nos EUA, que se torna ‘piva’, e este vem a ser o verdadeiro ‘paiva’. É mole ou você quer mais? Não confunda ‘descrito’ com ‘discreto’. Abraços.

 

João Carlos de Oliveira

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *