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Palavra suave pouco usada – arruela; expressão defeituosa muito usada – ‘mau’ vontade

Coitadinha! Constantemente, na conversa comum e até em oficinas mecânicas, a palavra arruela, a companheira da ‘porca’ para apertar o parafuso, é chamada de ruela. Não, companheiro, aquela, como nos ensina o léxico, é ‘pequeno disco com um furo, por onde passa o parafuso, que se coloca entre a porca e a peça a ser apertada, para evitar desgaste’; esta é um beco-sem-saída, uma viela, a rua pequena e estreita. Arruela vem do Latim rotella, pequena roda. Note que há clara relação semântica entre a nossa querida e esquecida arruela e o termo que deu a sua origem, o étimo latino. A sofredora ruela, por sua vez, diminutivo de rua, é o sinônimo absoluto de viela, também diminutivo, vindo de via. No cotidiano, ruela e viela são ‘gêmeas’ e circulam com abundância, além de outro companheiro, o beco. E tudo se repete – ruela, viela, beco.

São muitas as palavras do nosso dia a dia que rimam com ruela – sequela, aquarela, arandela (disco de vidro, pequeno aro acoplado a uma luminária), pinguela, trela, tramela, tigela, salmonela, parcela, patela, lambidela, olhadela etc. Podem ser relacionados mais de 50 vocábulos populares e cultos (cadela e varicela), muitos usados na literatura de cordel para contar os ‘causos’ dos nossos desafetos. São rimas curiosas e afetivas – ‘Tascou uma cuspidela naquela magrela’.

Algum cidadão, de forma maldosa, querendo menosprezar alguém, logo o chama de zé-ruela, zé-barrela, sinônimos clássicos de joão-ninguém, zé-prequeté,  zé-povinho, todos proferidos com intenção pejorativa. Não se conhecendo uma pessoa, pergunta-se pelo seu nome para se iniciar uma conversa ou uma referência, mas não o fazem. Vem logo um pejorativo – seu zé-dos-anzóis, zebedeu, zé-ninguém, e logo depois zé-ruela, um borra-bota. A única justificativa, ainda assim pouco plausível, é que esses termos anedóticos até fazem parte da nossa cultura, da nossa brasilidade.

E ‘mau‘ vontade? “Ele com mau vontade”. Vamos ser claros – se se usa com fartura ‘as más-línguas’, para designar os que ofendem emitindo feridas pelos cotovelos, combinação em que fica evidente a flexão do adjetivo ‘más’, feminino plural de ‘mau’, para se unir a ‘línguas’, por que se esquece agora da flexão correta ‘má vontade’? A ordem dos termos não importa, a má vontade, a vontade má, assim como a má notícia não deve ser alvissareira, mas o seu antônimo – a boa notícia – sim, e deve ser bem usada – as boas notícias devem ser noticiadas, divulgadas, repetidas, e por que gostam tanto das ‘maus’ notícias? Trata-se, pois, caro leitor, de grandiosa desatenção. O adjetivo mau tem seu feminino . E pronto. Onde couber bom, cabe mau; onde couber boa, cabe má. E pronto. Bom dia, mau dia. Boa noite, má noite. Aliás, ‘bom-dia’ é o cumprimento. ‘Bom dia’ é um dia salutar. E pronto.

Se temos, como sabemos, os maus momentos, os maus companheiros, os maus elementos, devemos ter sem pestanejar as más ideias, as más palavras, as más horas. Observe com os olhos bem atentos – se preferir o singular ao plural, deixe os termos à vontade – a má hora, a fada má, a má notícia, a má vontade, a má companhia. Para ele, o substantivo masculino, use ‘mau’ – mau momento; para ela, a palavra feminina, use ‘má’ – má mulher. Se quiser o plural, pronuncie forte – os maus, as más. Ou junte tudo – as más notícias, os maus momentos. Assim, se errava antes, não vai errar mais. A má vontade, as más vontades. A má hora, as más horas. A má companhia, as más companhias.

Está bom por hoje? Volte depois, que você vai encontrar algum outro enrosco do nosso idioma que precisa ser desativado.

Pensamento – quem assiste à apresentação de uma orquestra sinfônica não pensa mais em violência ou guerra.

Expressão camponesa – quando a coroa é boa, o peão ronca. A análise é que foi usado ‘peão’ no lugar de ‘pião’, a peça da engrenagem mecânica. A malandragem está nesse ‘peão’, que agora designa o homem rude, mesmo que a pronúncia seja ‘pião’. Pense nessa troca.

 

João Carlos de Oliveira

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