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O tempo do verbo pode alterar a semântica da frase? Prejudica a informação do contexto?

O assunto não é debatido no cotidiano nem parece ser encontrado nos comentários sobre o uso dos tempos verbais nos contextos históricos, jornalísticos, literários ou outros tradicionais. Requer, entretanto, um pouco de atenção.

Como professor de Língua Portuguesa, sempre fui intrigado com o uso de ‘era’, pretérito imperfeito do modo indicativo do verbo ser, em alguns enunciados. Falam de um cidadão, citam-no e de repente dizem ‘Ela era o prefeito de…”. Não seria mais seguro que fosse usado o pretérito perfeito, ‘foi’, – Ele foi o prefeito de, ou até o mais-que-prefeito, ‘fora’, – Ele fora o prefeito de, no lugar de ‘era’, que parece ‘inseguro’ e ‘incompleto’? É esse o meu questionamento, incluídas outras situações.

É evidente que o enunciado escrito no pretérito mais-que-perfeito não é popular, mas caberia muito bem num texto jornalístico ou histórico de cunho clássico – Machado de Assis fora o primeiro Presidente da ABL, uma vez que se tenha dito que ‘foi’ um grande escritor; jamais dizer ‘Ele era carioca’. Ele foi um dos fundadores da ABL. Se quiser se destacar o charme, cabe – Ele fora um dos fundadores, mas sempre dizer ‘Ele é carioca’. É um grande escritor.

Consultando uma enciclopédia, no capítulo de Literatura, encontrei este enunciado sobre o poeta abolicionista Castro Alves – ‘poeta brasileiro cujo nome completo era Antônio Frederico de Castro Alves’.  Não teria sido melhor que o autor do texto dissesse ‘cujo nome completo é Antônio Frederico de Castro Alves’ para se ter uma linguagem elegante e bonita?

Um texto histórico diz que Getúlio Vargas ‘era’ o Presidente do Brasil. O político não ‘era’, ele foi o Presidente do Brasil em cujo mandato foi criada a CLT – Consolidação das Leis do Trabalho. Poderia, ainda, ser usada a forma ‘fora’, elegante, segura, radiante, chamativa.

Pense um pouco mais comigo – um cidadão está diante de um féretro em que jaz o corpo de sua mãe, e ele diz para os presentes: “Ela era minha mãe”. Mesmo morta, ela continua sendo sua mãe. Ela é minha mãe, deveria ter tido. Ela foi uma grande mulher, poderia ter dito.

Já analisei na coluna que tive no jornal Alerta a frase ‘Ela era minha ex-esposa’, que não está bem redigida. São duas opções lógicas: Ela foi minha esposa. Ela é minha ex-esposa.

É evidente que não se trata de um recurso fácil para quem não conhece os trâmites do uso dos tempos verbais, mas ficam claras as versões optativas e comentadas.

Vendo um pouco mais sobre Castro Alves, o texto diz “O jovem poeta era fisicamente bonito e além disso extremamente vaidoso de sua beleza e fama’. ‘Era’, nesse momento, se ajusta ao contexto histórico com maestria, mas poderia ter sido usada a forma ‘foi’, que defendo muito – O jovem poeta foi fisicamente bonito… O mesmo texto diz, em outro momento, “Castro Alves é um dos criadores da Poesia Condoreira”. Agora, sim, o tempo verbal combina com a História – Castro Alves é grande poeta, seu nome é… etc.

Coincidentemente, lendo sobre grandes artistas da música no Brasil, um texto diz que Maria Bethânia foi a sexta filha do casal Zezinho e dona Canô. ‘Foi’, e não é mais? Não, Bethânia é… como é a irmã de Caetano Veloso.

Uma crônica sobre o enforcamento de Tiradentes, sábia e literariamente, diz “Tiradentes sobe o cadafalso…”, trazendo o fato histórico da época para a atualidade, como se nós o tivéssemos vendo agora. Tiradentes é o mártir da Inconfidência Mineira. Ele não ‘foi’. Pior seria que se dissesse ‘era’.

Nesses aspectos, pode ser dito assim – Seu Antônio foi meu vizinho naquele bairro. Seu Antônio mora, hoje, em outro bairro. Alguém poderia dizer – João Carlos era meu professor de Português. Substitua a frase por ‘João Carlos foi meu professor de Português’. Não ficaria mais claro?

Analisemos uma frase popular. “Naquele ano, você era meu colega de escola”. A redação está correta, mas ficaria mais segura – Naquele ano, você foi meu colega de escola. Hoje, você é meu sócio na empresa.

Ao narrar um fato, com vários momentos, o pretérito mais-que-perfeito do indicativo, que está caindo em desuso, pode dar um toque elegante ao contexto: Levantei-me cedo, fui ao banheiro, escovei os dentes, tomei café… e saíra para o trabalho.

Outro exemplo: Meu pai foi tropeiro, trabalhou na roça, foi comerciante, viajou pelo sertão baiano, por isso, se tornara um homem bem conhecido na região de Cachoeira Grande, no município de Jacobina, Bahia.

Obrigado por ter lido até o fim. Aguarde outros comentários. É oportuno analisar a diferença entre ‘cláusula’ e ‘clausura’?

 

 

João Carlos de Oliveira

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