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‘Clássico vovô’; ‘Meu vovô clássico Dindinho’

A primeira parte do título refere-se ao clássico entre os times cariocas Botafogo e Fluminense, assim chamado por acontecer há mais de um século, arrepiando a rivalidade entre os torcedores. ‘Clássico’, normalmente, adjetivo, passando pelo crivo da derivação imprópria, agora é substantivo; ‘vovô’, substantivo, agora é adjetivo. O primeiro termo qualifica o segundo.

Trata-se de grande performance do idioma em que palavras podem mudar de classe gramatical num piscar de olhos. Sim, advérbio; o sim, palavra substantivada. Cristo, nome próprio; o cristo (o sofredor) da sala, nome comum.

‘Acabou de haver uma palestra monstro no auditório’. Monstro, substantivo na sua normalidade, passa a funcionar como adjetivo.

Na linguagem coloquial, seria comum o dizer ‘Viva o hoje e não o amanhã’. Hoje e amanhã, na sua trajetória, são advérbios de tempo; a frase os transforma em nomes, dando-se o processo da derivação imprópria em que o vocábulo muda de classe gramatical sem alterar sua forma.

Esse processo de derivação acontece, tranquilamente, em outros momentos:

  1. O antigo nos faz lembrar o moderno.
  2. Sem conhecer o passado, o homem não é capaz de definir o presente.
  3. O talvez sempre o deixa na dúvida.
  4. O amar é a melhor opção para se viver bem.
  5. O sim nem sempre é a melhor resposta.

Na segunda parte do enunciado, ‘vovô’ é substantivo, e ‘clássico’, adjetivo. (Meu Pai Dindinho foi um vovô clássico: sempre, fez tudo com perfeição, e, antes de morrer, relacionou os bens a partilhar, as dívidas a pagar e guardou os documentos numa caixa de papelão em que estava escrito “Um homem prevenido vale por dois”.)

Estendendo ‘a conversa’ para a função do adjetivo, sua colocação no contexto, em especial, na descrição, pode ganhar nova face semântica. A construção frasal diferenciada consiste na ênfase dada a um adjetivo anteposto ou posposto.

Boca pequena. Pequena boca.

A primeira, uma boca meiga, de tamanho diminuto em relação ao que seria o padrão. Mudado o adjetivo ‘pequena’ da posição posposta, como está, para a anteposta, haveria diferença de significado? Nesse caso, parece que não. Mas se tomarmos ‘boca’ como ‘vaquinha’ (o ato de recolher/conseguir pequenos valores para quitar um débito ou adquirir um produto etc.), o adjetivo ‘pequena’ pode indicar semântica diferente: o valor não é vultoso, mas a soma dá ótimo resultado: um centavo daqui, outro dali, e o conjunto passa a ser ‘elevada importância’.

Casa grande. Grande casa. Na primeira, a casa é apenas ‘grande, enorme’. Na segunda, a casa pode ser valiosa por ser de luxo, confortável.

A linguagem popular conhece bem a diferença entre ‘homem grande’ e ‘grande homem’, que dispensa comentários.

Seria possível diferenciar, semanticamente, loja bonita de bonita loja? Local bonito de bonito local? Sim, mas a diferença não é substancial.

Mas todo ser humano percebe a intenção da fala em ‘Qualquer homem pode-se casar’, muito diferente de ‘Homem qualquer não se casa com uma princesa’.

A colocação do adjetivo no texto: posposto ao substantivo é fato mais comum; anteposto, mais literário, cuja semântica pode gerar discussão.

Qual o significado de ‘boa’ depois ou antes do substantivo ‘pessoa’? Seria o mesmo em ambos os casos, ou fica a critério da visão do intérprete? ‘Uma boa mulher’ seria uma pessoa humana? ‘Uma mulher boa’ seria aquela que provoca sensualmente desejos? ‘Uma boa pessoa’, a amiga, a camarada, a honesta? ‘Uma pessoa boa’, em homenagem póstuma, é aquela que deixa marcas de filantropia?

Nesse momento, o impacto do adjetivo ‘boa’, antes ou depois do termo principal, é de suma importância. Analise com perspicácia: bom cidadão, cidadão bom; bom homem, homem bom (que gosta de fazer caridade); bom professor (competente, que tem aptidão); professor bom (de qualidade, mas sem detalhes?). ‘Bons ventos’ o tragam: frase optativa, cujas notícias sejam alvissareiras; caiu uma boa chuva (quase torrencial); chuva boa (que molhou a terra); um bom prato de comida; um bom vinho; uma boa feijoada; uma boa menina; uma boa aplicação financeira.

Rui Barbosa não foi ‘um homem grande’, mas um grande homem. Um poeta talentoso (João Cabral de Mello Neto) é o mesmo que um talentoso poeta (Manuel Bandeira)?

Ficam, ainda, exemplos estes: enfeitados nus; nus enfeitados; corajosos homens enfrentam o dia a dia; homens corajosos enfrentam animais ferozes.

Um pobre menino por ter perdido a mãe; um menino pobre por não comprar um pão.

Pausa: 1. “O senhor já restringiu o acesso dos seus filhos a alguma obra de arte que considerou inadequada?” (Pergunta a entrevistadora, Maria Carolina Maia.) “Não, nós nunca impusemos nenhum tipo de restrição às nossas crianças, hoje com 18 e 20 anos. Mas é aquela história: pais vegetarianos não levam os filhos à churrascaria, nem por isso querem que as churrascarias sejam fechadas.” (Grifo nosso). (Responde o entrevistado, Heitor Martins.) Veja, edição 2.554, 01/11/2017. Páginas amarelas. Esse excerto revela ótima análise e excelentíssima resposta. 2. “A gente tem que aprender lições quando vence, empata e perde. Não aceito o clichê de que se aprende só quando perde. Então, vou perder o tempo todo para aprender?” Tite, técnico da seleção brasileira (de futebol), invicto nas eliminatórias, em O Globo; in Veja (Veja essa, p. 38), ed. 2.553, 25/10/17. 3. Bullying nasce de ‘bully’: ‘a person who makes others do things fear or strength’ (in BASIC Newbury House DICTIONARY). Há algo sério nesse ‘campo minado’, mas há omissas escolas. Ao primeiro sintoma desse ato discriminatório, compõe-se a mesa redonda para dissecar os porquês, orientar o ofendido e ‘coibir’ os ofensores de continuarem com sua ‘horripilante atitude’, que não se trata de simples brincadeira nos corredores de uma instituição escolar, mas de desrespeito, abuso e ofensa.

João Carlos de Oliveira

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