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Como nasceram as palavras? De quais idiomas vêm as que usamos na Língua Portuguesa?

Esta seria a Parte II. Se houver necessidade, talvez, a III, conforme o que puder comentar hoje.

Como é sabido de quem estuda nosso idioma, as palavras usadas no Brasil têm três origens principais: o Latim, com a grandiosa colaboração das línguas neolatinas, as ‘irmãs’ do nosso Português (Italiano, Francês, Romeno, Provençal, Espanhol etc.); o Grego, cujos radicais e prefixos geram enorme quantidade de vocábulos, em especial, termos técnicos, e, em menor escala, o Tupi-Guarani, que seria nosso idioma oficial, não fosse a imposição dos dominadores (os portugueses) em obrigar os habitantes naturais, todas as Nações indígenas, e os que foram chegando, a usar o idioma deles, o Português de Camões, ainda em formação, digamos assim. O ‘Português’, nome nascido de ‘Portucale’, tinha acabado de receber sua certidão de nascimento, e se formava. Comparado com o estágio de hoje, naquele período seria uma língua arcaica, vinda do Latim Vulgar e de outros ‘intrusos’ que bagunçaram a compreensão popular. Chegou a haver uma fase chamada ‘pseudo-ortografia’, tão intensa seria a barafunda idiomática: influência daqui, influência dali, o Latim no meio, o Grego no outro lado, o tupiniquim tentando galgar a encosta da montanha, e outros chegantes se intrometendo num território que não seria seu. Por isso, os empréstimos estrangeiros imigrados para nosso Português é variadíssimo, cuja Gramática Histórica ainda é pouco conhecida; os filólogos é que a têm no seu mundo fechado de estudiosos, e aqueles que fazem o Curso de Letras teriam bom conhecimento de períodos não muito claros. As controvérsias tantas são, as variantes são tantas, que nem sempre as dominamos como deveria ser.

Professor, você não se esqueceu de um grande colaborador do Português brasileiro, diferente do Português lusitano? “Sim, discípulo querido, fui traído pela amnésia momentânea: nosso grande enriquecedor linguístico, fora outros, é o africano, variante muito rica, entre eles, o quimbundo.

Por isso, virá a Parte III.

Antes de contar o momento de uma aula sobre ‘palavras’, olvidando seu significado e imaginando outro (‘bacia’ não seria ela mesma, seria…? Vamos ‘supor’: crie um significado…), anotemos, aleatoriamente, alguns vocábulos que importamos:

Acme (confronte com acne): ponto culminante, ápice, apogeu (grego); pipeta: tubo de vidro, comumente, graduado (francês); pianola: piano que se toca mecanicamente (inglês americano, que, por sua vez, é derivado de ‘piano’, italiano); aia: preceptora responsável pela educação de crianças em família nobre (feminino de aio; latim aviu); cerveja: bebida levemente alcoólica (celta, ou latim ‘cervesia’, vinda do gaulês); dinar: unidade monetária da Argélia e outros países (árabe); solidéu: barrete usado por todos os homens judeus durante as orações (latim soli Deo, ‘só a Deus’); agorafóbico: adjetivo que designa aquele que sofre de agorafobia, medo mórbido de lugares abertos como praças e jardins (ágora, grego agorá: praça pública, e fobia, também grego, medo, horror); bonita palavra, só conhecida do falante que, por exemplo, não usa ‘cabeça de prego’ (larva do pernilongo) ou ‘peta’ (ê), mentira, ou doce popular no Nordeste do Brasil, como em Jacobina, vendido na feira-livre; fuzuê: confusão, briga (brasileirismo);  encanecer: tornar brancos os cabelos, passar a ter cãs (latim); acúleo: aguilhão, ferrão, espinho (latim aculeus).

Bastam esses para mostrar nossa diversidade linguística.

Numa aula de 6a. série do antigo ensino fundamental, equivalente ao sexto ano de hoje, motivado pela inquietação da turma, e sugestionado por um livreto ‘Como redigir e produzir textos descritivos e narrativos’ (os dissertativos não se incluíam nessa série, por sua complexidade), apresentei aos meninos e meninas na faixa etária de onze, doze, treze anos (por aí), em folha mimeografada, uma lista de cerca de 10 palavras conhecidas deles, mas que não podiam ser admitidas com o significado que tinham, que todos saberiam.

Caneta, lápis, borracha, árvore, boneca, menina etc.

Primeiro, tinham que pensar que ‘caneta’ não seria o que é, mas outra coisa. Que coisa? Teriam que criar o nome que lhe desse o novo significado. Eureca! Segundo, para cada ‘ser’ citado, teriam que lhe dar outro nome. Como deveria ser chamado ‘o lápis’?

A turma ficou meio atônita, quase recusando a aula do professor. ‘Time is over’, as folhas foram recolhidas com a identificação de cada um para outra data. A curiosidade cresceu. Um questionou: “Como vou me lembrar do que pensei hoje na próxima aula?”

A aula já teria dado resultado positivo. A memória, com nosso pensar ‘mnemônico’, deveria ser provocada, até surgir uma solução de ‘significado’ para algo já conhecido, e um nome para esse mesmo ‘algo’, fazendo de conta que as palavras relacionadas não teriam sentido.

Foi uma graça! Um aluno, mais ousado, disse que ‘borracha’ parecia ‘coisa chocha’. Lógico! Pela textura. Ele teria associado uma noção de antes com uma de depois. Outro disse que o ‘lápis’ deveria ser chamado ‘chibelar’, algo que desliza, que marca alguma coisa no tempo. Também lógico. A ‘caneta’ para um seria ‘râneca”, em que ele, bem criativo, inverteu a posição de parte das letras, criando ligeiro anagrama. Natércia é Caterina, Isabel e Belisa.

‘Râneca’, nome sugestivo, coloquei anos depois numa cadelinha que apareceu na nossa porta, quase ‘recém-nascida’ que canhava de fome. Alguém a teria deixado de propósito. Por causa dessa batalha semântica e gráfica, minha filha caçula foi ‘batizada’ de ‘Nânica Vádia’, e ela sabe disso, sem ter sido ofendida. Tão pequena, meiga, nossa Perla Távira, foi vista por um cidadão: “É sua filha? Como é o nome dela?” Para o desconhecido e estranho, assim do nada, a menina não poderia ser identificada. Então, veio-me na telha (essa nanica, tão pequena; que nada faz, vadia), é nossa Nânica Vádia. Ele sorriu e disse: “Bonito nome!”

Então, a meninada fez uma bela redação imaginando tudo: outro significado para palavras que ‘ninguém conhecia’ (imagine que você nunca tenha visto ‘iglu’: chute um significado) e dando nome a um objeto conhecido: cavalo não pode ser chamado de ‘cavalo’, mas por outro nome: ‘creso, lorpa, frânico’? Se você entendeu isso, vai entender agora meu artigo e admitir que a origem de cada palavra se deu por acaso. Em Latim, ‘rio’ é ‘flumen, fluminis’, daí fluminense, mas como surgiu a palavra? Pelo barulho das águas? ‘Flu… mi… nis… fluflu’? A resposta, não-dada pelos estudiosos, não importa nem em que idioma.

Tenho uma lista de nomes em vários idiomas para o chamado ‘falo’, nome pouco conhecido para o órgão sexual masculino (Por isso, não use ‘tinha falo’, mas ‘tinha falado’). Não cabe agora relacioná-los, apenas pensar: como dizer ‘boca’ se não houvesse a mesma palavra em Inglês, ‘mouth’; em Francês, ‘bouche’ (fermer la bouche: fechar a boca); em Alemão, ‘Mund’ (termo masculino para eles, como explica o dicionário multilinguístico) etc.? Se, para nós, não fosse ‘boca’, seria ‘xanum’? E como surgiu ‘boca’ em cada idioma, e como surgiram outros? Um esquimó, que nome usa para essa delicada coisa, e se fosse mudá-lo, lhe seria dada a palavra ‘lânia’, já aportuguesada?

Relacione algumas palavras, dê-lhes outros significados e para outros objetos dê-lhes outros nomes, esquecendo os que lhe são conhecidos. Trata-se de um bom trabalho de linguagem.

Abraços.

 

 

João Carlos de Oliveira

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